Carta de Lúcio Lara a Viriato da Cruz

Cota
0009.000.006
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Viriato da Cruz
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Excerto de carta a Viriato da Cruz [dactilografada] Túnis, 4 de Janeiro 1960 Meu caro Viriato Recebi ontem a tua carta de 30 e anteontem o 2º telegrama ref. Abel [Amílcar Cabral]. Espero que já estejas de posse da carta que foi pª Petzow e da que te escrevi em 31. Só hoje foi possível falar com os amigos, que têm estado muito ocupados não só com a Conf. mas também com problemas internos, o que os levou a faltarem ao encontro combinado para o dia 29 o que causou que eu já tivesse lá ido duas vezes em vão. Hoje finalmente apanhei o Maamouri a quem expus a questão de Roma ou Nápoles. Esta última hipótese não é viável por não existir lá Embaixada, pelo que eles estão a tratar de comunicar para Roma ainda estes dias.1 [...] Recebi hoje o convite oficial assinado onde figura o nome do MAC e o meu. Quando lhes falei na hipótese de acrescentarmos mais nomes, informaram-me, como aliás vem no convite, que a n/ delegação tem direito a cinco membros. Não há pois qualquer problema e suponho que ficas claramente informado acerca da questão. Seria interessante que pudéssemos mesmo apresentar os cinco membros, um por cada colónia, mas infelizmente isso não é possível. Aproveitei a ocasião para falar no Abel, no caso de ser possível a sua vinda. Pedi-lhes que no caso de ser possível a deslocação de alguém que esteja na Lusitânia tomassem aqui medidas para não carimbarem os passes. Ficou assente que eles farão isso pª o que bastará pedirmos a interferência deles no momento oportuno. Como o Mr. H. [Dag Hammarskjoeld] vem cá a 23 e a 24, falei-lhes no interesse que nós tínhamos em entregar pessoalmente um memorandum ao senhor, em complemento de um telegrama que lhe tínhamos enviado. Pedi a intervenção deles no sentido de arranjarem um período, curto que fosse, pª nos encontrarmos com H. Responderam que embora isso não dependa deles e sabendo mesmo que H. tem o tempo bastante tomado, tentarão arranjar-nos uma entrevista. Entreguei-lhes ainda um artigo que me tinham pedido sobre Angola com uma curtíssima introdução histórica e alguns aspectos do ponto de vista social e económico. Lerás, quando cá estiveres, pois não vale a pena mandar-to pelo correio. A questão do Bureau ficou como te disse pª depois da Conf., na qual teremos também ensejo de tratar de outras hipóteses. Quanto ao Abel, tentei fazer chegar-lhe a notícia de que consideramos indispensável a sua presença. Eu também a considero, embora duvide que lhe seja fácil deslocar-se até aqui. Como sabes eu avisei-o telegraficamente da impossibilidade de estar na Bélgica no dia 23. Escrevi ao mesmo tempo a alguém que lhe daria a conhecer que o facto de não se encontrar connosco não queria dizer que não continuássemos a considerar absolutamente necessário que alguém saísse muito em breve (nas férias do Natal, dizia eu). Se até agora ninguém veio é que não deve ter sido possível. Creio que era o próprio Abel que estava para vir, como depreendi da sua carta. Pode ser que ele até esteja a tratar de sair na altura da Conferência. De qualquer maneira, logo que cá cheguei escrevi ao Mário a dizer-lhe que se o Abel lá fosse vissem a possibilidade de ele vir até cá. Eu trataria de pedir aos tunisinos que não lhe carimbassem o pass. Aguardemos... Não me espanta que em Lx nada saibam do julgamento. Tu deves ter ideia como as comunicações são difíceis e agora ainda mais. Sendo possível que advogados de Lx. estejam a par da questão, é provável que se nada disseram até hoje é porque o julgamento ainda não se efectuou. Recorda-te que ele estava em princípio marcado pª 5/XII e que a VOZ de 24, a crer naquele recorte que te mandei, dizia «que iam ser proximamente julgados»... Estou convencido de que logo que saibam a data certa Lx comunicará. Ciente do que te diz o Mário. Ainda não tive notícias dele desde que cá estou. Volto a escrever-lhe hoje, para dar conta do que se tem passado. Já te apareceram aí os «patrícios»2 que querem arranjar Bolsa de estudo? Se souberes qualquer coisa deles, informa. Ainda quanto ao teu pass: na embaixada apenas me pediram 4 fotos. [...] Ciente dos contactos aí estabelecidos. Deves estar a acompanhar o que se está a passar no Congo e como eles terão em breve a independência. Isso alegra-me bastante, pois pressinto que a nossa luta vai beneficiar. Creio que devemos utilizar a Conf. para darmos um novo impulso, que há muito estamos tentando, à questão de obtenção de postos de informação, rádio, etc. Por isso mesmo urge vires, para estudarmos seriamente a nossa actuação. O Cameroun festeja a independência, mas a UPC e as organizações femininas e de estudantes afins convidaram os amigos a não reconhecerem essa independência. O Monde trazia ontem um extracto de um comunicado do Bureau da UPC em Conakry, que diz em resumo que «a independência actual não corresponde aos objectivos a que se propõe a UPC» pelo que «a revolução continua» pela obtenção de: «1 – Independência real, 2 – Restauração e respeito das liberdades democráticas, 3 – Terra pª quem a cultiva, 4 – Bem estar dos trabalhadores». Diz depois: «O Povo dos Cam. não julga os leaders africanos em função das suas declarações de intenções, mas somente dos seus actos positivos em favor da revolução. Este povo não esquece que os leaders como Senghor, têm uma parte da responsabilidade na deterioração da situação no seu país. Cedo ou tarde o povo Camer. dirá a sua última palavra.» A França, a União Soviética, a China e a Tunísia (que me lembre) já reconheceram o novo estado. Aqui está um problema que de certo modo nos interessa. Falaremos nele quando aqui estiveres. Creio que além de dedicarmos o melhor da nossa atenção aos nossos próprios problemas, temos que estudar os últimos acontecimentos africanos, para estarmos na Conf. com conhecimento de causa e podermos melhor defender os nossos interesses. Neste momento nada mais me ocorre. Continua a escrever para o hotel. Vê lá se consegues vir depressa. Um abraço ass.) L.

Carta de Lúcio Lara (Túnis) a Viriato da Cruz

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