Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»
Carta a Mário de Andrade [dactilografada] Frankfurt, 26/8/59 Caro Mário Depois de um longo silêncio de 2 meses aqui me tens a tentar esclarecer-te das causas do mesmo. Como sabes depois que nos separámos fui pª o tal campo, onde (só depois o soube) me devia submeter a um inquérito promovido por uma comissão especial pª estrangeiros ou al[emães] refugiados. Todo aquele tempo se passou sem que os senhores decidissem a sério qualquer coisa. Tenho a impressão que lhes criei um problema de 7 cabeças. Um dia comunicaram-me que me tinham acordado 6 meses de permanência numa cidade de grande interesse químico, mas nada me disseram, fingiram mesmo esquecer, como poderia eu levar a cabo aquilo a que nos tínhamos proposto. Portanto recusei e como a nova solução demorasse muito tempo, só vi como remédio o vir-me embora, que mesmo assim ainda custou. Enfim, trapalhadas que um dia se tiver interesse te narrarei de viva voz. Não foi totalmente perdido o tempo que lá estive, porquanto trabalhei numa fábrica e tive oportunidade de estudar in loco a aplicação de uma série de teorias. Do nosso ponto de vista pode dizer-se que foi tempo perdido, pois só a mim serviu a experiência destes dois meses, embora de certo modo essa experiência possa vir a reflectir-se no Movimento. No campo em que eu vivia não tinha grandes condições para escrever, sobretudo pª o estrangeiro. Há pouco tempo a Ruth transmitiu-me pª lá as decisões da reunião que vocês aí tiveram, que não pudemos deixar de considerar infelizes. Peço que digam com urgência se acham que vale a pena eu ir até aí antes de partir pª o Gh. [Ghana] pª estabelecermos normas e bases de uma acção eficaz no futuro. Impõe-se que passemos decisivamente para o tipo de luta que as circunstâncias actuais exigem. Como deves saber, em Angola a sangria começou, mas o mais consolador é que duas cartas que nos davam a notícia acrescentavam que A LUTA CONTINUA. Creio que se nos impõe fazer um exame honesto das nossas actividades e ver até que ponto é que elas têm correspondido ao que se espera de nós. Escrevemos pª o Gh; enviando as fotos e curriculum do V. [Viriato da Cruz], t/, da R. [Ruth] e meu, e quanto a nós pedíamos pª entrar nas próximas 6 semanas. Vamos a ver a resposta. Seria de TODA A CONVENIÊNCIA que tu ou quem aí conhece o Padmore lhe escrevesse prontamente pedindo que interfira no problema, para que ele se resolva com toda a urgência. Se vocês não estiverem dispostos ou em condições de o fazer, manda-me na volta do correio o endereço dele, para daqui lhe escrever. O V. continua lá até meados de Setembro tencionando aguardar em Liège o visa; o pass dele termina em 18 de Out. pelo que nessa data deve estar embarcado. Dizes ter-me enviado uma carta através da Bélgica. Não a recebi. Será que te querias referir à que enviaste ao V. contendo a carta do B.? Diz o que pretendes de cá com respeito a dados bibliográficos. Interrompi esta pª o almoço e entretanto recebi notícias do [rasurado] que me põe ao corrente da carta que te escreveu. Se houvesse a mínima possibilidade de o Monde dar a notícia das prisões, seria já muito bom, porque é um jornal de grande repercussão em Portugal. Há também a hipótese de fazeres uma nota pª o New Statesman através do teu amigo. Convinha dar ao caso a maior repercussão, não só pª que o nosso povo se sinta apoiado na luta, mas para que o meio político internacional comece a acreditar que realmente existe uma luta tanto em Angola como nas outras colónias portuguesas. O facto de até hoje toda a gente desconhecer que essa luta existe só nos tem criado dificuldades de toda a ordem. Está cá um moço que fez em Coimbra o 1º ano de Medicina e que pretende ir para Leste estudar Ciências Políticas. É de Angola, chama-se Carlos Alberto da Rocha Oliveira; tem 19 anos, vem recomendado pelo Neto [Agostinho N.]. Achas que é possível conseguir alguma coisa através da tal Associação pª a amizade com os povos de África? E quanto tempo levaria a saber de todas essas coisas. Entretanto estou a pensar que ele pode tentar, como eu o fiz a Alem. de L., mas parece-me que eles têm certos preconceitos com respeito a menores. Neste momento não me ocorre nada mais. Vai uma foto nossa em Berlim. O V. ficou c/ a outra. A diferença é que numa estou eu e na outra está ele. Quanto a ti, numa estás com a pasta do lado de fora, e na outra estás com ela do lado de dentro. Se em todo o caso estiveres interessado na outra, diz que ta mando. Saudades à Sarah. Saudades da Ruth. 1 ABRAÇO DO T/ ass.) L
Carta de Lúcio Lara (Frankfurt/Main) a Mário de Andrade