Rapport du MAC à la 2ème Conférence des Peuples Africains

Cota
0010.000.018
Tipologia
Relatório
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
Lúcio Lara - MAC
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
16
Acesso
Público

Excerto do Relatório do MAC [policopiado – original em francês] RELATÓRIO DO M.A.C. À SEGUNDA CONFERÊNCIA DOS POVOS AFRICANOS (Túnis, 25-29 de Janeiro de 1960) 1 [...] O que permitiu que na própria África, mesmo um muro de silêncio tenha abafado a voz dos nossos povos exprimindo a sua oposição ao colonialismo português, não menos nocivo que qualquer outro? Na nossa opinião, isso deveu-se, em grande parte, ao pouco peso de Portugal, cuja presença na cena política internacional continua despercebida, e à permanente e jesuítica repressão policial no próprio Portugal e nas suas colónias, impossibilitando a expressão das mais elementares liberdades democráticas. Isso deveu-se também ao facto da Inglaterra e a França ocuparem lugares de relevo na política internacional e de nesses países o exercício das liberdades democráticas nunca ter sofrido o atentado mortal verificado até ao presente em Portugal. Isto tornou possível a agitação dos problemas coloniais franceses e ingleses de parte de correntes que detêm poderosos meios de informação. Estes últimos factores, de que os movimentos pela emancipação das colónias inglesas e francesas se aproveitaram, deram origem a um monopólio da atenção, da simpatia e do apoio das correntes anticolonialistas do mundo, para com as ditas colónias. Alguns desses movimentos pareciam mesmo dar a impressão que possuíam uma representatividade africana e um poder de acção ultrapassando as fronteiras dos seus países respectivos. Pensamos que esta questão merece uma grande atenção. Portugal, como se sabe, inaugurou a expansão imperialista moderna da Europa em África e foi o primeiro a praticar o tráfico sistemático e massivo de homens negros. Após ter ocupado, pela sua acção em África, um lugar de primeiro plano na execução do maior crime de genocídio jamais praticado na história.Este país, favorecido pelo acordo imperialista mundial contra os nossos povos e pela ajuda interessada de algumas potências imperialistas, empenhou-se na conquista militar das suas actuais colónias da África continental. Contudo, a ocupação militar destes territórios só pôde terminar por volta de 1920, devido à heróica resistência dos nossos povos. Uma vez liquidada a quase totalidade dos quadros dirigentes tradicionais das sociedades africanas, Portugal escolheu o método do colonialismo clássico: a dominação directa. Com efeito, as teses fundamentais do colonialismo português foram sempre formuladas nestes termos: o território africano deve ser considerado como “terra sem dono”, a civilização e a cultura ocidentais têm um valor absoluto e único no mundo, o desenvolvimento mental e moral dos povos coloniais da África continental encontra-se ao nível da animalidade. Assim, os dirigentes portugueses orientaram-se para uma política de anexação forçada das colónias, de assimilação espiritual dos povos e de repressão policial, ilimitadas e incontroladas. É contudo evidente que um país como Portugal, subdesenvolvido, agrícola e atrasado, cujo rendimento nacional por habitante é inferior por exemplo ao Ghana, com mais de 40% de analfabetos, está longe de poder contribuir para o progresso da civilização e da cultura dos povos africanos. Não é por acaso que os trabalhos mais importantes e mais decisivos da valorização dos territórios africanos sob dominação portuguesa foram realizados com o concurso de capitais não-portugueses: Os Caminhos de Ferro da Beira, de Benguela, o Transzambiano, o porto da Beira. [...] Não reconhecendo o “direito dos povos” nas suas colónias, Portugal impôs-nos a nacionalidade portuguesa. Mas o facto de ser um Africano “português” não significa forçosamente ser um cidadão português. Através de uma lei de inspiração racista, a Administração colonial estabeleceu que não se poderia reconhecer aos