Carta de Lúcio Lara à secção do MAC em Lisboa

Cota
0007.000.062
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
secção do MAC em Lisboa
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
1
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Relatório à Secção do MAC em Lisboa [manuscrito por Lúcio Lara, em letra muito pequena] Amigos – Aproveito uma oportunidade para tentar enviar-vos este projecto de manifesto. Da n/ actividade no campo intern.[acional] resultou pª nós uma certeza: O Mac tem de ser estruturado no sentido de ser + eficiente e de poder realizar as tarefas que a si próprio se impôs. Em Setembro sugerimo-vos a nomeação de um executivo que pudesse actuar com mais liberdade de movimentos, seguro de que tinha a confiança do Movimento. De todos os n/ pedidos apenas recebemos a massa, mas urge que a estrutura do Mac seja definida. Temos presentes as difíceis condições em que se trabalha aí, sobretudo após os acontecimentos de Angola e Moçambique e Guiné, mas precisamos de estar apoiados c/ a vossa assistência, quer em notícias, quer em instruções pª nos podermos desempenhar eficientemente das n/ tarefas. Vou tentar resumir (o tempo é escassíssimo, pois a oportunidade surgida, vai-se embora amanhã) o n/ trabalho e o n/ pensamento acerca do futuro do movimento. Esta vai por alguém que não sabe o que leva, pois apenas lhe pedi pª levar uma caixa de bombons pª pessoa amiga. Esta pessoa amiga receberá uma carta m/ pedindo-lhe que faça o favor de entregar os bombons a um de vós. Este parêntesis tem por fim dar-vos uma ideia de como a coisa seguiu. Tem de se correr algum risco, mas parece-me que o risco não é grande. Oxalá não me engane. A falta de comunicações bem organizadas obriga-nos a isso, pois é impossível continuarmos a actuar sem o vosso parecer e mesmo as v/ sugestões. N/ situação actual – A última carta (recebida há um mês de Barden) dizia que o «patrão» se estava a ocupar pessoalmente do n/ caso, que teria uma solução as soon as possible. Porém essa resposta nunca + veio. Um de nós está imobilizado sem passaporte, outro conseguiu renová-lo. O que conseguiu renovar, na impossibilidade de continuar na Alemanha, onde passou a ter de viver numa pensão, resolveu partir dentro de 12 dias para a Áfr. do Norte, onde a vida é + barata e onde se realiza em Janeiro de 1955 [sic] a conf. dos povos africanos. Ali pensa alcançar contactos que permitam desenrascar a malta, tendo ou não passaporte. Tenciona ainda, se tiver de aguardar a solução de Barden muito tempo, tentar ser reconhecido como delegado na Conf. Africana, apresentando um relatório sobre a situação actual das col. port. O outro membro está imobilizado em Berlim, mas continua em contacto e agindo a favor da organização. Actividades – Sobre os acontecimentos da Guiné e Angola, escrevemos cartas à Conf. de Accra, Conf. do Cairo, Committee African Organis. (Londres), Associação Cultural do Negro Brasileiro; saiu um artº no jornal Belga «La Gauche» de que enviamos 4 exemplares pª Lx, no jornal inglês (New Statesman nº 1497 de 21 de Novembro de 1959), em jornais da Alemanha Oriental e proximam/ num jornal da Alemanha Ocidental. Ainda estes dias resolvemos enviar em nome do Mac ao Secretário Geral da ONU (Mr. H [Dag Hamarskjoeld]) um telegrama que será redigido nestes termos: EM NOME MOVIM. ANTI-COLONIAL ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DE NATIVOS TODOS PAÍSES AFRICANOS SOB REGIME COLONIAL PORTUGUÊS APELAMOS VOSSOS BONS OFÍCIOS JUNTO GOVERNO PORTUGUÊS FIM SISTEMÁTICAS ATROCIDADES E NEFANDOS ASSASSINATOS CONTRA POVO AFRICANO GUINÉ E ANGOLA LIBERTAÇÃO PRISIONEIROS POLÍTICOS SUSPENSÃO PREPARATIVOS REPRESSÃO ARMADA STOP AGRADECEMOS TRANSMITA ISTO QUARTA COMISSÃO BEM COMO NOSSO PROTESTO CONTRA POSIÇÃO PORTUGUESA ONU CONTRÁRIA ESPÍRITO CARTA E DECLARAÇÃO UNIVERSAL DIREITOS DO HOMEM (Ass. L.L. e V.C.). Receamos que discordem desta n/ atitude de enviar o telegrama. A realidade é que é preciso que tomemos atitudes deste género para ganhar a confiança dos n/ irmãos africanos, e que somos os únicos que neste momento podem fazer algo deste tipo em benefício dos que jazem nas masmorras portuguesas e em memória dos que perderam a vida. Gostaríamos de saber a v/ opinião. Ela pode ser enviada, se escreverem até ao dia 7 daí, para a m/ morada que conhecem aqui. Tenciono partir cerca do dia 12 ou 13 pª a Áf. do N. O telegrama vai já, pois está-se a entrar na altura da agenda em que virão à baila as colónias port. na ONU, e esse telegrama pode ser um bom argumento pª os países amigos tentarem condenar a acção portuguesa. Entendemos que só com dinamismo poderemos levar a cabo a n/ missão e conseguir estruturar uma verdadeira luta de