Movimento Anti-Colonialista (MAC) – Manifesto

Cota
0009.000.060
Tipologia
Manifesto
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Autor
MAC
Data
Jan 1960
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
46
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

MOVIMENTO ANTI-COLONIALISTA (M.A.C.) M A N I F E S T O A N T I – C O L O N I A L I S T A AOS POVOS DAS COLÓNIAS PORTUGUESAS DE ÁFRICA (Da Colecção “Documentos do M.A.C.”) Janeiro 1960 **** AFRICANOS: LEIAM, ESTUDEM, EXPLIQUEM, DISCUTAM E DIVULGUEM ESTE MANIFESTO! ELE DEVE SER CONHECIDO POR TODOS OS HOMENS, MULHERES E JOVENS DOS NOSSOS POVOS OPRIMIDOS PELO COLONIALISMO PORTUGUÊS! ***** I. OS POVOS AFRICANOS E A DOMINAÇÃO ESTRANGEIRA 1. Uma tradição de luta contra o colonialismo O exame da História dos Povos Africanos demonstra, inequivocamente, que nunca esses povos deixaram de lutar até o limite das suas forças contra a dominação estrangeira. A luta pela liberdade e contra o domínio estrangeiro, é um facto concreto e permanente de tradição histórica dos povos do Continente Africano e, realizada sob várias formas, atesta a sua inalienável vocação para determinarem eles próprios os seus destinos – livres e independentes de imposições estrangeiras. O direito à autodeterminação e à independência é, pois, a expressão da tradicional e sempre manifestada vontade combativa dos povos Africanos contra a dominação estrangeira. Em verdade, a dominação, a pilhagem e a exploração dos Africanos e de África pelas potências colonialistas, só puderam assumir grandes proporções, quando os países imperialistas, sob inspiração e direcção de potências europeias, puseram em prática uma Frente imperialista mundial contra os povos Africanos. A Conferência de Berlim de 1885 foi uma etapa decisiva da subjugação de África pelo imperialismo. Mas, apesar da superioridade técnica dos países imperialistas, alicerçada, aliás, no monopólio europeu dos valores criados por civilizações milenares da África e da Ásia, a dominação estrangeira nunca chegou a ser completa. Os povos Africanos nunca deixaram de manifestar, sob várias formas, um ódio activo ao domínio estrangeiro. Esta é a honrosa tradição dos povos de África em face da dominação estrangeira. Nós, os Africanos de hoje, devemos conservar e exaltar essa tradição com dignidade. 2. A luta vitoriosa dos Africanos contra o colonialismo A resistência dos Africanos ao colonialismo entrou numa fase mais enérgica e irreversível com a participação dos Estados independentes de África na Conferência de Bandung (1955) e com a adesão activa dos povos Africanos aos princípios por ela expressos. A Conferência de Bandung condenou o colonialismo sob todas as formas e considerou-o como "um mal que deve ser rapidamente liquidado"; proclamou que "a sujeição dos povos ao jugo, à dominação e à exploração estrangeiras, constitui uma negação dos Direitos Fundamentais do Homem, é contrária à Carta das Nações Unidas e é um impedimento à promoção da paz e da cooperação mundiais"; declarou sustentar a causa da liberdade e da independência para todos os povos; fez apelo às potências coloniais para concederem a liberdade e a independência aos povos dependentes; proclamou o princípio da ajuda mútua dos povos da Ásia e da África na luta pela liberdade, pela independência e pelo progresso. A Conferência de Solidariedade dos Povos Afro-Asiáticos (Cairo, 1957), realizada depois da libertação de mais povos do domínio estrangeiro, foi uma prova de que as massas populares organizadas da África e da Ásia tinham transformado o "espírito de Bandung" numa força invencível, para a luta contra o colonialismo. Essa Conferência afirmou que os "princípios de Bandung" "devem constituir a base das relações internacionais"; votou que "o direito à completa independência de todas as colónias e de todos os protectorados seja reconhecido, e que seja reconhecido imediatamente pelas potências em causa". A Conferência dos Povos Africanos (Accra, 1958) reafirmou os princípios das Conferências de Bandung e do Cairo, e veio avivar no coração de África a chama da luta pela liquidação do imperialismo e do colonialismo; proclamou que essa luta é a missão mais urgente e mais importante para todos os Africanos, e que a libertação de África da dominação estrangeira será obra dos próprios Africanos; estabeleceu que a África terá de ser completamente libertada ainda na presente geração. A prática quotidiana da luta contra o colonialismo está a forjar um futuro digno, imediato, para os povos Africanos. A luta dos povos do Quénia, da Niassalândia e da África do Sul, longe de terem sido liquidadas, desenvolveram-se mais e melhor. A luta heróica do povo da Argélia está a provar que qualquer povo Africano oprimido é capaz de resistir e de lutar vitoriosamente contra os opressores colonialistas – e é um exemplo e uma fonte de inspiração para os movimentos de libertação nacional em África e no mundo inteiro. No Congo, no Ruanda-Urundi e no Tanganyika, a luta do povo Africano marcha para a vitória, e os povos da Nigéria, Somália, Camarões, Togo e Federação do Mali (Senegal e Sudão) reconquistarão a independência dentro de pouco tempo. Em menos de dez anos milhões de Africanos, entre os quais os povos do Ghana e da República da Guiné, reconquistaram a independência nacional. Em 1960 a maior parte do Continente Africano ficará livre do domínio político colonial. Hoje, em toda a África, sob diversas formas e graus, os povos estão empenhados numa luta vitoriosa contra o colonialismo. Este é, na realidade, o aspecto mais dinâmico do contexto histórico actual. Nele está integrada a nossa luta – a luta dos povos Africanos das colónias portuguesas contra o colonialismo português. II. SOBRE O COLONIALISMO PORTUGUÊS 1. Razões de sobrevivência do colonialismo português O colonialismo português conseguiu sobreviver à partilha de África promovida por potências imperialistas poderosas no final do sec. XIX, porque a Inglaterra apoiou as ambições de Portugal que, sobretudo depois do Tratado de Methwen (1703), se convertera numa semi-colónia inglesa. A Inglaterra tinha interesse em se servir das colónias de Portugal, não só para explorar os seus recursos económicos, mas também para usá-las como bases de apoio na rota para o Oriente e manter, assim, um domínio absoluto no Oceano Índico. Para contrariar a cobiça das outras potências e defender os seus interesses em relação às colónias portuguesas, a Inglaterra encontrou a melhor solução: defendeu os "direitos" da sua semi-colónia. É por isso que, por exemplo, Portugal concedeu a uma empresa privada, em que dominavam interesses ingleses, direitos soberanos sobre uma extensão correspondente a 17% do território de Moçambique. É por isso que, antes da segunda Guerra Mundial, o total de investimentos ingleses nas colónias portuguesas era avaliado em mais de vinte e cinco milhões de libras. A prostituição dos países Africanos que domina, tem sido uma prática corrente da política colonial de Portugal em face dos interesses imperialistas. Só com o apoio desses interesses o colonialismo português tem conseguido sobreviver em África. Por outro lado, a ganância dos colonialistas portugueses chegou ao ponto de terem sido depositados na Câmara dos Deputados de Portugal (1888 e 1891) projectos de lei para autorizar a venda da Guiné e Moçambique, das colónias indianas, de Macau e de Timor, por um milhão duzentos e cinquenta mil contos. O duque de Palmela chegou a oferecer Lourenço Marques à Inglaterra, em troca de auxílio à causa do liberalismo português. Portugal pouco mais tem sido que o despenseiro, por vezes ganancioso, dos recursos humanos e materiais dos nossos países, ao serviço do imperialismo mundial. Esta é a verdadeira razão por que o colonialismo português tem conseguido sobreviver em África. 2. Conquista armada e anexação de países Africanos Na Guiné, Angola e Moçambique, o domínio português impôs-se pela conquista armada. Com as chamadas "guerras de pacificação e de ocupação", Portugal, na verdade, conquistou e ocupou esses países. Trata-se de uma ocupação de guerra, e de guerra injusta, de territórios habitados e governados por povos Africanos antes da conquista portuguesa. E a ocupação de guerra é e foi sempre considerada ilícita em Direito Internacional. Portugal, ao considerar essas colónias (territórios e povos não-autónomos, dominados, administrados e explorados pelo colonialismo português) como fazendo parte da "Nação" portuguesa, procedeu a uma anexação pela força. E a anexação pela força está proibida pelo Direito Internacional. Mesmo que se tivesse verificado a assimilação total dos territórios e dos povos dessas colónias a Portugal, tal assimilação careceria de fundamento jurídico válido, se ela não fosse realizada sobre a base do prévio consentimento livre dos povos em causa. Em S. Tomé e Príncipe e Cabo Verde, populações Africanas transportadas para esses arquipélagos como escravos, conquistaram, em séculos de trabalho explorado pelo colonialismo português, o direito à posse desses territórios e o direito de disporem livremente dos seus destinos. A situação dessas colónias é idêntica à de Angola, Moçambique e Guiné, porque a quase totalidade das suas populações é distinta do povo português, porque a ocupação portuguesa é mantida pela força e porque a sua inclusão na "Nação" portuguesa não se baseou no prévio consentimento livre dos povos em causa. O desrespeito do Governo português pelas normas de Direito Internacional e pelos deveres que lhe impõe a Carta das Nações Unidas, mostra que a política e a cultura de Portugal são atrasadas. Na verdade, o Governo português teima em continuar a manter, pela força e mesmo desesperadamente, o domínio colonial nos nossos países. Portugal, na segunda metade do sec. XX, continua a encarar o problema colonial com o espírito imperialista das épocas anteriores à Conferência de Berlim, quando imperavam a lei do mais forte, o tráfico negreiro, a pirataria e a conquista baseada na guerra injusta. Para disfarçar esta verdade – a violenta exploração a que os nossos povos estão sujeitos – os colonialistas portugueses invocam "princípios" e inventam "argumentos". 