indivíduos de raça negra e aos seus descendentes o direito de cidadania, como se reconhece normalmente aos Portugueses. Então, os colonialistas portugueses fixaram as condições exigidas ao indígena para se tornar cidadão português: ter mais de 18 anos; falar correctamente a língua portuguesa; exercer uma profissão, uma arte ou um ofício de onde ele possa tirar o rendimento necessário à sua própria subsistência e à das pessoas da sua família ou a seu cargo, ou possuir bens suficientes para o mesmo fim; ter um bom comportamento e ter adquirido a instrução e os hábitos pressupostos para a aplicação integral do direito público e privado dos cidadãos portugueses; não ter sido dado como refractário ao serviço militar nem ter sido dado como desertor. Mesmo em teoria, o africano não-cidadão não tem a mínima possibilidade de participação na vida pública e na direcção dos assuntos do seu país, seja directamente, seja por intermédio de representantes livremente escolhidos. Mas os Africanos cidadãos, que constituem uma minoria não ultrapassando 0,3% da população das colónias portuguesas da África continental, também não podem intervir na vida pública ou na direcção dos assuntos dos seus países, tanto mais que Portugal está mergulhado, há mais de 30 anos, num regime de ditadura fascista. […] Foram tomadas medidas práticas para proibir aos africanos a propriedade de bens rurais e urbanos. Pode-se afirmar que a quase totalidade dos camponeses africanos trabalha em terras cujo direito de propriedade não lhes é oficialmente reconhecido. Por um lado, a lei apenas permite aos indígenas que vivem nas organizações tribais o uso e o benefício das terras necessárias à sua instalação e às suas culturas e, por outro lado, proíbe-lhes o direito de posse das propriedades rurais cuja extensão seja inferior a um hectare. [...] Bastante mais de 70% da produção agrícola de Angola provem directamente da agricultura indígena – onde o trabalho feminino tem um lugar preponderante devido à prática generalizada do trabalho forçado – e o rendimento do camponês de Angola (como aliás o de todos os nossos países) é muito baixo. [...] Em 1953, mais de 570.000 indígenas de Angola e de Moçambique foram obrigados a produzir algodão, por exemplo, numa extensão de terra ultrapassando 320.000 hectares. As culturas obrigatórias não só esgotam os solos africanos como reduzem ainda mais as culturas de subsistência nos nossos países, já atingidos de subalimentação crónica, elevando excepcionalmente o custo de vida nessas regiões e instalando a mais negra fome entre as massas trabalhadoras. O trabalho forçado ainda é praticado nas colónias portuguesas. As causas são múltiplas: a redução demográfica das populações, consequência do secular tráfico de escravos praticado pelos portugueses, a procura de mão-de-obra africana barata, a consciente política portuguesa de genocídio, o atraso económico e os défices da balança comercial e de pagamento de Portugal, a procura de divisas para pagar a instalação massiva de colonos brancos. [...] O sistema do trabalho forçado é acompanhado por métodos herdados da escravatura. Na realidade, os indígenas são vendidos pelas autoridades administrativas (funcionários da administração) aos agricultores e às companhias europeias que desenvolvem entre elas uma dura concorrência na busca de mão-de-obra. Há alguns anos, o Arcebispo de Luanda, num memorando confidencial dirigido ao Governador de Angola, responsabilizava a prática oficial do trabalho forçado pelo pouco progresso do cristianismo entre as massas angolanas. O Arcebispo revelava nesse documento que as autoridades administrativas vendiam cada trabalhador forçado a um preço que variava entre 1.000 e 1.200 escudos. Segundo o Arcebispo, as autoridades administrativas defendiam-se dessa acusação de venderem os negros, afirmando cinicamente que apenas os alugavam. Uma tal corrupção não atinge apenas as autoridades portuguesas, mas também, através delas, os chefes de aldeia africanos, impostos pela Administração