Carta de Abel a «Caros Amigos»

Cota
0011.000.053
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Abel [Amílcar Cabral]
Destinatário
Caros Amigos [Lúcio Lara]
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
1
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Amílcar Cabral
[dactilografada]

[Acrescentado à mão: Data do correio 5/3/60]
CAROS AMIGOS1
O meu silêncio de alguns dias significa que estou a trabalhar e não tenho tido tempo para escrever cartas. Tenho trabalhado e não estou em Londres para outra coisa. Suspendo agora para responder em particular à carta do V. [Viriato da Cruz] que acabo de receber e que me parece carecer de resposta urgente. Não poderei alongar-me tanto quanto desejo, porque tenho amanhã uma conferência de imprensa em que exporei o caso do julgamento e o essencial sobre a nossa luta. Aproveito também para responder ao L. [Lúcio Lara] cuja família espero esteja bem e, como sempre, disposta a sacrifícios ao lado dele.
Acho que V. fez muito bem ao aproveitar o tempo com o seminário. Concordo com os temas da nota enviada à gente do Barden. Os amigos de aí, embora demorem, estou certo de que resolverão tudo a bem, embora não acalente entusiasmos cegos. Confio e espero, sem deixar de fazer tudo quanto possível para o progresso da n/ luta.
Creio firmemente que a n/ luta não é por conta própria, porque estamos identificados em absoluto com as aspirações dos nossos Povos e, afinal, porque estamos engajados em organizações, com deficiências – é certo – mas que, de forma alguma, são coisa familiar. Temos, aliás, consciência clara das causas-base dessas deficiências.
Temos de fazer mais e precisamos de mais gente a trabalhar. Concluímos isso em Túnis, estamos em démarches para ter mais gente a trabalhar, e sabemos das dificuldades de fazer sair mais gente das nossas terras, pelo menos até termos uma base. Acho que os sacrifícios que todos decidimos enfrentar só devem ter um limite: não devemos fazer sacrifícios inúteis. Não aceito que haja vantagens significativas, neste momento, em usar o m/ nome. Os nossos companheiros sabem que estou fora e sabem quem eu sou. Todo o prestígio de que possamos e devamos lançar mão, tem de vir do nosso trabalho, das nossas organizações e, não, de indivíduos. Usar o meu nome, neste momento, seria criar riscos para companheiros mais chegados a mim (em primeiro lugar) e para a m/ família que as próprias exigências da luta e a necessidade de agir sem embaraços, obrigam a estar afastada de mim, na certeza porém de que seria sacrifício inútil obrigá-la, neste momento, a enfrentar a falta de tudo.
Estou em Londres – todos nós sabemo-lo – para cumprir o que decidimos em Túnis e para arrumar alguns assuntos da m/ vida que tive de abandonar inesperadamente. Para estabelecer novos contactos num meio nunca explorado por nós, maduro na questão colonial, e onde estão presentes quase todos os n/ amigos potenciais. Para alertar a opinião mundial acerca da n/ luta e sobre o julgamento. Para pôr os nossos a par do que fizemos em Túnis, tentar publicar o Manifesto, cuja retenção não me põe banzo, porque sei que não temos dinheiro e o dinheiro vale bem mais que os apoios verbais, e porque sei que esteve a ser estudado e alterado por vários amigos. Para tentar aguentar a possibilidade de ter mais dinheiro, precisamente para o Manifesto e para as viagens de outros amigos. Isso tudo tenho feito e havemos de ver os resultados. Dentro dessa linha vou seguir as vossas sugestões, algumas, aliás, já resoluções.
O grupo da Gui. port. prova que não vale. Não é o único e tenho boas notícias do m/ País. Temos de fazer cada coisa a seu tempo.
Deixo para viva voz discutir a questão da concentração da n/ luta. Decidiremos na base da análise concreta da situação de cada País e de todos. Para já, não concordo c/ os argumentos enunciados.
Os amigos de dentro ainda não disseram nada. Vou remeter mais documentos. Iniciei os artigos para a tal Revista, mas tive de dar prioridade ao julgamento. De qualquer modo, vou acabá-los. Que a nossa pressa, justa, não nos destrua. Temos de marchar, serenos, pa. a vitória.
Acentos, vírgulas, tis e cedilhas2 e a melhor camaradagem do vosso
ass.) Abel

3/mar.
[Acrescentado na margem, à máquina: Caro L.: Que o Paulshen esteja OK e que a Pfluger [Ruth Lara] tenha engordado no recato da MT. Espero que me digas se ainda os artigos poderão ser publicados aí. Gostaria que sim. Que azar o de AGADIR!
A família bem. Rijo abraço do teu
Abel
Tens passado por musulman?]

Carta de Abel [Amílcar Cabral] a «Caros Amigos» [Lúcio Lara]

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