3. Princípios ultrapassados e argumentos falsos Estão ultrapassados os princípios jurídicos invocados por Portugal, para defender o seu domínio colonial sobre povos Africanos. O "direito histórico", o direito às colónias com base na descoberta e na primeira ocupação, foi negado e destruído pela Conferência de Berlim de 1885. A "ocupação efectiva", nova base jurídica do direito às colónias, erigida pela referida Conferência de Berlim, foi negada e destruída pelo Pacto da Sociedade das Nações. A "exigência do progresso, do desenvolvimento material e moral das colónias e das suas populações" – nova base jurídica do direito às colónias, estabelecida pelo referido Pacto da Sociedade das Nações – foi negada e destruída pela Carta das Nações Unidas. A Carta das Nações Unidas consagra o direito dos povos a disporem de si mesmos e afirma como desejável a restauração dos direitos soberanos e do governo próprio para os povos que deles foram privados pela força (Art. 1º e 55º). Todos os princípios jurídicos do direito às colónias estão, pois, negados e destruídos. Aliás os nossos povos nunca deram o seu prévio consentimento livre a esses princípios. São falsos os argumentos inventados por Portugal para fugir às obrigações que lhe são impostas pela Carta das Nações Unidas. A chamada "política de assimilação" dos povos Africanos, além de ser falsa do ponto de vista científico, é desumana, oportunista, imoral. Baseia-se, na realidade, na tese racista da indignidade e da incapacidade da raça negra e, consequentemente, no desprezo total dos valores da cultura e da civilização negro-africanas; pretende impedir que o génio dos povos Africanos, na sua autenticidade original, contribua para o enriquecimento da cultura e da civilização humanas; fomenta o desprezo, o desrespeito e a dessolidariedade de minorias ditas "assimiladas" para com as grandes comunidades Africanas a que realmente pertencem. Mas a falsidade da "política de assimilação" é provada na prática pelos próprios resultados e condições da sua aplicação. Ao cabo de cerca de quinhentos anos, o número de Africanos ditos "assimilados" não chega a 0,3% da população total das colónias. Além disso, é evidente que, se a teoria da assimilação fosse verdadeira e praticável, poderia conduzir, embora ao fim de uns milhares de anos, à destruição da exploração colonial pelas populações assimiladas. Em face desta perspectiva, os colonialistas portugueses são os primeiros a contrariar na prática a aplicação da sua "teoria": exigem aos Africanos, para poderem ser considerados "assimilados", a satisfação, rigorosamente provada, de condições económicas, sociais e culturais que, por exemplo, a grande maioria do próprio povo português não possui. Para maior segurança o facto de um Africano conservar ou não a condição de "assimilado" depende unicamente da autoridade administrativa, que pode retirá-la em qualquer momento ou, muito simplesmente, não tomá-la em consideração, para os efeitos práticos da política de exploração colonial. Com base na "política de assimilação", Portugal tem vindo a praticar a destruição sistemática dos valores da cultura Africana nos nossos países. Nós, os Africanos das colónias portuguesas, conhecemos as mentiras, as perversidades e as hipocrisias contidas nessa política que tem tentado dividir-nos para nos explorar mais e melhor. Sabemos quanto custa obter um "bilhete de identidade" (prova de assimilação), para fugirmos à desgraça de ser considerado "indígena" e, ao fim e ao cabo, continuarmos humilhados e explorados nas nossas próprias terras, depois de sermos obrigados a negar a nossa condição de Africanos. A "unidade nacional" é outro argumento falso. Para criar esse mito, os colonialistas portugueses deram às suas colónias o nome de "províncias ultramarinas" e passaram a considerá-las como parte de Portugal. Trata-se de um acto unilateral, em manifesta oposição ao princípio de autodeterminação dos povos, estabelecido pela Carta das Nações Unidas de que Portugal é signatário. Mas a "transformação" das colónias portuguesas em "províncias ultramarinas" é, de facto, uma ficção jurídica a que Portugal recorreu para tentar iludir as responsabilidades que lhe são exigidas pela Carta das Nações Unidas. Na verdade e especialmente em relação aos povos nativos da Guiné, Angola e Moçambique, a aplicação das leis, regulamentos e princípios que regem a vida do povo português, nunca se verificou até hoje, e esses povos continuam sujeitos a particularismos jurídicos (o Estatuto Indígena, por exemplo) que lhes são impostos pelo colonialismo português. Nós, os Africanos das colónias portuguesas, sabemos que, com o mito da "unidade nacional", o que o colonialismo português pretende é povoar as nossas terras com europeus e transformar os nossos povos em minorias nacionais nos nossos países. Sabemos que os nossos povos – balanta ou bailundo, sãotomense ou maconde, por exemplo – são distintos do povo português, seja ele minhoto ou alentejano, algarvio ou transmontano. Sabemos que os nossos países nunca foram, não são e nunca serão terra portuguesa. Outro argumento falso é a apregoada "acção civilizadora" de Portugal. Mesmo que se admitisse hoje uma moral internacional velha e menos exigente do que a actual – por exemplo, o direito às colónias estabelecido pelo Pacto da Sociedade das Nações – é evidente que Portugal não possui, em si mesmo, os factores humanos e materiais capazes de promoverem o bem-estar e o desenvolvimento dos povos nativos das colónias de acordo com as exigências e as possibilidades do presente. Portugal é o país europeu que conta mais analfabetos (40,4% da população, segundo as estatísticas oficiais – 1950) e é justamente classificado como um país agrícola atrasado. O próprio povo português não está satisfeito com o baixo nível da cultura e da civilização no seu país. Não é lógico nem justo admitir que essa cultura e civilização sejam, com as deficiências e monstruosidades próprias, impostos pela força a outros povos. Continuar, pois, a confiar ao domínio português a "missão sagrada de civilização" nas colónias, seria condenar, criminosamente, onze milhões de Africanos, legítimos donos de países com recursos, a viver na retaguarda de uma nação atrasada. Depois de cerca de quinhentos anos, nós, os Africanos das colónias portuguesas, somos na quase totalidade (99,7%) considerados "não civilizados" pelo próprio colonialismo português. Conhecemos o grau de "civilização" dos colonos portugueses – muitos deles analfabetos – quando chegam às nossas terras. Conhecemos, por amarga experiência, os crimes praticados pelo colonialismo português, em nome da civilização e do Cristianismo. Os governantes portugueses invocam frequentemente a "superpopulação de Portugal" como uma razão moral para possuir colónias. Trata-se de outro argumento falso. A aparente superpopulação de Portugal, se ela existe, é causada pelo atraso económico do próprio Portugal. Aliás, a superpopulação de qualquer país não confere nem pode conferir a esse país o direito de possuir colónias, de dominar e explorar outros povos. Mesmo que a superpopulação de Portugal fosse um problema real, não competiria aos nossos povos consentir sacrifícios para o resolver. Nós, os Africanos das colónias portuguesas, não exigimos nem nunca exigiríamos qualquer sacrifício ou sujeição, ao povo português, para resolvermos, por exemplo, o problema da superpopulação da região de Mansoa (Guiné) ou de Cabo Verde, onde o povo morre de fome, porque o pão não chega para todas as bocas. Há ainda um outro argumento falso invocado pela propaganda portuguesa, para manter o domínio colonial português: o chamado "prestígio internacional" de Portugal e o facto de esse país "ter as suas contas em dia". Por um lado, Portugal, apesar de dispor de extensos e ricos territórios coloniais, é unanimemente considerado um país atrasado que não tem sido capaz de resolver os problemas basilares da sua economia; por outro lado, a "honorabilidade" das contas de Portugal é feita à custa dos bens, do trabalho e da miséria dos povos das colónias. Assim é que, enquanto a balança portuguesa de pagamentos apresenta em geral saldos negativos, o aumento das reservas em ouro e em dólares, proveniente das exportações de mercadorias coloniais produzidas pelos Africanos e da exportação de trabalhadores forçados, tem contribuído para que a balança geral de pagamentos da zona escudo apresente saldos positivos. Nas próprias colónias a posição de Portugal é desprestigiante. Os interesses não-portugueses sempre têm predominado nos países Africanos sob dominação de Portugal, principalmente no que se refere ao total de capitais investidos, ao comércio exterior e aos meios de transporte. Em 1958, por exemplo, Portugal adquiriu apenas 18% do valor das produções de Angola e forneceu 46% do total das importações desta colónia, dos quais 10% em vinhos. Fora da máquina de propaganda do Governo português, o nome de Portugal é invocado apenas como um dos raros países do mundo onde ainda impera uma ditadura nazi-fascista. Nós, os Africanos das colónias portuguesas, podemos justamente atribuir uma parte das dificuldades da nossa luta de libertação, à falta de prestígio internacional do país que nos domina. 