colonial. [...] Quanto aos problemas da saúde e do bem-estar dos nossos povos, é de notar que para o ano 1957, se contava em Angola, a colónia mais povoada de colonos portugueses, com um hospital do Estado para 200.000 habitantes, uma enfermaria com menos de 30 camas para cerca de 10.000 habitantes, um médico para cerca de 20 mil habitantes e um enfermeiro para cerca de 10 mil habitantes. Para o mesmo ano, havia em Cabo Verde um médico para cerca de 10 mil habitantes e uma enfermeira-parteira para toda a população distribuída em doze ilhas. [...] Em 1958, Portugal exportou para Angola vinhos cujo valor equivale a 10% do total do valor das importações desta colónia, ao passo que durante o mesmo ano, o valor total das importações angolanas em máquinas e em equipamentos industriais e agrícolas, assim como em medicamentos, foi inferior em 80 milhões de escudos, em relação ao valor dos vinhos importados. Desde há muito que os vinhos ocupam, depois dos tecidos, o segundo lugar entre os produtos de importação de Angola. [...] Segundo um acordo assinado, há vinte anos, entre Portugal e a Santa Sé, as missões católicas detêm o monopólio do ensino dos indígenas nos nossos países. […] Quanto à natureza e à qualidade do ensino ministrado pelas missões católicas, basta reter a seguinte passagem duma recente circular confidencial, dimanada da Administração Civil de Angola, que informa sobre um despacho do Secretário-Geral do Governo da Colónia: «Quem lida com o indígena educado sob a influência das missões protestantes, nota uma diferença flagrante com os que são educados pelas missões católicas: aqueles são mais sociáveis, têm outros hábitos de trabalho, são mais bem educados do ponto de vista cultural e profissional, estão mais preparados para a vida prática; estes são mais místicos, mais acanhados, mais pobres, incontestavelmente mais portugueses»2 […] No entanto, ao lado da miséria extrema imposta por Portugal nos nossos países, acumulam-se riquezas em algumas mãos europeias e, na maior parte dos casos, fora dos nossos territórios. Por exemplo: o lucro líquido da Sociedade de Agricultura Colonial (S. Tomé), do Banco de Angola, da Diamang (Companhia dos Diamantes de Angola), da Congeral, da Purfina, da Companhia Agrícola do Cassequel (Angola), da «Sena Sugar States Ltd» (Moçambique) foi, em 1957, da ordem dos 49% em média em relação ao capital destas empresas. [...] Na realidade, o plano português consiste em aplicar simultaneamente a tradicional política de genocídio (pelos métodos indirectos do trabalho forçado, duma insuficiente assistência sanitária, pela manutenção dos muito elevados índices de mortalidade infantil, pelo alcoolismo das massas, por salários muito baixos) e a favorecer a instalação duma população branca, com o objectivo de manter a dominação definitiva da população branca sobre a população africana. [...] Não podendo opor-se abertamente à solidariedade activa internacional que responde aos apelos dos povos africanos ao sul do Equador e percebendo a impossibilidade de interditar esses apelos, o Primeiro-Ministro português não hesitou em cair numa apreciação racista e grosseira, tendo como objectivo apresentar essa solidariedade como uma intervenção vinda do exterior, alheia à vontade e às necessidades dos nossos povos. Este jogo indigno é claro. No entanto, o próprio Portugal recorre à ajuda financeira, técnica e diplomática estrangeiras para manter e reforçar o seu colonialismo; adquire no estrangeiro o material de guerra enviado para as colónias; ele tem técnicos estrangeiros ao seu serviço nas suas academias militares; os seus oficiais fazem estágios nas academias militares estrangeiras; ele utiliza, fora do seu território, tribunas e meios de informação que mentem sobre o seu colonialismo; ele recusa-se a executar escrupulosamente as suas obrigações de país colonial para com a Organização das Nações Unidas. [...] A nossa luta, travada em condições excepcionalmente difíceis, desprovidos que somos dos direitos e das liberdades fundamentais