libertação colonial. Temos de fazer sacrifícios enormes para não deixar perder o que os n/ irmãos tão duramente já conseguiram. Quando aqui passou o Sékou Touré enviámos-lhe um telegrama nestes termos: «Em nome do Mac Organização nativos países africanos sob domin. port. saudamos na pessoa de Vossa Excelência país e povo Guineense stop Damos o n/ melhor apoio vossos esforços favor unidade africana stop Desejamos Brilhante sucesso vossa viagem (V.C. e L.L.).» O Committee of African Organisations (de Londres) respondeu-nos dizendo que fariam tudo para dar a conhecer os crimes actuais nas colónias portuguesas. Nas n/ cartas pª Accra, Cairo e Londres pedíamos que telegrafassem ao Governo português exigindo a libert. dos presos. A Présence Africaine tb vai telegrafar, se é que já não telegrafou. Dois elementos de Paris viram a sua renovação de séjour negada pela Polícia francesa, sob pressão do Governo Português. Tiveram de sair de França e entrar de novo pª terem os vulgares 3 meses concedidos a turistas. As idas para África ainda não estão bem reguladas, por causa de muita burocracia. Temos esperança de que se regularão, mas não sabemos quando. Pensamos que o n/ amigo1 que aqui esteve connosco há tempos corre perigo e que deve safar-se o mais cedo possível. A Conf. Accra não respondeu a nenhuma das cartas que escrevemos sobre filiação. Sabemos que vêm, no entanto, a caminho documentos da última reunião do s/ bureau, quando Nkrumah falou de Angola. O Cairo tem-nos enviado um exemplar dos seus documentos. Já pedimos mais, que tentaremos fazer-vos chegar. Precisamos de moradas. O m/ correio tem-me chegado sempre intacto, o que faz crer que a vigilância dos correios não é grande. Uma das pessoas a quem enviei «A gauche» [sic] acusou a recepção. Falaremos agora de organização. ORGANIZAÇÃO – A experiência mostra-nos que em certos aspectos o Mac funciona deficientemente. Sobretudo falta de contacto entre os de fora e os de dentro, e falta de coordenação. Se é certo que um movimento não pode ter estatutos, nada nos impede de possuirmos duas coisas fundamentais. Uma seria um Regulamento interno que daria uma estrutura ao Mac e apontaria a cada Membro as suas responsabilidades, e o limite dessas responsabilidades. Isso permite que cada um saiba o que deve e o que pode fazer, coisa que é muito importante. A outra coisa fundamental é a necessidade de se conhecerem sem margens de dúvidas quais os objectivos do Mac. Necessitam dele os aderentes que pretendam arranjar novos aderentes; necessitam dele os aderentes que pretendam realizar as tarefas internacionais do movimento. Necessita deles o Mac para poder ser levado a sério pelas outras organizações Africanas. Vamos dar a nossa opinião a respeito da estruturação do Mac. O Mac aspira [a] interpretar os anseios dos povos das colónias portuguesas, pode portanto aspirar a ser um dia, logo que possível, um conselho de coordenação das frentes patrióticas que viessem a organizar-se nas colónias. A isto se devia propor o Mac. Ele possui já uma pequena experiência internacional que pode vir a ser útil às referidas frentes patrióticas que se venham a organizar e que esperamos se organizem breve. Não seria mesmo necessário aguardar que essas frentes se formassem em todos os países. Logo que elas estivessem formadas em 2, por ex., Angola e Guiné, o Mac poderia passar a ser o tal Conselho de coordenação da luta dessas frentes, no que elas tivessem de comum. Há tempos recebemos uma carta de Conakry, de um Guineense que não conhecemos, contando-nos os acontecimentos de Bissau e pedindo ao Mac que ajude os guineenses exilados na Rep. da Guiné, a organizarem-se pª a luta. Se nós soubéssemos de organizações da Guiné sob dom. port. teríamos posto este homem em contacto com essas organizações, pois parece-nos q. a n/ missão é integrar a malta nas lutas dos seus próprios países. Parece-nos, agora quanto a organização, que era necessário haver cá fora pelo menos 2 indivíduos ligados ou pertencentes à direcção, com possibilidade de actuação livre, numa base de confiança. Podia ser por ex. um de p. [Portugal] e outro daqui. Este aspecto é importantíssimo e pedimos solução urgente. (Receberam ou não o relatório enviado em Setembro? Nele falávamos de um executivo. Nada nos disseram sobre isso...) Os Directórios devem ser alargados quanto antes. Um Director e 2 membros com a mesma responsabilidade pelo trabalho do Directório. O Direct. de controle talvez devesse conter + membros. O Dir. das finanças deve inventar maneiras de fabricar massa. Sem massa não se faz nada. Estamos a guardar ciosam/ o dinheiro que recebemos pª viagens, mas em correios gasta-se uma fortuna... Sugerimos que o comité de propaganda