4. O colonialismo e a discriminação racial Os colonialistas portugueses têm procurado demonstrar a "inexistência" do colonialismo português. Pretendem criar a impressão de que o colonialismo é o mesmo que discriminação racial, e fingem não saber que pode haver discriminação racial sem os sinais visíveis que a denunciam. O colonialismo português existe, porque, nos nossos países, a administração – económica, política, social, cultural, religiosa, militar – é ditada, exercida e controlada pelo Estado português. Nenhum povo Africano das colónias portuguesas é soberano no seu próprio país. O que existe nos nossos países é uma declarada "soberania portuguesa" – imposta e mantida pela força. Existe, de facto, uma discriminação racial nas colónias portuguesas, a qual faz uso principalmente de armas económicas. Baseia-se no controle cerrado da economia dos indivíduos e das comunidades Africanas, exercido pela administração colonial. Esse controle económico impossibilita a mobilidade social das comunidades e dificulta a dos poucos indivíduos Africanos que vivem fora dessas comunidades. Dispensa, por isso, a Administração colonial portuguesa de utilizar no campo social os habituais sinais visíveis de discriminação racial. O Estatuto Indígena, a que estão sujeitos unicamente os Africanos de ascendência africana, é uma base legal de discriminação racial que atinge 99,7% das populações nativas das colónias. Além disso, é eloquente o facto de que nas maiores colónias – Angola, Moçambique e Guiné – o número de mestiços não chega a atingir 1% da população, e os mestiços da primeira geração, na quase totalidade, são ilegítimos. Este último facto mostra o carácter sujo da falsa "política portuguesa de mestiçagem". Nós, os Africanos das colónias portuguesas, sabemos que os colonialistas portugueses mandam nos nossos países, e cada um de nós tem as suas provas pessoais de discriminação racial, muitas vezes hipócrita, por eles praticada. 5. Alguns factos do processo colonial português Depois de ter praticado, desde o sec. XV até uma época adiantada do sec. XX, um comércio de escravos negros de que foram vítimas mais de dez milhões de Africanos de Angola, milhões de Africanos do Congo, da Guiné e de Moçambique, Portugal passou a praticar esta nova forma de escravatura que é o trabalho forçado e a exportação de trabalhadores forçados. Portugal chegou ao ponto de assinar, em pleno sec. XX, acordos com a União Sul-Africana para a exportação anual, para este país, de dezenas de milhares de trabalhadores moçambicanos. Este tráfico negreiro tem dado receitas imensas ao Estado português e tem vindo a causar prejuízos irreparáveis às populações Africanas de Moçambique. A prática do trabalho forçado, a par da mais sórdida exploração do trabalho do Africano, é a causa da desagregação de milhões de famílias Africanas. A destruição da economia familiar, a prostituição de uma parte do elemento feminino das famílias desorganizadas, o aumento das doenças venéreas, o decréscimo da natalidade, o aumento da mortalidade infantil, o encurtamento da vida útil do trabalhador Africano, a liquidação da actividade independente de milhões de camponeses Africanos, o roubo crescente, praticado por colonos, da terra e da propriedade dos nativos – são algumas das consequências mais evidentes do trabalho forçado. Portugal utilizou e utiliza ainda os processos mais humilhantes, mais cínicos e brutais, para forçar os Africanos ao pagamento de impostos injustos que beneficiam a colonização portuguesa, e à exploração – como trabalhadores forçados ou como trabalhadores "livres" – por parte dos colonos, das empresas privadas e do próprio Estado colonial. Nós, os Africanos, fomos e continuamos a ser tratados pela colonização portuguesa e pelos colonos sem o mínimo respeito pela nossa dignidade humana. As rusgas, o chicote, a palmatória, as humilhações físicas e morais, os frequentes aprisionamentos, as deportações que causam a morte de muitos Africanos, o trabalho forçado, o trabalho não remunerado ou muito mal remunerado, os assassínios praticados nos edifícios das administrações coloniais e nos locais de trabalho – são alguns dos mais indignos processos da prática colonial portuguesa, integrados numa verdadeira política de genocídio contra os nossos povos. Em todos os países Africanos sob dominação portuguesa, a produção africana é a base da economia, e os vários impostos pagos pelos Africanos constituem as maiores receitas do Estado colonial. No entanto, as riquezas produzidas pelos Africanos são utilizadas, principalmente, em obras destinadas a beneficiar os colonos e as empresas privadas, e para reforçar a posição do Estado colonial, contra os Africanos. Uma política racista e de roubo tem sido praticada através de uma série de medida "legais". Os Africanos vêm sendo expulsos das melhores terras e das regiões de melhor clima. Só no colonato da Cela, em Angola, mais de quatro mil famílias de camponeses Africanos já foram expulsas das suas terras, para dar lugar aos colonos europeus. Considerando apenas as terras mais férteis – as aluviões – que estão a ser ou serão ocupadas brevemente por colonatos europeus (Limpopo, Zambeze, Cunene, Quanza), pode ser estimado em cerca de vinte mil o número de famílias de camponeses africanos que serão privadas do usufruto das terras que sempre ocuparam e das quais são ou serão expulsas para passarem a ocupar as chamadas "reservas indígenas", zonas de terrenos pobres e sem condições para a agricultura. Em S. Tomé e Príncipe, a grande maioria das propriedades passaram das mãos de Africanos para as de Europeus por meio do roubo, do esbulho e do assassinato praticados pela conjura entre colonos e a própria Administração colonial. A produção de S. Tomé assentou sempre sobre o trabalho dos Africanos – escravo ou trabalhador forçado. As riquezas estão inteiramente nas mãos de companhias privadas portuguesas, e não servem o povo do Arquipélago. Em 1957, por exemplo, o Estado colonial gastou com a instrução e a saúde públicas um total correspondente a apenas 44% dos lucros líquidos de quatro das companhias privadas de S. Tomé e Príncipe. A tragédia em que vive o povo de Cabo Verde é uma prova flagrante de que Portugal é incapaz de melhorar as condições de vida dos povos que domina. Neste Arquipélago, que serviu durante séculos de armazém de escravos negros dos esclavagistas portugueses, o Estado colonial português não conseguiu até hoje – nem nunca conseguiria – resolver o problema das crises agrícolas que assolam periodicamente as ilhas e que, em certa medida, resultaram do mau aproveitamento dos recursos naturais pelo próprio colonialismo português. Desde os fins do séc. XVIII ao presente, as várias e cada vez mais frequentes crises de fome causaram a morte de um número de Africanos maior do que a população actual do Arquipélago (140.000 habitantes), a qual, entre 1940 e 1950, sofreu uma baixa de 40.000 pessoas. Povoações inteiras foram dizimadas e o número de vítimas é sempre tão grande, que os cadáveres são enterrados aos montões, em valas comuns e sem qualquer identificação. Os chamados "colonatos indígenas", com os quais o colonialismo português pretende iludir o ódio dos povos Africanos à política de criação de dispendiosos "colonatos brancos" – têm em vista, na realidade, uma "redistribuição" das populações nativas favorável ao domínio colonial. Têm em vista aumentar, à perfeição, o controlo colonialista sobre a economia dos Africanos e realizar o enquadramento das populações nativas dentro dos planos estratégicos da defesa militar do colonialismo português. Têm em vista transformar, com urgência, os povos Africanos em minorias nacionais rigorosamente controladas nos seus próprios países. Se, por um lado, Portugal tenta monopolizar o mercado interno das colónias e pratica uma discriminação que impede os investimentos que de algum modo poderiam beneficiar as populações Africanas, por outro, fomenta a pilhagem e a exploração cruel do trabalho dos Africanos. Em troca de empréstimos e contribuições que lhe permitem acelerar o enraizamento do seu domínio colonial, Portugal vem hipotecando as riquezas dos nossos países e o futuro dos nossos povos. Portugal pretende transformar as suas colónias ao sul do Saara em "Estados brancos", à semelhança da União Sul-Africana. É por isso que a política colonial portuguesa assenta cada vez mais em compromissos e acordos – revelados uns, secretos outros – com a União Sul-Africana. É por isso que na O.N.U. a delegação portuguesa vota sempre a favor do racismo e da dominação colonial. O Estado colonial português mantém os nossos países muito abaixo do subdesenvolvimento de Portugal; realiza com eles um comércio de artigos improdutivos e a preços injustos – entre os quais os vinhos e tecidos ocupam o primeiro lugar; pratica uma política de salários de fome, de empobrecimento contínuo das massas africanas e de um mínimo de atenção à assistência médica e à instrução. Com este procedimento secular, o colonialismo português não prejudica apenas os nossos povos, cujas possibilidades de vida está a destruir. Portugal impede o progresso económico e social das suas colónias, reduz a capacidade produtiva e a capacidade de compra dos nossos povos, reduz o volume e o valor do comércio internacional – causou e continua a causar sérios prejuízos à Humanidade. 