Carta de Lúcio Lara a Viriato da Cruz

Cota
0008.000.007
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Viriato da Cruz
local doc
Rep. Federal da Alemanha
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Carta a Viriato da Cruz [dactilografada] Frankfurt, 2 de Dezembro de 1959 Caro Viriato De posse das tuas duas cartas de 29 e 30 passados, contendo a primeira o projecto de Credencial e as emendas e adendas ao Manifesto. Quanto àquele estou plenamente de acordo. Fi-lo seguir para Paris, pedindo aos amigos que façam lá a coisa e ta enviem para tu assinares e depois me enviares. Eles devem lutar com certa dificuldade, pois as autoridades francesas não os deixam respirar. Segundo carta do Mário de 27 passado, o Esp. S. [Guilherme Espírito Santo] recebeu ordem para deixar o território francês em 4 dias, o que já deve ter feito, não sabendo eu quais os seus projectos. É natural que o mesmo venha a acontecer ao Marc[elino] e mesmo ao Mário. Este foi informado que a polícia de Luanda lançou um mandato de captura contra ele, não sabendo se isso é absolutamente verdade. Creio que a única coisa que lhe pode fazer a Pol. francesa é mandá-lo também evacuar o território... Está lá a Alda Esp. Santo, de S. Tomé, e ela enviou um breve memorando cuja cópia te envio. Por ele verás que é possível que os nossos amigos de Angola comecem a ser julgados em breve e que contam que façamos algo por eles. Sei que nos julgamentos do Porto esteve um Jurista estrangeiro, enviado pela Federação Internacional de Juristas, mas não sei onde é que se localiza tal Federação e como contactar com ele. Tenho a vaga impressão que é em Londres. Pedi ao Mário que se informe disso. Aliás pela sua carta ele dava-me a entender que estava a tentar algumas démarches nesse sentido. Este é o aspecto que por ora me parece difícil de pegarmos. Se tivéssemos a certeza de que o julgamento começava a 5, talvez fosse de aconselhar contactar novamente com as organizações a quem comunicámos os acontecimentos, pedindo-lhes para telegrafarem para o Tribunal de Luanda exigindo a absolvição dos incriminados ou negando a autoridade e a competência do tribunal para aquele julgamento sem quaisquer garantias. Quem será o Juiz? Virá gente do Plenário de Lisboa? Não o creio, por pensar que não pode haver imiscuidade de Juízes em Relações que não lhes pertençam. O que é possível é que eles tenham constituído um Tribunal Especial e o caso mudaria de figura. Infelizmente sobre isto não temos quaisquer notícias, mas já é consolador saber que a malta quer transformar o julgamento numa luta anti-colonialista. Esperemos que esta sua decisão seja bem apoiada pelo nosso povo. Finalmente tenho a certeza de que se estivesse em Portugal... estaria em Luanda, como deixa prever o facto de eu ser citado no processo. Não sei quem é o Franco de Sousa. Será um marítimo? Comuniquei com a Deolinda Rodrigues, que está no Brasil, pondo-a ao corrente do que consta a seu respeito. Ela está disposta a fazer lá qualquer coisa, pois respondeu a uma pergunta que eu lhe fiz nesse sentido através do Rocha que a conhece pessoalmente. Enviei-lhe o art. do Basil D. [Davidson] e o que saiu na Gauche, tendo pedido ao Mário que lhe envie uns 5 exemplares que ela acha possível colocar em Angola. O seu endereço é Deolinda Rodrigues de Almeida, Instituto Metodista, Caixa Postal 12681, Sto. Amaro, São Paulo. Disse-lhe que tentasse comunicar com a Associação Cultural do Negro e nomeadamente com o Campos de Oliveira, a propósito do que aconteceu e está acontecendo nas nossas terras. A Pide está optimista quanto ao «declínio» em que teriam entrado os movimentos, ou o «grupo» como eles desdenhosamente querem chamar. Estou em crer que o julgamento virá a ser uma incitação à preparação cada vez mais organizada da luta. Este primeiro choque sério com a Polícia deverá constituir uma lição preciosa para a nossa malta, ainda virgem de contactos e julgamentos deste tipo. É certo que se falou muito. Ignoramos quais as circunstâncias, mas não podemos nem um instante duvidar que o «aço sairá temperado». Enviei ontem o telegrama. Não consegui pô-lo em inglês, que me parecesse decente, mesmo socorrendo-me da tradução que tu tinhas feito. Foi em francês, o que é a mesma coisa. Pus o endereço tal qual mo deras, para ter a certeza que chegaria. Acrescentei a palavra hipócrita que me pareceu necessária, para melhor exprimir os nossos sentimentos. Acrescentei também no fim o respectueusement de acordo com uns telegramas que cá tenho da malta que tem pedido audiências a propósito dos Camarões e Sudoeste Africano. Parece-me que devemos difundir na medida das nossas possibilidades este telegrama, quer entre a malta de Lisboa, quer mesmo para Angola. Proponho que se façam cópias dele e se ponha mais ou menos isto na folha: SE ÉS BOM PATRIOTA DIVULGA E COMENTA ESTE TELEGRAMA. Creio que seria, ou por outra, que ele corresponde a algo que a malta há muito esperava; isto pelos comentários do Rocha que conhece bem toda a nova geração angolana que está em Lisboa e que segundo ele vibrará quando tiver bem a certeza que a malta passou verdadeiramente