deva também ter delegados cá fora. Estes encarregar-se-iam duma propaganda internacional e traduziriam os artigos dos membros do Mac a publicar na Imp. estrangeira. A este propósito existem cá fora duas pessoas (ambas portuguesas, mas já com um bom trabalho ao n/ lado) que nos parecem ser de integrar no Mac, no Comité de propaganda. Dadas as reservas que inicialm/ fizemos, queremos saber o que pensam vocês a este respeito. Foi aqui integrado um moço que veio por vós recomendado pª arranjar uma bolsa. (O caso está a ser tratado por várias vias, mas ainda não está resolvido. Os pedidos de bolsa devem ser enviados com a maior antecedência possível. Digamos 6 a 3 meses antes do início do ano lectivo). Quanto ao Manifesto, achamo-lo como disse mto necessário. Pensamos mesmo imprimi-lo logo que possível, bem como outro material do Mac. Este que aqui vai é um projecto para vocês discutirem. Concordo com toda a introdução histórica, mas acho-o pouco preciso, algo «diluído» quanto ao que trata dos objectivos. Discutam vocês aí a coisa e mandem as emendas que acharem necessárias. DIGAM ALGO A ESTE RESPEITO. Dentro de uma carta dirigida a Erwin Smith, registada e expresso. Há aí quem tenha a morada deste senhor. Mandem até ao dia 11 cá, se vos for possível. A morada daquele senhor é do v/ conhecimento. Foi onde eu vivi quando vim pª cá. Receberão em breve outra morada, talvez na Bélgica. Guardem-na ciosamente e só a utilizem quando necessário. Metam o que se destina a nós num envelope onde escrevem apenas Rui. Outro envelope, encerrando aquele, terá então a morada que enviarei. Esta será para depois do dia 11, em que possivelm/ já não estarei aqui. Voltando ao Manifesto, ele poderá depois ser difundido entre os aderentes e mesmo enviado para os nossos países. Será também dado a conhecer às organizações internacionais n/ amigas, e por isso convinha que já pudesse ser distribuído na próxima Conferência de Túnis. PARECE-NOS SER DE ABSOLUTA necessidade que um membro da Direcção, pelo menos, saia de Portugal aproveitando as férias do Natal ou antes. Haveria ensejo pª tratar em Paris ou qualquer outro sítio de uma imensidão de problemas e de ficarmos ao corrente do que se passa aí e vocês do que se passa cá fora. Claro que teria de ser alguém que regressasse. Comecem já a pensar nisso. Nem que seja por uma semana. Convinha era avisarem com antecedência se estão ou não dispostos a isso. É IMPERIOSO, como vocês devem calcular. Como tem andado o Mac aí? Progride ou não? Há que dilatá-lo. É preciso confiar na malta e falar-lhes (aos novos) na s/ existência. Se puderem distribuam por todos (não esqueçam os protestantes) o telegrama às N.U. e ao S.T. [Sékou Touré]. Quando o Manifesto estiver discutido e impresso, convém espalhá-lo. Soubemos aqui haver muita gente nova interessada na luta. Cremos ser necessário mobilizar à grande. Se puderem enviem sempre livros c/ dados estatísticos sobre as n/ terras e outras coisas. Até aqui tenho recebido jornais de Angola, e livros que eu próprio tenho mandado vir. Tudo nos faz falta, até gente. Mandem uma antologia editada pela CEI [Casa dos Estudantes do Império]. PRECISAMOS das fotografias dos presos. Isso faz falta para artigos. Sempre que haja algo anormal comuniquem. Temos de aproveitar o tempo favorável à n/ luta. Tentem informar-nos do que se passa nas nossas terras, prisões, etc. Soubemos de tudo por outros que não vós. Isto não é de modo nenhum querermos menosprezar o v/ trabalho que bem sabemos fazer-se em condições árduas. É apenas chamar a atenção para certas deficiências nossas que temos de ultrapassar. Outra coisa – Qdo saí daí estava para haver um encontro c/ uns tipos2. Chegou a haver? Decidiu-se algo? É que amigos desses tipos abordaram amigos nossos, propondo um encontro para discutir sobre uma colaboração futura. A n/ situação é de reserva, até sabermos o que se passou aí. Somos de parecer que um cauteloso contacto é desejável, mas sem quaisquer compromissos. Prefiro guardar este assunto para ser relatado à pessoa que daí vier nas férias do Natal. Encarem isso, por favor. Claro que se quiser vir alguém para ficar, sujeitando-se a todas as primeiras dificuldades a vencer, isso será óptimo. O que se impõe mesmo é SAÍDA DE GENTE CAPAZ E UMA BOA ESTRUTURAÇÃO DO MAC. Muita coisa haveria a dizer, mas não só é demasiado perigoso, mas também difícil, pois só agora pensei que podia tentar esta chance de comunicar convosco, pelo que não tenho um relatório convenientem/ preparado. RESPONDAM POR FAVOR. ABRAÇOS. QUE A NOSSA LUTA SE CONCRETIZE E PROGRIDA. Separem as margens escritas.

Carta de Lúcio Lara à secção do MAC em Lisboa

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