6. O povo português e o colonialismo Os nossos povos conhecem desde longa data e por dura experiência própria o povo português, e sabem que ele está intoxicado pelo colonialismo de Portugal. Os sentimentos, os apetites e o gesto de traficante de escravos, de raptador de homens, mulheres e crianças africanas, para os converter em "peças" de comércio; do sôfrego de riquezas e de bem-estar, adquiridos através do roubo, do assassinato, da mentira e da lisonja; a sede de poder e de mando do pobre-diabo, para compensar as humilhações e opressões sofridas na terra natal; o racismo, o cinismo e a hipocrisia ao serviço da dominação; a sobrestimação interessada, arrogante e impositiva da maneira de viver do seu país; a crença de que é um agente de Deus, especialmente favorecido – tudo isto, que encheu séculos da História de Portugal, subsiste sob várias formas e graus na consciência do povo português. Nem outra coisa vem fartamente demonstrando em África o comportamento da quase totalidade dos colonos saídos do seio do povo português. As classes cultas portuguesas, quando não são declaradamente racistas e colonialistas, adoptam uma atitude irresponsável perante a secular empresa colonial do seu país, estão convencidas da sua auto-suficiência e de que Portugal é um exemplo em matéria colonial, exibem, em relação aos Africanos, um paternalismo que ninguém lhes encomendou. Tudo isto não é apenas o produto de três séculos de Inquisição e de dezenas de anos de fascismo: é também a prova da sobrevivência, na consciência dessas classes, da ideologia esclavagista e colonialista. Não é por acaso que, dentre todas as potências coloniais e apesar de Portugal ter inaugurado a expansão ultramarina dos povos europeus, esse país é o que apresenta menos obras humanistas, científicas e progressistas em relação aos povos Africanos. 7. A reacção de Portugal perante o nacionalismo Africano Portugal teima em não reconhecer a mais evidente e significativa realidade da História do nosso tempo – o fim do colonialismo. Enquanto potências coloniais poderosas, como a Inglaterra e a França, estão a reconhecer o direito de os povos Africanos disporem dos seus próprios destinos, livres e independentes, Portugal pretende manter para sempre o seu domínio sobre os nossos povos. Intensifica a prostituição das colónias perante os interesses imperialistas mundiais; reforça a exploração do trabalho dos Africanos; desencadeia uma violenta repressão policial contra os movimentos nacionalistas dos nossos povos, e recorre, inclusive, à tortura de patriotas Africanos e ao massacre de populações indefesas; prepara-se para desencadear novas guerras coloniais; tenta, por todos os meios, dividir os Africanos. Em Maio de 1959, o Presidente do Conselho do Governo português definiu "a posição portuguesa em face da Europa, da América e da África" e procurou, na base dessa posição, interessar nomeadamente o Brasil, os Estados Unidos da América do Norte, a União Sul-Africana, a Federação da África Central e os Países da Europa Ocidental, na empresa colonial portuguesa. O Governo português está disposto a compartilhar as vantagens económicas, políticas e militares oferecidas pelas suas colónias, com todos os países que o ajudarem a manter o seu império colonial. Esse aprofundamento da prostituição das colónias revela mais uma vez a falta de escrúpulos, a imoralidade, o espírito de traficância do colonialismo português em relação aos povos e territórios que domina; mostra que Portugal não tem, em si mesmo, recursos suficientes para realizar as suas ambições; denuncia, mais uma vez, o papel de despenseiro desempenhado por Portugal em relação aos recursos humanos e materiais das colónias; e pretende alienar ainda mais os bens, o trabalho, a dignidade e a vida dos nossos povos. Essa "nova partilha" de territórios africanos, por iniciativa abusiva de Portugal e sob o aspecto de chantagem, é ilícita. Portugal não pode dispor daquilo que não lhe pertence, daquilo que, legitimamente, pertence aos nossos povos. Desde 1956 o colonialismo português desencadeou uma violenta repressão contra os patriotas Africanos e contra os movimentos e organizações nacionalistas. Perseguições, prisões, deportações, torturas e até massacres de populações indefesas – são actualmente práticas quotidianas do colonialismo português. A polícia política colonial-fascista – a P.I.D.E. colonial – assentou arraiais nos nossos países e controla todas as actividades, inclusive a da Administração colonial. As cadeias existentes já não chegam para conter os nacionalistas que lutam contra o colonialismo e entre os quais se contam vários Europeus que se solidarizam com as massas Africanas. Multiplicam-se os campos de concentração e de trabalhos forçados, e constroem-se novas cadeias. Em Bissau (Agosto, 1959) o massacre de 50 Africanos indefesos, veio juntar-se ao que as autoridades e os colonos tinham realizado em S. Tomé (Fevereiro, 1953), no qual foram mortos cerca de mil Africanos. Por iniciativa do seu espírito agressivo e por sua inteira responsabilidade, o Governo português está a preparar-se para novos massacres das nossas populações e para desencadear novas guerras coloniais. Portugal, país essencialmente agrícola e sem indústria bélica de valor, conta, para as guerras coloniais que está a planear, com o sacrifício anormalmente duro, e consentido, do povo Português, para o que a Imprensa portuguesa está a desenvolver, diariamente, uma intensa campanha de mentiras e de aliciamento. Portugal conta ainda com a intensificação do saque e da exploração dos nossos povos, na base do apoio, largamente compensado, dos interesses imperialistas e colonialistas mundiais. Com receio da união de todos os Africanos, os colonialistas portugueses – através dos meios de informação, de organizações missionárias, de vários agentes da calúnia e da intriga – têm procurado e procuram, hoje mais do que nunca, explorar as diferenças secundárias que possam existir no seio dos nossos povos e entre os nossos povos. Criam e fomentam suspeitas entre nós, procuram dividir-nos, alimentam e aprofundam os nossos pontos fracos, lançam-nos uns contra os outros. Com tudo isso, o colonialismo português tem só um objectivo: manter e reforçar a sua odiosa dominação sobre os nossos povos. Essa táctica não é, porém, nova. Já no passado, Portugal, para submeter os nossos povos e subjugar os nossos países, criou e alimentou intrigas entre nós e chegou, inclusive, a utilizar, em guerras coloniais, Africanos cristãos contra Africanos não-cristãos. No presente, para manter e reforçar o seu domínio, o colonialismo português tenta opor Africanos "indígenas" a Africanos "assimilados", assim como caboverdianos e sãotomenses (que não estão sujeitos ao Estatuto Indígena) a guineenses, angolanos e moçambicanos (que estão sujeitos a esse Estatuto). Além disso, tenta, por meio do suborno e de largas recompensas materiais, aliciar os Africanos a traírem os movimentos de libertação dos nossos povos e a servirem a propaganda portuguesa diante da opinião pública mundial. Nós, os Africanos das colónias portuguesas, sabemos que só uma razão nos pode dividir – a nossa posição em relação ao colonialismo português, que domina e explora desumanamente os nossos povos. Sabemos que não há nem pode haver recompensas, de qualquer natureza, que possam justificar que um Africano traia, nos nossos países ou no campo internacional, a causa da liberdade, da dignidade e da independência nacional dos nossos povos. III. A NOSSA LUTA CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÊS 1. O direito dos nossos povos à insurreição Os povos Africanos que se encontram sob dominação colonial portuguesa, têm direito a viver livres e na dignidade, nos seus países. Esse direito fundamental é inerente a todos os seres humanos. O direito à insurreição contra a injusta privação da liberdade é um direito inerente a todos os seres humanos, a todos os povos. O direito à insurreição contra a opressão colonial é um direito inerente a todos os povos que a sofrem, e está reconhecido pelo Direito Internacional. Os povos das colónias portuguesas não se identificam com o povo Português, quer pelos territórios que habitam, e que lhes pertencem, quer pela língua, pela herança histórica e social e pela cultura, quer ainda pelo seu sentimento de oposição ao comportamento de Portugal em África. Os nossos povos não podem aceitar a identidade histórica com Portugal, até porque não assumem a responsabilidade das monstruosidades históricas deste país, tais como os três séculos da Inquisição portuguesa, os trinta anos de fascismo e, principalmente, os crimes cometidos contra os próprios povos Africanos – escravatura, tráfico negreiro, guerras coloniais e a mais violenta exploração colonial. Mas mesmo que os nossos povos se identificassem com o povo português, eles teriam o direito de reivindicar e assumir as nacionalidades caboverdiana, guineense, sãotomense, angolana e moçambicana; teriam o direito de serem povos livres e soberanos nos seus países; teriam o direito à autodeterminação e à independência. 