Carta de Lúcio Lara a «Boa amiga»

Cota
0011.000.060
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Deolinda Rodrigues
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Excerto da carta a Deolinda Rodrigues [dactilografada] Casablanca, 8 de Março de 1960 Boa amiga Afinal só hoje me é possível escrever-te. Estou em Casablanca há 15 dias, mas assuntos de ordem vária fizeram com que só hoje pudesse enviar-te a CARTA da F.R.A.I.N. e algumas palavras a acompanhá-la. É curioso que já aqui em Casablanca recebi uma carta tua de 24/XII passado, que me chegou por intermédio do Rocha. Nessa carta pedias-me que enviasse por teu intermédio umas palavras para os nossos, presos ou não, para lhes dar ânimo. Creio que face aos acontecimentos destes últimos tempos isso já não vale a pena, mas se achares que ainda vale, com muito gosto o farei. É possível que ainda não estejas de posse dos documentos que te enviei de Túnis, pois foram por correio ordinário. Se puder ainda te envio a página de um jornal daqui em que saiu um extracto do n/ rapport à conferência. Tu poderias fazê-lo chegar à n/ terra. Um assunto importante: nós precisamos em absoluto de entrar em contacto com a nossa gente lá de dentro. Com as prisões, os contactos que tínhamos amorteceram um pouco e isso cria-nos certas dificuldades, pois precisamos de estar a par do que se passa dia-a-dia na nossa terra. Serás tu capaz de nos encontrar esses contactos, com pessoas que saibas que estejam integradas na nossa luta? Se o souberes ou se fores capaz de servir de intermediária, avisa urgentemente. É muito importante. As coisas da Conferência por exemplo, têm sido enviadas para Angola para pessoas insuspeitas e até mesmo para o Governador Geral. Mas não as enviamos para os amigos que conhecemos porque não os podemos comprometer. As nossas comunicações dificultaram-se pois alguns portadores foram presos, como sabes. Temos que remediar urgentemente esta questão e pª isso peço o teu concurso. Diz-me pois a quem e como podemos enviar e pedir informações. Com o Miguéis já estamos em contacto, mas ao que ele deu a entender, está há mais de um ano sem notícias da terra. Ora o que é preciso é estarmos em contacto com alguém que esteja lá dentro e nos possa manter a par de tudo e possa servir de elo de comunicação. Espero a tua colaboração neste problema. Recebi carta do Rocha que está entusiasmado com os seus estudos. O amigo que se juntou a nós e que tu conheces está em Londres. Outros nossos amigos estão em Conakry e é possível que todos nos juntemos proximamente ou aí ou em Accra. A nossa luta continua, firme como sempre, embora um bocado aos tropeços com as inúmeras dificuldades que encontramos. Não temos o apoio que necessitamos do nosso povo, em virtude das dificuldades de comunicação. Esse é um entrave muito grande do ponto de vista moral e material. Precisamos quanto antes de vencer a barreira que nos separa das nossas gentes. É preciso que eles saibam que nos últimos tempos o problema colonial português tem sido atacado a fundo graças às démarches que todos vimos fazendo. Muitas organizações africanas têm enviado telegramas de protesto ao Governo português e ao Governador Geral por causa dos presos. Variadíssimos jornais, do Irak, Marrocos, Tunísia, URSS, China, Alemanhas, Bélgica, Ghana, América e até ultimamente o Monde (que sobre as colónias port. guardava sempre um silêncio de morte) têm publicado artigos condenatórios do colonialismo português e referindo-se não só aos presos mas ainda aos Movimentos de Libertação. Se puderes grita isso para os nossos amigos. É preciso que eles saibam que os não abandonamos, mas é preciso também que nos ajudem com o seu apoio. Eles terão que vencer o muro que os cerca e pôr-se em contacto connosco. Eles que nos digam o que devemos fazer pª estarmos sempre em contacto. Diz pª lá isto. É urgente, é importantíssimo. Se puderes manda-lhes uma cópia da CARTA. Em breve publicaremos o MANIFESTO. Como fazer chegar lá essas coisas? Sabes já que o Agostinho Neto tem consultório em Luanda? Com ele, como médico, é fácil contactar. Vê se resolves esse problema. Será uma contribuição preciosa pª a luta. Não se pedem sacrifícios inúteis, mas é preciso que a nossa gente não se deixe vencer pelo desânimo e trate de encontrar novas saídas para substituir as que se fecharam. Em 30 de Abril realiza-se no Cairo a Conferência Afro-Asiát. da Mulher. Lamento não termos dinheiro para te fazer deslocar até lá. Infelizmente o Comité Preparatório não se responsabiliza (como é de hábito, afinal) pelas despesas de deslocação. Como gostaria que lá aparecesse uma delegação de raparigas das nossas terras... Acho contudo que deveis estar presentes ao menos com uma mensagem. Algo de breve, mas significativo e que faça referência à opressão dos n/ povos em geral e da mulher em particular, pelo colonialismo português. Vais pensar nisso? [...] Toda a camaradagem do ass.) Lara

Carta de Lúcio Lara (Casablanca) a «Boa amiga» [Deolinda Rodrigues]

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