Carta de Lúcio Lara a Viriato da Cruz

Cota
0008.000.040
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Viriato da Cruz
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Carta a Viriato da Cruz [dactilografada] Túnis, 26 de Dezembro 1959 Meu caro Viriato Segundo as tuas indicações espero que já não seja possível apanhar-te em Petsow, pelo que te endereço esta carta para Michelis. Como supunha na carta anterior o encontro importante não se efectuou na primeira altura indicada, mas sim hoje. Fiz bem portanto em te escrever uma primeira carta para te sossegar. Encontrei-me hoje com os amigos do Neo-Destour para mais concretamente tratarmos dos motivos da minha vinda aqui. As pessoas com quem me encontrei foram Mahmoud Maamouri Secret. Geral das Jeunesses Destouriennes e Ahmed Tlili Sec. Geral da UGTT e encarregado dentro do Neo Destour, das relações com os povos africanos. Voltámos a focar os motivos que cá me traziam (já os tinha exposto ao Maamouri, como te escrevi). Fizeram-me muitas perguntas no intuito de se inteirarem de «como é» o colonialismo português que eles naturalmente não conhecem. Fiz-lhes uma exposição sumária, focando alguns aspectos mais salientes, referindo-me ao tipo de luta, ao MPLA, à UPA, ao PAI da Guiné e finalmente ao MAC, sua significação como expressão de toda a luta contra o colonialismo português, etc. Frisei, com certa veemência, que nós achávamos que era tempo de acabar o monopólio que os colonizados ou ex-colonizados franceses e ingleses fazem da luta anticolonialista com o que eles concordaram em absoluto. Disse-lhes que considerávamos que desta Conferência PanAfricana devia sair não apenas uma condenação formal do colonialismo português, mas ainda um Programa de Acção contra esse colonialismo. Eles concordaram e disseram-me que terça-feira me enviariam um convite ao MAC para participar da Conferência. É de notar que a UPA está também convidada. O tipo está em Nova York e é possível que venha. É assunto a estudar a forma de colaborarmos com ele. Sobre o assunto especial que nós pretendemos eles mostraram-se algo (bastante mesmo) reservados. Quando eu diplomaticamente insisti na questão, disseram-me que era um assunto a estudarmos depois ou durante a Conferência. Achei por bem não insistir, pelo menos por enquanto. Sobre a tua vinda não há oposição. Deves portanto pedir logo que possas o passaporte aí e enviá-lo à Embaixada da Tunísia em Bonn, cujo endereço é o seguinte: TUNESIEN BOTSCHAFT, Bad Godesberg, Koelnerstrs. nº 103. Dir-lhes-ás que pretendes vir à Tunísia assistir à Conf. PanAfricana e que eles receberão instruções ou do M. Ahmed Tlili ou do M. Mahmoud Maamouri a esse respeito. Simultaneamente escreves-me para eu lhes dizer aqui que já enviaste o Pass a pedir o visa. Creio que terás de mandar 4 fotos e os teus dados biográficos incluindo nome dos pais, situação militar e as questões que costumam ser requeridas para o efeito e que facilmente verás aí em qualquer consulado. Convinha pois começares a tratar disso logo que esta recebas dadas as demoras burocráticas habituais e o curto espaço que nos separa da Conferência. Outro aspecto importante da tua vinda é saberes que não precisarás de visa para atravessares a Suíça e a Itália, dado o teu pass especial. Isso deve levar algum tempo pelo que em última análise talvez fosse de pensar vires de avião. Não sei se o dinheiro que tens é suficiente, mas talvez te fosse possível arranjar aí um pequeno auxílio. Claro que sempre seria preferível vires de barco (sai um todas as segundas feiras à noite, 9 horas) de Nápoles. Também há barcos de Génova, mas não sei em que dias. Podes informar-te disso numa agência de viagens de Berlin Oc.[idental]. Logo que saibas qualquer coisa informa-me. Aliás tenho de te escrever amanhã ou depois, sobre a questão da m/ caixa postal que só então saberei. Já me deram resposta afirmativa, mas ainda não me enviaram ordem para ir pagar e receber a chave e o nº. Isso deve acontecer dentro de dias e eu escrever-te ei imediatamente a dar-te o nº. Ficou combinado que eu faria uma nota sobre as nossas pretensões aqui, com umas referências justificativas. Já está feita, mas ainda não passada à máquina. Enviar-te-ei depois a cópia. Quanto à Conferência Pan Africana que ocupa agora o primeiro plano das preocupações dos políticos locais, penso que foi bom termos um convite especial. Temos que aproveitar a ocasião que se nos oferece para avançarmos concretamente na nossa luta. Se conseguirmos que a Conf. dedique uma atenção especial aos nossos problemas teremos obtido uma grande vitória e granjeado a confiança dos nossos irmãos. Junto aqui um recorte de um jornal local com o «programa» da Conf.. O primeiro ponto deve ser agarrado por nós convincentemente. Não sei se já estás a fazer alguma coisa sobre isso. Eu, após escrever o «memorandum» que só falta passar à máquina e redigir o artigo (não o acabei ainda) que eles me pediram pª o Neo Destour difundir pelo povo Tunisino, vou começar a coligir os apontamentos que tenho sobre a questão onde pretendo entre outras coisas encarar a forma como deve jogar a «solidariedade africana» que até agora não passou de oratória. Eles ainda não estabeleceram prazo para entrega dos trabalhos. Frisei-lhes que nós queremos uma tribuna e eles estão dispostos a defender essa nossa pretensão. Temos que «os agarrar pelos colarinhos», se tanto for preciso, para que aos nossos problemas passe a ser dedicada a atenção que exigem. Diz-me o que pensas sobre isto. Há dias apareceu cá uma notícia nos jornais, que a Rádio também referiu sobre uma «conjuração» em Angola. Envio-te a notícia, que não é mais que a obrigação que os lusos sentem de falar numa questão que tanto quiseram esconder. Aliás falam dela «à portuguesa». Ainda não encontrámos casa. É um problema difícil que nos faz gastar imensa massa. Temos “reservas para 3 meses” aproximadamente. Veremos o que se arranja cá… Em todo o caso temos esperança de arranjar um appartement com dois quartos, pois é impossível trabalhar com os berros do Paulinho como eu estou a fazer agora, e os cafés são caros… Se arranjássemos dois quartos, teríamos ao mesmo tempo o teu problema resolvido, pois um quarto seria para nós e o Paulinho dormirmos e o quarto onde tu dormirias seria também um quarto de trabalho. Mas como te digo, é muito difícil encontrar qualquer coisa em conta. Veremos. Sabes algo do Abel [Amílcar Cabral]? Anseio saber qualquer coisa e o que se passa com os presos e sobretudo com os «sobreviventes». Impossível ser mais extenso. Até breve. A Ruth envia-te um abraço. Que tal passaste o Natal? Um grande abraço ass.) Lara

Carta de Lúcio Lara (Túnis) a Viriato da Cruz

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