2. Luta unida e organizada de todos os Africanos Os povos de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Angola, Guiné e Moçambique – têm o direito de construir o seu futuro em liberdade, na independência, na dignidade e na paz, e através, principalmente, da colaboração e da unidade com os restantes povos de África. O único caminho para a realização de um futuro digno para os povos Africanos das colónias portuguesas – é a luta contra o colonialismo português, com base no nosso direito à insurreição contra a opressão colonial. A primeira condição – é a liquidação total do colonialismo português nos nossos países, que devem ser partes integrantes de uma nova África, livre, unida e independente. É certo que as condições gerais da política mundial, como resultado da luta anticolonialista, são favoráveis à vitória dos povos coloniais sobre o colonialismo e, no nosso caso particular, sobre o colonialismo português. Mas, como o sabem os nossos povos, seria erro esperar que essas condições gerais obtenham, por si mesmas, a liberdade e a independência dos nossos países. Só podemos obter a liberdade, conquistando-a: pela luta unida e organizada de todos os patriotas Africanos – homens, mulheres e jovens. O espírito de sacrifício de todos os Africanos é necessário, mas não é bastante. A nossa vitória será obtida mais rapidamente e com menores sacrifícios, como convém, se a nossa luta for sempre organizada, ampla e meticulosamente preparada e coordenada, inteligentemente dirigida e realizada com elevada disciplina. A união sólida de todos os patriotas Africanos e de todas as organizações e forças patrióticas – é uma condição indispensável e básica para a vitória da nossa luta. 3. O desenvolvimento da luta contra o colonialismo português Apesar das destruições e da repressão a que têm estado sujeitos, os nossos povos nunca perderam o seu tradicional espírito de resistência à dominação colonial portuguesa. Com base nessa honrosa tradição, sem qualquer ajuda estranha e defrontando as maiores dificuldades criadas pelo Estado colonial-fascista português, os Africanos das colónias portuguesas iniciaram, desde o primeiro momento do "despertar" de África para a independência, a organização de movimentos clandestinos de resistência e de luta contra o colonialismo português. Apesar da violenta vigilância do colonialismo português, os Africanos foram capazes de formar partidos políticos e organizações de massas nas diversas colónias portuguesas. Angolanos, caboverdianos, guineenses, moçambicanos e sãotomenses, dentro ou fora dos seus países, coordenaram e coordenam esforços na luta comum contra o colonialismo português. Nos países Africanos vizinhos dos nossos ou na Europa, os Africanos originários das colónias portuguesas organizaram-se e estão a organizar-se cada vez melhor para a luta de liquidação do colonialismo português. Dessa luta forçadamente clandestina, os Africanos obtiveram já resultados concretos: a tomada de consciência política de uma parte considerável das massas Africanas; o desmascaramento do colonialismo português perante a opinião mundial, principalmente na última sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas; a desmoralização de uma parte importante dos ocupantes dos nossos países; o aumento dos receios do Governo colonial português, reflectido no reforço das suas posições militares nos nossos países, o que acarreta despesas que Portugal não pode comportar; o incremento da repressão policial que, com a prisão de centenas de patriotas Africanos, deu ao mundo uma prova da nossa luta contra o colonialismo português. Mas o resultado mais significativo da fase em que se encontra a nossa luta, é o que está a ser obtido no campo da nossa unidade, da união de todas as forças patrióticas dos nossos povos, contra o colonialismo português. Esta união tem de ser e está a ser realizada tanto internamente (entre as várias organizações de luta em cada um dos nossos países) como externamente (entre as organizações ou frentes unidas das diversas colónias portuguesas). Dentro desse espírito e para satisfazer uma necessidade fundamental da nossa luta, foi criado, em 1957, o MOVIMENTO ANTI-COLONIALISTA PARA A LIBERTAÇÃO NACIONAL DAS COLÓNIAS PORTUGUESAS (M.A.C.). 4. O que é o Movimento Anti-Colonialista (M.A.C.) O M.A.C. é uma organização política clandestina, de luta anti-colonialista, de que fazem parte nativos de Cabo Verde, Guiné, Angola, S. Tomé e Príncipe e Moçambique. Foi fundado pelo Partido Africano da Independência da Guiné dita Portuguesa (P.A.I.) e pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (M.P.L.A.) que formam a estrutura basilar do M.A.C. O M.A.C. está aberto a todas as organizações de massas e partidos políticos dos países Africanos sob dominação de Portugal e que lutam pela liquidação do colonialismo português. A acção fundamental do M.A.C. consiste em suscitar, desenvolver e coordenar a unidade dos Africanos na luta contra o colonialismo português. O M.A.C. tem por objectivo a conquista imediata da independência nacional dos países Africanos sob dominação colonial portuguesa e a liquidação total do colonialismo português em África. O M.A.C., em relação aos problemas fundamentais do presente e do futuro imediato dos povos das colónias portuguesas de África, declara adoptar sempre uma posição justa, de acordo com os interesses, a liberdade, a dignidade e o progresso desses povos. Algumas dessas posições são a seguir definidas. a. Em relação aos interesses criados nos nossos países O M.A.C. faz distinção entre o colonialismo português e os interesses que adquiriram concessões e privilégios nos nossos países através da Administração colonial portuguesa. Tais concessões e privilégios – outorgados na ausência da vontade dos nossos povos – serão seguramente encarados pelos Governos dos nossos países. Entretanto, o M.A.C. não pode deixar de, com rigorosa justiça, tratar como inimigos do legítimo desejo de liberdade dos nossos povos, todos os interesses e organismos privados – portugueses ou não-portugueses – que, agindo nos nossos países, ajudem de qualquer forma o colonialismo português. As trocas comerciais e as operações financeiras em escala internacional, são uma lei imperativa da nossa época. Mas para a indispensável segurança das operações comerciais e financeiras, é necessária uma base lícita durável, uma garantia de estabilidade social. Ora, nas condições actuais do mundo, nas condições particulares do desenvolvimento contemporâneo de África e em face da luta dos nossos povos contra o colonialismo português, Portugal não oferece essa base lícita nem garantias sérias de estabilidade social nas suas colónias. Os nossos povos estão irreversivelmente engajados na luta pela liquidação do colonialismo português. Os povos das colónias portuguesas, depois de terem conquistado a independência, terão necessariamente de estabelecer e desenvolver, quer com interesses privados quer com países estrangeiros, o seu comércio e as suas operações financeiras, dentro do princípio da igualdade de vantagens, de benefícios mútuos e da não imposição de condições políticas. Nesta perspectiva certa, pode haver lugar, numa base justa e frutífera, para os interesses privados e nacionais – portugueses ou não-portugueses – aos quais Portugal pede actualmente ajuda para manter a sua escravidão colonial. Por isso o M.A.C., sem alimentar ilusões, está confiante em que nenhum interesse privado ou país se arriscará a incorrer na inimizade dos povos das actuais colónias africanas de Portugal e dos povos de África, amarrando parte do seu destino ao colonialismo português. O M.A.C. considera indigno e sem qualquer justificação válida, que certos círculos de alguns países, em especial o Brasil, continuem a apoiar o mito da comunidade entre os povos das colónias portuguesas e Portugal, continuem a dar uma ajuda moral e material ao colonialismo português. No caso particular do Brasil, o M.A.C., fiel às aspirações dos nossos povos, espera, vigilante, que a lembrança do seu passado colonial e o repensamento da História mostrem ao povo e dirigentes brasileiros que o progresso e a grandeza – que ardentemente desejamos ao Brasil – não podem nem devem ser construídos na cumplicidade com esta nova forma de escravatura que é o saque e a exploração do trabalho dos povos negros de África dominados pelo colonialismo português. O M.A.C., afirmando a confiança dos nossos povos, está seguro de que o povo do Brasil, em especial os brasileiros de origem Africana cujos ascendentes conheceram os horrores do esclavagismo português, e, ainda, os democratas e progressistas brasileiros – não permitirão que a nódoa da escravidão, outrora introduzida por Portugal no seu país, reapareça na face do Brasil sob uma forma nova, mas com a mesma essência e o mesmo sentido. b. Em relação ao povo Português A situação objectiva das grandes massas trabalhadoras de Portugal, ditatorialmente oprimidas e exploradas pelas classes dirigentes do seu país, não pode deixar de lhes fazer compreender as grandes vantagens que para elas advirão da vitória dos povos Africanos sobre o colonialismo português. Às classes cultas de Portugal, em especial aos democratas-progressistas, compete ajudar o seu povo a vencer os vestígios virulentos da ideologia esclavagista e colonialista que nele sobrevivem e que determinam, de um modo geral, o seu comportamento negativo diante das lutas justas dos povos Africanos sob dominação portuguesa. Mas essas classes cultas teriam, para isso, de vencer também a sua mentalidade colonialista, feita de preconceitos e de desprezos sem fundamento em relação ao valor e às criações dos povos Africanos. Os democratas-progressistas portugueses estarão efectivamente impossibilitados de compreender as justas reivindicações dos nossos povos, enquanto não se convencerem de que é falsa a tese da "imaturidade para a