para um plano de luta internacional. Por acaso o telegrama foi enviado no dia 1 de Dezembro. «Portugueses celebremos...» Segundo o Mário me informa o Emb. comunicou o m/ dossier para as autoridades da Gu[iné]. Não me diz porém em que termos é que essa questão foi posta, se simples visa, se pedido de emprego, se asilo político. Aguardemos... Para Túnis não é preciso visa para uma permanência de dois meses. É impossível sair daqui antes de 11, pois só há barcos de 8 em 8 dias, de Nápoles, que partem todas as segundas feiras à noite. E é preciso marcar lugar com antecedência. Espero conseguir lugar no barco que sai a 14 de Nápoles, tencionando partir daqui no dia 11 à noite. A viagem de barco dura dois dias. Custa cerca de 220 marcos em 3ª classe (incluindo o comboio daqui a Nápoles que são cerca de 100 marcos). Finalmente sei o que te espera. Fiquei mais descansado, por saber que poderás ter pass para sair. Existe agora o problema do Rocha. Como sabes pediu-se para a UIE, através da Associação dos Estudantes da África Negra em Paris uma bolsa para ele. Até agora ainda não veio qualquer resposta e o moço está algo preocupado com o que poderá fazer cá. Ele fica na de Bary até 15 e depois tem mais uns dias para viver num appartement que a Becker tem aqui na cidade. Depois disso, lá para o fim do ano, tenciona pedir asilo desse lado, que lhe permita trabalhar enquanto espera por uma bolsa. Não seria de escrever para o Potékhine, para a Associação Soviética para a amizade com os povos de África? O Mário escreveu-lhe em Setembro, creio ter recebido qualquer resposta cujo conteúdo ignoro. Penso que não seria mau entrarmos oficialmente em contacto com eles, podendo mesmo citar a carta do Mário, e pedir-lhes a concessão de bolsas para os nossos estudantes e concretamente para o caso do Rocha. Se ele fosse já poderia começar a estudar a língua. Esse correio a fazer-se poderia ser por teu intermédio já que não convém escrever e receber respostas deste lado. Diz algo a este respeito. Quando vim de Lisboa expliquei-te que nada se escreveu quanto à fundação do Mac, pois era-se de opinião (falaram os experientes em tais questões) que um movimento não deveria possuir estatutos. Em face disso aprovaram-se os princípios gerais (verbalmente) que regeriam a nossa actuação, pelo menos nos primeiros tempos. Creio que és injusto com a malta de Lisboa. Se ela possui inegavelmente (eu também, claro) os defeitos lusos de trabalho, é porque outros horizontes se não lhe abriram. Trabalhámos sempre com os olhos postos nas nossas terras, apesar de o termos feito muitas vezes em organismos lusos. Neles aprendemos pelo menos a não confiar mais nesses organismos, por muito progressivos que eles nos parecessem. Foi uma lição que levou anos, mas é preciso ver que os movimentos de Angola só recentemente comunicaram connosco. Até aí deixaram-nos sempre entregues a nós mesmos e aos nossos horizontes metropolitanos. Não culpo ninguém. O colonialismo português é o maior responsável desse aparente divórcio que existia entre a malta a estudar e a malta que lutava no seu próprio meio. Hoje há uma maior aproximação que esperemos se aprofunde com o tempo. Terá sido um erro termos feito acordos verbais? A experiência mostra que não. Nós não podíamos prever a projecção que o Movimento viria a ter, dados os limites de visão que sempre se nos puseram. Tivemos em conta o que se tinha acordado em Paris, pelo menos daquilo que tínhamos tido conhecimento. A isso se deve, por exemplo, o MAC não ser um movimento apenas de angolanos. Enviei para Lx. uma das cópias do Manifesto. Estou ainda a pensar como hei-de enviar a adenda, que chegou no dia seguinte ao do envio. Falei-lhes na necessidade urgente de haver uma DIRECÇÃO digna desse nome cá fora. O único membro da Direcção provisória que cá está sou eu. Naturalmente vós tendes uma certa liberdade de actuação, como tipos vivendo fora e capazes portanto de abarcar melhor determinados problemas. Isso foi frisado lá. Pu-los a par de todas as deficiências que temos vindo a notar e frisei a necessidade de uma resposta urgente. Hoje não me é possível ser mais extenso. Recebi a carta ontem, com as instruções sobre T. [Túnis], com que estou de acordo. Evidentemente que se puder arranjar um quarto particular o farei. Aqui não o fiz, por não saber se partia de um momento para outro e só se alugarem quartos pelo menos para dois meses, raramente um mês. Aliás a pensão fez-nos um preço especial, que mesmo assim não é evidentemente barato. Até breve. Uma coisa ainda. Não mandei ainda o Manifesto para Paris, pois como fiz seguir uma cópia pª Lx. e estou a tomar apontamentos sobre este, não tenho outro exemplar. Terás tu um exemplar a mais para mandar aos tipos? Não convém escrever directamente para casa do Mário. Ele pede que se faça pª PIERRE JEAN OSWALD, 13 rue Charles V, Paris 4 e simultaneamente se escreva uma carta simples à Sarah a avisá-la do envio de algo para o editor. Saudades da Ruth e do Rocha. Um grande abraço ass.) L.

Carta de Lúcio Lara (Frankfurt/Main) a Viriato da Cruz

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