do Homem e praticamente sem qualquer apoio (não só por parte da opinião mundial), já conseguiu romper o muro de silêncio a respeito do colonialismo fascista de Portugal que se erguia em nossa volta. [...] Conscientes das possibilidades actuais de resolução dos problemas políticos, somos partidários duma liquidação pacífica do colonialismo português. Contudo, tendo tido que sofrer a dura experiência deste colonialismo, não deixaremos de nos preparar para responder à agressão já desencadeada por Portugal contra o nosso país. Lançamos um fervoroso apelo aos Estados independentes de África, aos Povos irmãos deste continente, à humanidade progressista e à O.N.U.: que desenvolvam e conjuguem desde já todos os seus esforços para levar Portugal a cumprir imediata e escrupulosamente os seus deveres de Estado co-signatário da Carta das Nações Unidas. Em particular, A) Apelamos aos Estados Independentes de África para que reforcem a sua acção na questão colonial no seio da O.N.U., colaborando também com representantes verdadeiros dos nossos Países, com vista a levar Portugal a respeitar os deveres que lhe são impostos pela Carta das Nações Unidas no respeitante aos nossos povos, nomeadamente o reconhecimento imediato do seu direito à autodeterminacão e do seu livre acesso ao exercício efectivo deste direito; B) Tendo em conta que, com um furor fascista, o estado colonial português persegue os nossos compatriotas por razões políticas e tendo em conta que priva totalmente os nossos povos do direito às liberdades de opinião, de expressão, de reunião e de associação, apelamos aos Estados Independentes de África para que concedam asilo às vítimas destas perseguições e lhes facultem os meios necessários para que possam exprimir e difundir correctamente a justa Causa dos nossos povos e para que, organizados, se batam por ela. C) Pedimos insistentemente à Conferência dos Povos Africanos que os seus Comités concedam atenção e ajuda concreta aos problemas dos nossos povos, com a mesma deferência e a mesma solicitude que concedem aos problemas dos outros povos africanos. D) Pedimos à Conferência dos Povos Africanos que manifeste desde já ao Governo português e aos Governadores de Angola e da Guiné a sua solidariedade para com os patriotas angolanos e guineenses presos e exija a sua libertação imediata. E) Pedimos à Conferência dos Povos Africanos que adopte oficialmente, durante esta Sessão, uma «Jornada de Solidariedade para com os Povos Africanos sob Dominação Portuguesa». Propomos que, nesse dia, todas as organizações africanas interessadas em concretizar a sua solidariedade: 1. Organizem meetings populares sobre os problemas dos nossos países; 2. Dirijam telegramas, cartas, abaixo-assinados, etc. ao Governo de Portugal e aos Governadores das suas colónias, a) protestando contra a ditadura colonial-fascista que impede totalmente os nossos povos de escolherem uma solução pacífica para os seus problemas; b) exigindo a libertação de todos os patriotas africanos e de todos os simpatizantes da nossa causa, que se encontram presos; c) pedindo a abertura imediata de conversações entre Portugal e as organizações políticas das colónias para que os nossos povos exerçam o direito à autodeterminação. 3. Dirijam telegramas e exposições à O.N.U., pedindo a esta organização que vença a sua injusta posição actual face à anexação forçada dos nossos Países por Portugal. O M.A.C. engaja-se desde já a disponibilizar a documentação sobre os problemas das colónias portuguesas a todas as organizações africanas interessadas no cumprimento das palavras de ordem que esta Conferência dará sobre a «Jornada de Solidariedade para com os Povos das Colónias Portuguesas». Desejamos, por fim, em nome dos nossos povos, pleno sucesso a esta Conferência e a aplicação prática e imediata das suas Resoluções.

2ª Conferência do Povos Africanos (Túnis, 25-29/01/1960) - Rapport du MAC à la 2ème Conférence des Peuples Africains (Relatório do MAC)

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