autodeterminação" e enquanto não se convencerem de que a opressão não é nem pode ser uma escola de virtudes e aptidões para qualquer povo. As destruições de toda a ordem causadas pela prática colonialista, por um lado, e, por outro, os progressos concretos realizados por vários povos Asiáticos e Africanos, em menos de dez anos de exercício de liberdade – são a pedra de toque que desmente a tese da "imaturidade para a autodeterminação". Que todos os povos podem, devem e têm o direito de dispor de si mesmos – este é o princípio confirmado por toda a História humana e hoje consagrado pela Carta das Nações Unidas. Nesta base – e só nesta base – os nossos povos estão dispostos a colaborar com o povo Português. c. Em relação à situação política de Portugal A tese de que a liberdade e o progresso dos nossos povos estão dependentes de uma prévia revolução político-social progressista em Portugal – não é mais do que a teoria da assimilação colonial revestida de um vocabulário que se pretende revolucionário. Esta tese consagra a pretensão de que Portugal deverá constituir sempre ou por enquanto uma nação modelo para os povos que domina. O "salazarismo", variante portuguesa do fascismo, não é o nosso inimigo principal. O "salazarismo" é um instrumento virulento, mas naturalmente transitório, do velho e odioso colonialismo português. Os colonialistas portugueses e a exploração colonial estão, concreta e provadamente, na base da formação e do reforçamento de um "salazarismo" de trinta anos de triste história. As determinantes remotas da vida dos nossos povos, as condições empíricas específicas das nossas comunidades, o conteúdo concreto da situação actual dos nossos povos, a necessidade de mobilização de todos os Africanos para a luta anti-colonialista, as perspectivas de desenvolvimento do nosso combate libertador e progressista – tudo isso não deve permitir a assimilação dos Africanos aos movimentos político-sociais portugueses. A "desportugalização" dos interesses e das preocupações (muitas vezes egoístas), da acção e da psicologia de uma pequena minoria de Africanos, pode e deve ser útil ao "processus" de desalienação dos nossos povos, à nossa luta contra o colonialismo português. Os nossos povos e o povo português realizarão destinos independentes, que pretendemos na paz, na amizade, na cooperação e na igualdade de direitos e deveres. Somos povos Africanos – e é à África que os nossos destinos têm estado e estarão sempre ligados. Mas ao lutar contra o colonialismo português, os nossos povos estão a dar ao povo de Portugal a melhor contribuição na sua luta contra o fascismo. Porque enquanto perdurar a estrutura colonial portuguesa, é certo que o povo português correrá o risco de ser vítima de ditaduras fascistas. Por isso, a Oposição portuguesa que luta pela libertação do povo português do regime fascista, pode, numa aliança eficaz com os nossos movimentos de libertação nacional, para formarem uma frente unida contra o fascismo e o colonialismo, dar uma prova concreta de que defendem os interesses fundamentais do povo português e de que, na verdade, respeitam os Direitos Fundamentais do Homem. O M.A.C., interpretando os sentimentos dos nossos povos, que desejam uma colaboração franca e leal com o povo português, na base do respeito mútuo e do direito à autodeterminação e à independência – está apto para, em qualquer altura que a Oposição portuguesa se disponha a fazê-lo, realizar uma aliança eficaz com as forças democráticas e progressistas de Portugal, para a luta comum de liquidação do colonialismo e do fascismo portugueses. d. Em relação às guerras coloniais contra os nossos povos Actualmente as guerras coloniais não são nem podem ser feitas no quadro do domínio absoluto da frente imperialista mundial. Tendo sido liquidado o domínio absoluto dessa frente, hoje o maior peso está do lado da frente anti-imperialista que luta pela independência, pelo progresso e pela coexistência pacífica na liberdade e dignidade de todos os povos. A necessidade de se definirem, desde já, responsabilidades e de apelar ao povo Português para uma acção enérgica, de acordo com o bom senso e oposta às guerras coloniais que Portugal prepara, leva o M.A.C. a lembrar aos portugueses algumas realidades. O exército português está naturalmente limitado a uma mobilização total de cerca de setecentos mil homens. A força aérea de Portugal, enquadrada na O.T.A.N. mais para operações de reconhecimento e de socorro do que para combate, não pode cobrir operações de guerra que se estenderão forçosamente por territórios vastos e distantes. A armada portuguesa tem mais um valor simbólico do que real e está tecnicamente a mais de dez pontos abaixo de um nível de eficiência moderna. As forças de uma nação em guerra, principalmente quando ela é agressora, não devem ser avaliadas pelo seu valor absoluto. Devem ser avaliadas em comparação com as forças do adversário e com as possibilidades que este tem e terá para aumentar e desenvolver a sua capacidade de luta em todas as frentes e, ao mesmo tempo, enfraquecer as forças do agressor. Uma guerra não se faz somente com armas: muito importante – e indispensável – é a certeza de que nos batemos por uma causa justa. Uma guerra não pode ser ganha apenas com o fanatismo pelas chamadas "glórias do passado": mais forte do que esse sentimento é o repúdio activo pela injustiça a liquidar. Uma guerra não pode ser ganha pela convicção mística de chefes aventureiros que para ela empurram o seu povo: mais forte do que isso é a vontade activa de todo um povo que, na sua própria terra, luta por aquilo que lhe falta porque lho usurparam: o lar e a família, a posse da terra e o pão, a liberdade e a dignidade, o direito de afirmar e desenvolver a sua personalidade e o seu génio, o direito de tratar e colaborar livremente com os restantes povos do mundo. O M.A.C., incarnando os sentimentos de paz dos nossos povos, é partidário de uma liquidação pacífica, leal, justa, rápida, incondicional e sem imposições de etapas, do colonialismo português. O M.A.C., na certeza de que os nossos povos liquidarão o colonialismo português, responsabiliza desde já o povo português e os seus governantes, pelas guerras coloniais que Portugal desencadear. Na expectativa e no caso de guerras coloniais impostas aos nossos povos, todas as nossas organizações de luta, todos os nossos povos, em legítima defesa, saberão responder devida e oportunamente e, se necessário, procurarão obter de todos os povos que querem a liberdade e a dignidade humanas, o apoio e a ajuda possíveis, para a vitória certa da nossa causa. e. Em relação às tentativas de divisão dos Africanos Quaisquer diferenças que possam existir no seio dos nossos povos, na maioria resultantes da acção nefasta do colonialismo português são, na realidade, secundárias. Nós, os Africanos, estamos firmemente unidos na luta pela liquidação do colonialismo português; temos a consciência, cada dia mais clara, da contradição principal, irreconciliável, da nossa vida – a contradição entre os interesses dos nossos povos e o colonialismo português. Essa contradição será resolvida por nós, pelos nossos povos, organizadamente unidos, numa luta decidida até à vitória completa contra o nosso inimigo comum – com energia, com acção concreta, com força e, por necessidade de auto-defesa, respondendo com a violência a todas as violências empregadas contra os nossos povos. Como tem acontecido na História de outros povos, pode haver entre nós alguns traidores, um reduzido número de Africanos que, na defesa de interesses pessoais imediatos, servem o nosso inimigo e traem os interesses fundamentais dos seus povos oprimidos. São seres desprezíveis manejados como fantoches pela propaganda do colonialismo português. Os nossos povos, por intermédio das suas organizações de luta, saberão, na altura devida e em cada um dos nossos países, julgar e castigar esses miseráveis traidores, já hoje repudiados por todos os Africanos honestos. f. Em relação ao futuro dos colonos nos nossos países Os portugueses invadiram, em massa, os nossos países, roubaram e ocuparam as nossas terras, exploraram e exploram o nosso trabalho, desprezam e maltratam os nossos povos, e habituaram-se, na quase totalidade, à condição de seres privilegiados e de senhores absolutos do nosso destino. Evidentemente, a reconquista da nossa dignidade e da independência dos nossos países, acabará – de vez e para sempre – com esta situação injusta. Os Governos dos nossos países hão de encarar e resolver, com segurança e rigorosa justiça, todos os problemas da presença de estrangeiros – portugueses ou não-portugueses – nos nossos países independentes. No entanto, é importante afirmar desde já que, se é certo que os nossos povos estão decididos a não alienar mesmo o mais elementar dos seus direitos de legítimos donos dos nossos países, também é certo que eles não são exclusivistas e, portanto, nesses países haverá lugar para estrangeiros de todas as origens, que neles queiram viver à custa do seu próprio trabalho e respeitando integralmente os direitos dos nossos povos. Os descendentes de colonos, aqueles que nasceram e vivem nos nossos países, estão numa situação especial. Podem identificar-se com as aspirações dos nossos povos e assumir a nacionalidade do país Africano em que nasceram. Mas a dignidade, a liberdade e a independência nacional são bens que se conquistam. Devem, portanto, solidarizar-se com a nossa luta e lutar ao nosso lado, para liquidarmos o colonialismo português e para construirmos, na igualdade