Carta de Viriato da Cruz a «Caros amigos»

Cota
0011.000.054
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Viriato da Cruz
Destinatário
Caros Amigos [Lúcio Lara e Amílcar Cabral]
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
1
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Excerto da carta de Viriato da Cruz
[dactilografada]

Conakry, 7 de Março de 1960
Caros Amigos,1

Depois das vossas últimas cartas, datadas ambas de 21 de Fevereiro, nunca mais recebi notícias vossas. Acho estranho o vosso silêncio de 15 dias. Penso que uma vez por semana, pelo menos, nos devemos escrever (salvo no caso de dificuldades financeiras), quer para nos informarmos das nossas dificuldades e dos nossos fracassos, quer para relatarmos os nossos êxitos.
1 – Enviei, há dias, ao Abel, para o endereço habitual, um telegrama nos seguintes termos: «Publiez urgemment manifesto.» Não sei o que pensais a esse respeito. Tê-lo-iam já publicado?
2 – Escrevi-vos, anteontem, uma carta extensa, na qual, entre outras questões, vos relatava a minha entrevista com o sec-geral do organismo a que era destinada a minha credencial. [...]
3 – Na minha penúltima carta, expus-vos, à pressa, o que eu pensava sobre o nosso comportamento, neste momento, face ao problema da Guiné (port.) e de Angola. Reconheço que o assunto é muito melindroso. Volto, por isto, a dar explicações suplementares. O «atraso», que atribuí ao caso da Guiné (port.), é, evidentemente, relativo e não absoluto. Acho o caso da Guiné (port.) atrasado em relação às condições exteriores e às facilidades reais, que poderiam já ter colocado em nível mais alto o problema da Guiné, mas que me parecem insuficientemente aproveitadas. Penso mais: que, se essas condições e facilidades forem melhor aproveitadas, o problema da Guiné (port.) poderá, talvez, em breve espaço de tempo, ser o mais avançado de todas as colónias port. Com esta apreciação não pretendo depreciar nada, mas apenas chamar, construtivamente, a vossa atenção para factos que podem ser melhor aproveitados.
Os principais, (ou o principal) dirigentes do grupo daqui praticam o nacionalismo estreito e o racismo, segundo venho concluindo das conversas que tenho tido.
Admito, no entanto, que é muito possível dar uma orientação nova a esse grupo, porque há massas naturalmente capazes de apoiar uma orientação nova. Mas isto exigiria uma «interferência» directa e ostensiva na actividade do grupo. O H.M. [Hugo de Menezes] não está à altura de proceder assim, neste momento, porque se afastou do grupo, depois de ter recebido uma convocatória ameaçadora. Neste ambiente, algumas das minhas características pessoais militam também em meu desfavor. Assim, acho que, neste momento, a única melhor maneira de fazer andar a coisa para frente estaria na difusão, por entre as massas, do nosso manifesto. Por entre as massas caboverdianas e guineenses aqui residentes. O manifesto teria a vantagem de falar por nós de maneira indirecta e igual, e teria a vantagem de poder chegar ali aonde é quase impossível ir-se em pessoa, neste momento. Eis, em parte, por que remeti o telegrama a que me refiro acima.
4 – Hoje deve começar o julgamento de Luanda. E não sabemos o que fez, efectivamente, a Associação dos Juristas...
A U.P. dos Camarões ficou de enviar, hoje, ao tribunal, um telegrama de protesto. E vou agora ver o que fez a UGTAN.
5 – Por favor, dêem-me notícias dos nossos amigos em Port. e nas colónias. O que se passa? O que se pede? O que se espera? Disse-me, há dias, alguém aqui ter ouvido a rádio Brazzaville anunciar a prisão, em Angola, de um doutor. Quem será? Neto? Boavidas?
Cumprimentos a todos os amigos. Até breve. O meu melhor abraço
ass.) V.

[Acrescentado à mão: Cópia para Abel]

Carta de Viriato da Cruz (Conakry) a «Caros Amigos» [Lúcio Lara e Amílcar Cabral]

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