Postal de Natal de Deolinda Rodrigues a Lúcio Lara

Cota
0008.000.026
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Deolinda Rodrigues
Destinatário
Lúcio Lara
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Carta de Deolinda Rodrigues
[manuscrita]

Santo Amaro, 13/12/59
Prezado Snr. Lúcio Lara,

Estou a orar para que todos estejam com saúde aí e os afazeres corram o melhor possível sob a direcção e cuidado de Deus.
Muitíssimo obrigada pela sua carta. Não tenho palavras para dizer a apreciação pelo seu impulso óptimo a favor de ANGOLA e Guiné e seus encarcerados. Não estou a par do que os portugueses estão a fazer nesta última colónia e gostaria de sabê-lo.
Vou escrever hoje ao Conselheiro Campos e assim que estabelecer contacto com ele escreverei ao Snr. Todavia, por favor, comece logo a mandar informações, artigos, etc. para começarmos a campanha aqui. Sim, há possibilidades de o fazer. Nem sempre, mas encontrei algumas pessoas fixes aqui, pretos que se queixam de ignorar o que se passa em Angola e algumas raparigas que querem «voltar donde vieram». Assim, há um terreno já um pouco favorável à campanha. A «Cruzada Cultural do Preto Brasileiro» também regozijar-se-á com a publicação de coisas referentes a Angola e Guiné e aos horrores coloniais. Portanto, mande artigos, Snr. Lúcio.
O «Estado de S. Paulo» publicou integralmente o artigo de Davidson. Enviei-o, ingenuamente, ao Snr. Mário de Andrade (espero que não lhe traga obstáculos da parte da Interpol), mas como já está em português eu devia ter enviado a Angola. Desculpem-me, mas por favor, assim que a minha carta ao Snr. Mário chegar (enviei-a em 10/12), procurem enviar-me esse artigo para encaminhá-lo à Pátria; é-me difícil sair deste «convento» para achar outra cópia.
Estou a enviar primeiro o telegrama da ONU e grande parte do conteúdo da sua carta referente às diligências já feitas para serem encaminhados a Angola.
Sem dúvida, resultará algo favorável dessas diligências.
De Angola chegam cartas com perguntas como esta: «Haverá dias melhores?» Parece que a brutalidade da pide está a gerar desalento e resignação maiores. Mas, como meu pai diz, «ngoma ka ivua kiavulu, kutanduka» e... veremos o fim. Uma parte depende da nossa actuação agora e PARA A FRENTE É O CAMINHO mesmo.
Sua sugestão a respeito do que devo fazer quanto ao mandato de captura para mim chegou na hora H e agradeço-lhe imenso. Vou informar-me com o Conselheiro Campos.
Duas semanas antes de receber sua carta, tive a primeira informação desse mandato, mas até agora não recebi nada oficialmente. Estava com o dilema de entregar-me «mansamente» aos lusos ou procurar refugiar-me. Da sua carta, deduzo que seguirei este último caminho. Por causa daquele dilema é que escrevi antecipadamente ao Snr. Mário de Andrade.
A última carta que recebi de Angola (em 11/12, de minha irmã) traz umas iniciais vermelhas no sobrescrito que cheiram a pide, embora estejam meio apagados. Meu irmão (Pedro Sobrinho, Rua do Salitre 155, 4º Dto, Lisboa) deve ir para Angola em Janeiro e, se lhe for possível, agradeceria que o Snr. o informasse que não escreverei aos meus pais e irmãos em Angola, parentes e amigos em Portugal, por enquanto, para evitar que a pide os envolva em suas garras. Que ele explique a meus pais que estou bem e os console o melhor possível. Espero que a mamã o compreenda (embora eu ignore até onde nós ambas aguentaremos a separação forçada). Eles também que não me escrevam. O Snr. poderá transmitir isso ao meu irmão, sem ser pelo correio? Muitíssimo obrigada.
O Snr. é o Lúcio (desculpe a intimidade) que dava explicações a Bebinha (melhor, Maria Ruth) e a Maria Eugénia, em Lisboa? Também já lhe conhecia de nome. Seja como for, muito obrigada pela sua carta. Isolada de ANGOLA, espero que o Snr. tenha a paciência de me aturar.
O Snr. sabe alguma coisa dos Boavidas e do eng. Amílcar Cabral?
Essas diligências são preciosas e exigem dinheiro; aqui vão umas «makuta» [dinheiro], é um desejo apenas de atender ao «socorro!» do meu Povo.
Felicidades em tudo.
Fraternalmente
Deolinda Rodrigues.

Mais do que nunca,
que a chama do nosso ideal
brilhe fixa e melhor
a partir deste Natal.

Com votos de Festas felizes
e Ano Novo abençoado.

Postal de Natal de Deolinda Rodrigues (Santo Amaro) a Lúcio Lara

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