de direitos e deveres, na fraternidade e com o trabalho de todos, o progresso e a felicidade dos povos dos nossos países. Estamos certos de que o futuro dos colonos dos nossos países depende principalmente da atitude que esses mesmos colonos, como seres humanos responsáveis, adoptarem em relação à nossa luta pela liquidação do colonialismo português que, como todos os outros colonialismos, está condenado a desaparecer. g. Em relação ao futuro dos nossos povos O M.A.C., consciente da sua missão na presente etapa da História dos nossos povos, abstém-se de sugerir a forma ou formas de governo em que viverão os povos das actuais colónias Africanas de Portugal, depois de conquistarem a independência. Somente esses povos terão o direito de escolher, em plena liberdade, o regime político em que viverão. No entanto, o M.A.C. está seguro de que os nossos povos querem criar Estados independentes modernos, nos quais haverá lugar para o reatamento com todo o património histórico e cultural africano, para o repensamento desse património e para o aproveitamento dos elementos positivos das culturas e civilizações africanas; nos quais haverá lugar, igual e necessariamente, para o estudo, o debate e a assimilação dos valores da cultura moderna humana, que não despersonalize os nossos povos. Os nossos povos querem criar Estados democráticos, concebidos dinamicamente pelo seu génio e mantidos pela sua livre e soberana vontade. Os sofrimentos, as mutilações irreparáveis, as frustrações e as humilhações de uma profundidade sem paralelo, de que os nossos povos têm vindo a ser vítimas durante séculos – informam efectivamente o renascimento enérgico dos nossos povos e determinarão o carácter das condições sociais em que eles realizarão o seu rápido progresso. O passado doloroso de África jamais se repetirá na História dos nossos povos. E a condição básica para isso, sabemos estar numa autêntica política de promoção popular, de concessão efectiva de condições e oportunidades para o aproveitamento e desenvolvimento máximos de todas as potencialidades humanas e materiais de África. A experiência colonial servir-nos-á para nos persuadir daquilo que não devemos fazer. Os nossos povos estão sujeitos a uma dupla opressão: nacional e social. Somente na ausência da opressão nacional, as grandes massas exploradas e oprimidas dos nossos povos – que herdarão a sua condição social do regime colonial português – poderão e deverão fazer reais e rápidos progressos sociais. Por isso, o M.A.C. entende que, no presente, embora sem esquecer os problemas sociais da vida dos nossos povos, o fogo da nossa luta deve ser principalmente dirigido contra a opressão nacional, contra a estrutura do colonialismo português. h. Em relação aos aspectos e formas da nossa luta A nossa luta deve negar e destruir o colonialismo português e, ao mesmo tempo, afirmar e construir, sempre e onde for possível, as condições de liberdade em que querem viver os nossos povos. O nosso combate libertador deve continuar a realizar-se, pois, sob dois aspectos simultâneos e concretos: um, de construção tanto das estruturas basilares da nossa luta como das condições de liberdade em que queremos viver; outro, de destruição da estrutura e das forças do colonialismo português. Para continuarmos a construir as bases da nossa luta e para preparamos as condições de liberdade em que havemos de viver, devemos: 1º. Agir sempre colectivamente, organizadamente, em obediência a uma forte disciplina e a rigorosas normas conspirativas. 2º. Em todas as condições e em qualquer lugar, esclarecer e educar os Africanos no espírito de activo repúdio do colonialismo português. 3º. Elevar o amor próprio e os sentimentos de dignidade pessoal, familiar, nacional, continental, racial e humana, de todos os Africanos, e apontar com vigor e clareza todos os insultos, humilhações, ofensas, torturas e crimes cometidos pelas autoridades coloniais e pelos colonos, contra os Africanos, contra os nossos pais, as nossas mães, os nossos irmãos, os nossos filhos, contra a raça negra, contra os povos do Continente Africano e contra os Direitos Fundamentais do Homem. 4º. Dar o melhor apoio moral e ajudar, por todos os meios, qualquer Africano honesto, de maneira a que, mesmo sujeito a pressões das autoridades portuguesas, ele possa ter coragem para se negar a servir o colonialismo português. 5º. Desenvolver em todos os locais e da melhor maneira o tradicional espírito de fraternidade e de ajuda mútua dos Africanos, criar associações de socorros mútuos e de assistência material, médica e jurídica, para os nossos companheiros presos e para as suas famílias, bem como para qualquer Africano que necessite de ajuda. 6º. Utilizar todos os postos, cargos, missões e serviços, na Administração colonial portuguesa ou em qualquer empresa privada colonialista, para realizar uma actividade em benefício da nossa luta de libertação nacional. 7º. Tomar parte activa na luta contra o colonialismo português, inscrever-se nos Movimentos de luta e nas organizações revolucionárias existentes nos nossos países; criar organizações de luta anticolonialista, colaborar activamente com todos os patriotas e afirmar sempre a qualidade de patriota Africano, interessado na libertação do seu país e de todos os países Africanos sob dominação colonial portuguesa. 8º. Conduzir as massas populares a um incessante movimento de luta contra o colonialismo português, elevar o seu tradicional espírito de luta e dar-lhes consciência da sua força. 9º. Organizar associações para a salvação do povo, associações de auto-defesa, grupos de acção revolucionária (de camponeses, de operários, de estudantes, de mulheres e de jovens), grupos de defesa das nossas crianças e velhos e, em escala mais ampla, organizar grupos locais de libertação, de luta contra o colonialismo português. 10º. Criar e desenvolver organizações nativas, mesmo transitórias, de carácter administrativo, político e militar, com vista a tornar possível a realização de reivindicações populares em larga escala, a familiarizar o povo de cada localidade ou região com o governo próprio, com a autodeterminação (direcção por ele mesmo do seu próprio destino) e com o sufrágio universal; de modo a permitir ao povo liquidar inteiramente as opressões a que longa e barbaramente o submeteu o colonialismo português, ganhar progressivamente poder ao inimigo e paralisar por completo a máquina administrativa do colonialismo português. 11º. Dar, tanto nos aspectos principais como nos secundários, uma prévia e profunda atenção à iniciativa das massas populares, no que respeita à condução da nossa luta. 12º. Dar, da melhor maneira, o maior desenvolvimento a uma justa propaganda de desmoralização do colonialismo português no seio do povo de Portugal e das forças armadas portuguesas agressivamente instaladas nos nossos países. 13º. Vencer, por todos os meios, o isolamento em que sempre nos tem mantido o colonialismo português, e dar o maior desenvolvimento a uma justa campanha para tornar bem conhecidos, em todo o mundo, os nossos países, os nossos povos, as nossas culturas e sentimentos e a nossa luta contra o colonialismo português. 14º. Reforçar cada vez mais a amizade e a solidariedade dos nossos povos com os restantes povos de África, da Ásia e do mundo inteiro. 15º. Conquistar para a nossa causa a simpatia e o apoio do maior número possível de aliados de todas as origens, e convencer todos aqueles que, por qualquer razão, não querem ou não podem ser nossos aliados, a adoptar uma atitude de neutralidade positiva em relação à nossa luta contra o colonialismo português. As formas que devemos empregar para destruir a estrutura e as forças do colonialismo português dependem da atitude que Portugal adoptar diante do desenvolvimento da nossa luta. Os meios de destruição do colonialismo português, como de qualquer outro, podem ser pacíficos e violentos. Para continuar e reforçar a nossa luta por meios pacíficos, devemos: 1º. Resistir por todos os meios ao trabalho forçado e recusar qualquer trabalho a que não corresponda um salário justo. 2º. Organizar greves nas cidades e no campo e paralisar a produção de culturas agrícolas obrigatórias. 3º. Não vender produtos agrícolas aos colonos por preços vis e tabelados pelo Estado colonial. 4º. Não satisfazer as requisições de géneros agrícolas feitas pelas autoridades colonialistas. 5º. Resistir a todas as tentativas do colonialismo para concentrar os Africanos em aldeias sob a designação de colonatos ou com qualquer outra designação. 6º. Resistir à exportação de trabalhadores Africanos para as outras colónias ou para qualquer país. 7º. Não pagar impostos à Administração colonial. 8º. Resistir à mobilização forçada e ao alistamento militar. 9º. Desmascarar os Africanos traidores que, de qualquer maneira, em qualquer lugar ou em quaisquer funções, ajudem o colonialismo português. 10º. Desmascarar, por todos os meios, a actividade dos indivíduos e das organizações que, nos nossos países, utilizam a religião, o nome de Deus e a chamada "obra de civilização" para servir o colonialismo português. 11º. Impedir que qualquer agente, serviço ou organismo português ou a serviço de Portugal, obtenha informações, mesmo parciais, acerca dos patriotas Africanos ou dos nossos Movimentos de luta de libertação nacional. 