Carta de Viriato da Cruz a Lúcio Lara

Cota
0009.000.014
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Viriato da Cruz
Destinatário
Lúcio Lara
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
1
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Viriato da Cruz
[dactilografada]

6.1.60
Meu Caro,

Em resposta à tua carta de 31 do mês findo, envio-te a contribuição junta. É para o tal trabalho que aproveitaria a oferta do copiógrafo até o dia 15.
1 – Falar sobre as formas como se está a travar a luta não é assunto fácil e nem sempre prudente. Quer dizer: não se pode dizer tudo, só porque o público quer ser informado. Fiz uma descrição do desenvolvimento, em linhas gerais, da peleja em Angola e na Guiné. Disse o que se fez e se faz do lado indígena e o que fizeram e o que fazem os nossos adversários. Acho que esta maneira de expor o caso é suficiente para dar uma ideia da situação nos ditos países. Não entrei com números, nem creio ter feito trabalho histórico. Falei de alguns factos importantes de há poucos anos atrás, pois penso que não se pode dar uma ideia do sentido do desenvolvimento de uma coisa sem ao menos mostrá-la em duas situações diferentes no tempo. Dizer que há isto, isso e aquilo não é fazer um relatório, mas sim preencher uma ficha para um ficheiro. Além disso, em todos os trabalhos desse género, que fizermos, acho que devemos ter também a preocupação de servir os nossos compatriotas, que estão na retaguarda. Informar o público e, ao mesmo tempo, fazer trabalho de agitação, propaganda e mobilização entre a nossa gente. Com uma cajadada matam-se assim dois coelhos. Quero dizer: esse relatório, como outros, deve poder transmitir uma informação (dentro dos limites das conveniências da nossa luta) ao público estrangeiro, e deve, ao mesmo tempo, poder servir de estímulo, de agitação e de formação para os nossos compatriotas que desconhecem a realidade de muitos dos nossos factos. Esses últimos não podem contentar-se com um estilo, digamos assim, de ficha.
2 – É claro que há lacunas enormes nesse trabalho. Sobre Moçambique estou praticamente a zero, e sobre a Guiné sei pouco. Resolvi fazer à pressa o que aí vai, certo de que é melhor suficiente impresso do que bom na gaveta. Tu certamente farás acrescentos e todas as correcções que achares justo e conveniente. Em todo o caso, se te escrever amanhã ou depois e se tiver algo a dizer ainda a esse respeito, enviar-t'o-ei.
3 – Desde antes do Natal até anteontem estive empatado, longe daqui, a fazer um trabalho alheio de que era impossível furtar-me. Só desde anteontem estou atarefado a executar o que me compete no nosso trabalho.
4 – A frase da Deolinda é um provérbio que significa, mais ou menos: depois de se ter ouvido muito, corre-se o risco de dizer o que se ouviu. É um conselho de prudência. Dá a entender que os nossos casos são assunto de todas as casas na nossa terra.
5 – Em meados de Dezembro, mandei cópias do nosso telegrama à Lusitânia e a Angola. Duas para este país, e 4 para o primeiro. Mandei igualmente ao amigo de Canárias. Mandei uma cópia ao Soromenho, certo de que ele é um despeja-tudo.
6 – A Deolinda era boa na terra. Ela pode fazer algo de útil, se lhe dermos as tarefas que ela realmente pode executar. Acho que é de se lhe porem problemas oficialmente.
7 – Apareceram aqui os amigos estudantes1. Chato: o tal de S. Tomé parece que roubou trinta mil francos ao Mário. Disse-me este. Andei ontem, todo o dia, às voltas com eles. Parece que encontrei solução para o sítio onde estiveste. Antes isso do que nada. Eles podem bem esperar, tanto mais que pretendem estudar e as aulas só recomeçarão em Setembro próximo.
8 – Diz-me o que já está arrumado no respeitante ao visto de Roma.
9 – Espero que o presente trabalho ainda vai a tempo de ser útil.
10 – A exposição que fizeste está muito boa.
Até breve
ass.) V.

[Acrescentado à mão: P.S.– Acabo de saber que os dois jovens, Rocha e outro, já vão dormir hoje aqui. Levantaram-se dificuldades no princípio, porque eles não são membros de nenhuma organização estudantil internacionalmente reconhecida. É a exigência de sempre (com a qual estou de absoluto acordo). É preciso organizar e agir dentro e através de uma organização. A nossa gente continua, no entanto, a persistir, burramente, nos métodos individualistas. Espero que o caso desses dois jovens jamais se repetirá!]

Carta de Viriato da Cruz (Berlim) a Lúcio Lara

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