12º. Desmascarar cada vez mais e por todos os meios, perante a opinião pública mundial e perante a O.N.U., todas as acções criminosas, factos e planos do colonialismo português, e reduzir ao mínimo qualquer apoio, de qualquer origem, que possa ser dado ao colonialismo português. Para destruir por meios violentos a estrutura e as forças do colonialismo português – o que os nossos povos farão, se a atitude de Portugal a tanto os obrigar – devemos: 1º. Julgar, castigar e liquidar oportunamente os Africanos traidores e todos os indivíduos ou organizações que, de qualquer forma, servem o colonialismo português. 2º. Sabotar e paralisar os meios de transporte – terrestres, marítimos, fluviais e aéreos – que servem a Administração colonial e as empresas privadas colonialistas. 3º. Paralisar, por todos os meios, todas as actividades económicas e produtivas que sustentam o colonialismo português, em especial nas áreas de culturas obrigatórias, como o algodão, e de culturas ricas, como o café e o cacau. 4º. Inutilizar, por todos os meios, as obras coloniais, tais como os colonatos para europeus e todas as obras destinadas a enraizar o colonialismo nos nossos países. 5º. Destruir, pelo fogo ou por qualquer outro meio, as bases de vida dos colonos, em especial no mato – edifícios administrativos, lojas, armazéns, gado e plantações. 6º. Danificar e destruir as fábricas, as plantações e os edifícios das companhias agrícolas, os produtos comprados pelos colonos e, se necessário, as próprias culturas cujos produtos são normalmente vendidos aos colonos. 7º. Desencadear, sob as formas mais convenientes, a luta armada contra o colonialismo português, numa guerra justa de libertação nacional, em resposta à guerra colonial, injusta, imposta pelos colonialistas portugueses. Estes aspectos, formas e meios de acção da nossa luta, têm de ser utilizados judiciosa e oportunamente, com segurança que garanta o êxito de cada iniciativa, com inteligência que tire as maiores vantagens da nossa situação de povos que lutam pelo direito de viver livremente nas suas próprias terras e com bom senso que reduza ao mínimo os sacrifícios que os nossos povos estão decididos a fazer, para liquidar, de vez e para sempre, o colonialismo português. IV. PROCLAMAÇÃO DO MOVIMENTO ANTI-COLONIALISTA IRMÃOS, Africanos nativos de Cabo Verde, Guiné, Angola, S. Tomé e Príncipe e Moçambique! Homens, Mulheres e Jovens Trabalhadores manuais e intelectuais Trabalhadores do campo e das cidades Camponeses, Operários, Estudantes e Soldados obrigados a servir no exército colonial Proprietários, Comerciantes e Artesãos! O MOVIMENTO ANTI-COLONIALISTA Apoiado na luta que os nossos povos sempre travaram contra a dominação estrangeira e baseado nos sempre afirmados e indestrutíveis sentimentos de liberdade e de dignidade dos nossos povos; Consciente do grandioso esforço libertador das organizações de luta anti-colonialista actualmente existentes nos nossos países; Consciente das dificuldades que o colonialismo fascista português impõe às nossas organizações de luta no próprio aspecto de uma expressão internacional, o que faz com que seja quase nulo o apoio de uma opinião pública mundial; Unicamente inspirado pelos princípios da Carta das Nações Unidas, pela Declaração dos Direitos do Homem, pelos princípios de Bandung, pelas Resoluções da Conferência de Solidariedade Afro-asiática do Cairo, pelas Resoluções da Conferência dos Países Independentes Africanos e pelas Resoluções da Conferência dos Povos Africanos de Accra; Activamente integrado no invencível e glorioso movimento geral dos povos Africanos pela liquidação completa do colonialismo e do imperialismo; Considerando que só uma luta unida, verdadeiramente disciplinada e inteligentemente dirigida é capaz de liquidar o colonialismo português; Considerando que a participação de todos os Africanos das colónias portuguesas nessa luta acelerará o processo de decomposição e liquidação total do colonialismo português: 1. Proclama inequivocamente o direito dos nossos povos – os povos de Cabo Verde, Guiné, Angola, S. Tomé e Príncipe e Moçambique – à autodeterminação e à independência imediata. 2. Propõe-se colaborar activamente com todos os Movimentos dos nossos países verdadeiramente interessados na libertação nacional, e a utilizar todos os meios ao seu alcance para dar uma expressão internacional à nossa luta: denunciar os crimes dos colonialistas portugueses, exaltar as nossas vitórias e procurar conseguir um apoio eficaz junto dos outros povos, em especial dos povos anti-colonialistas. 3. Propõe-se lutar pelo cumprimento de todas as convenções internacionais que tenham justamente tomado em consideração a situação dos nossos povos. 4. Propõe-se contribuir, com todas as suas forças e em colaboração com os povos irmãos, para a liquidação total do colonialismo e do imperialismo no Continente Africano. 5. Apoiará activamente todas as iniciativas das organizações políticas Africanas que visem o estabelecimento de frentes unidas de luta pela libertação de cada um dos nossos países, e propõe-se a coordenar a formação dessas frentes e a luta comum a desenvolver por todos os nossos povos contra o colonialismo português. 6. Não poupará esforços para conseguir a adesão de todos os Africanos às organizações políticas Africanas, verdadeiras intérpretes dos interesses dos nossos povos na sua luta contra o colonialismo português. 7. Apela e incita todas as organizações de luta de libertação nacional dos nossos países e todos os Africanos das colónias portuguesas para que, numa frente unida e invencível, prossigam sem desfalecimentos a luta contra o colonialismo português, na qual devemos usar, em escala cada vez maior e mais organizadamente, todos os meios pacíficos de destruição do colonialismo. 8. Denuncia e condena a repressão brutal a que os patriotas Africanos estão sujeitos, assim como os preparativos a que Portugal está a proceder para a guerra colonial contra os nossos povos, e alerta todas as organizações patrióticas e todos os Africanos das colónias portuguesas, para que, numa frente unida e invencível, iniciem desde já a preparação, a estruturação e o desenvolvimento das bases e dos meios que permitirão aos nossos povos responder com a violência a todas as violências do colonialismo português. IRMÃOS, Africanos nativos de Cabo Verde, Guiné, Angola, S. Tomé e Príncipe e Moçambique! Definida, uma vez mais, a posição dos nossos povos perante o colonialismo português, diante da consciência mundial e em face de si mesmos; Conscientes da justiça da nossa causa e das nossas responsabilidades nesta etapa decisiva da História dos Povos Africanos, e na certeza de que sairemos vitoriosos da nossa luta: Avante na LUTA DECIDIDA E CORAJOSA PELA LIQUIDAÇÃO URGENTE DO COLONIALISMO PORTUGUÊS ! Avante na CONQUISTA DA LIBERDADE PARA A CONSTRUÇÃO RÁPIDA DE UM FUTURO DIGNO, PRÓSPERO E FELIZ PARA OS NOSSOS POVOS ! Avante na FORMAÇÃO E REFORÇO DE UMA FRENTE UNIDA E COMBATIVA CONTRA O COLONIALISMO PORTUGUÊS ! Viva a SOLIDARIEDADE ACTIVA DOS POVOS AFRICANOS SOB DOMINAÇÃO COLONIAL PORTUGUESA ! Viva a UNIDADE DA ÁFRICA NA BASE DA INDEPENDÊNCIA E DA LIBERDADE DA PÁTRIA AFRICANA ! Viva a SOLIDARIEDADE ACTIVA DE TODOS OS POVOS AFRICANOS ! Viva a SOLIDARIEDADE ACTIVA DOS POVOS AFRO-ASIÁTICOS ! Viva a COEXISTÊNCIA PACÍFICA E A COLABORAÇÃO ENTRE TODOS OS POVOS DA TERRA, NA BASE DA LIBERDADE, DA IGUALDADE DE DIREITOS E DA DIGNIDADE DE TODOS OS POVOS ! Viva a LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL DOS POVOS DE TODAS AS COLÓNIAS PORTUGUESAS ! Viva o MOVIMENTO ANTI-COLONIALISTA ! 1 de Janeiro de 1960 O COMITÉ EXECUTIVO DO MOVIMENTO ANTI-COLONIALISTA (M.A.C.) [Segue-se uma nota, talvez incompleta] NOTA: Dificuldades próprias do regime de terror em que se vive em Portugal e nas colónias portuguesas, retardaram a impressão e a plena circulação deste Manifesto. No entanto, o seu texto já é conhecido por muitos Africanos e por algumas organizações de luta de libertação nacional dos nossos países. Depois da elaboração deste Manifesto, tiveram lugar alguns acontecimentos que, pelo seu significado e consequências, merecem ser referidos nesta Nota: 1. A criação, com base na estrutura e nos objectivos do M.A.C., de uma aliança de partidos políticos e organizações de massas das diversas colónias portuguesas de África – a FRENTE REVOLUCIONÁRIA AFRICANA PARA A INDEPENDÊNCIA NACIONAL DAS COLÓNIAS PORTUGUESAS (F.R.A.I.N.) –. O Comité Director da F.R.A.I.N., instalado em África, dá o seu pleno acordo a este Manifesto. 2. No campo das vitórias da luta pela liquidação do colonialismo em África: proclamação da independência dos Camarões; luta entre os colonialistas da Argélia, desorientados com a resistência e as vitórias do povo Argelino; êxito internacional da II Conferência dos Povos Africanos (Túnis), na qual tomaram parte cinco Delegados das colónias portuguesas e cujas resoluções condenaram o colonialismo português e exigiram a independência dos nossos povos; profunda modificação da política colonial britânica, favorável à luta dos povos Africanos; marcação da data da proclamação da independência do Congo; intensificação dos movimentos de resistência e de protesto dos nossos povos, em especial em Angola e na Guiné. 3. Por outro lado, Portugal intensificou os seus preparativos para a repressão armada contra os nossos povos. Por isso, com todas as apreensões que nos causa a fatalidade do recurso à violência, temos de nos preparar cada vez mais e melhor para defender, mesmo com os maiores sacrifícios, até a vitória final contra o colonialismo português, os direitos fundamentais dos nossos povos.

Manifesto Anticolonialista aos Povos das Colónias Portuguesas de África

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