Carta de Hugo Menezes a Lúcio Lara

Cota
0006.000.043
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Hugo de Menezes
Destinatário
Lúcio Lara
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
6
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Carta de Hugo de Menezes
[manuscrita]

Paris, 23/6/59
[Escrito à margem: Recebi as encomendas. Tenho um portador, mas não é seguro, ou antes, é um tipo de Angola, o Fernão Carvalho. Prefiro esperar outro mais fixe.]

Meu caro

Espero que tenhas recebido duas cartas minhas, a última das quais por mão própria.
Recebi, há momentos, uma carta que me foi escrita e enviada por Kanyama Chiume, Secretário do Nyasaland National Congress. Com esta, uma cópia de uma outra carta que lhe foi dirigida por (enviada por...) George M. Houser, membro do American Committee on Africa, com sede em Nova York. Segue-se a tradução da mesma, que foi escrita em Inglês:

«American Committee on África
N. York
………………. Junho, 17/959
Dear Kanyama Chiume

Esta é apenas uma breve nota, uma informação específica.
Eu tive oportunidade de falar com Tom Mboya e este disse-me que uma pessoa de Angola está agora em Londres. Mboya não sabia o nome completo desta, quando falei com ele, mas disse-me que parte do seu nome era Dr. Hugo. Como nós estamos a fazer um trabalho sobre a questão portuguesa ante as Nações Unidas, eu gostaria de contactar com este angolano. Poderia você enviar-me o seu nome completo e adresso [sic]?
…………………….
…………………….
Sinceramente
G. M. Houser»

Envio-te também a cópia da carta ou antes, a resposta de Chiume ao mesmo George Houser:

London. 21/6/59
………………… «Dear Mr. Houser

Muito obrigado pela sua carta datada de 17 de Junho 1959.
O nosso amigo de Angola a respeito de quem Tom Mboya falou consigo quando do vosso encontro na América, é Hugo Menezes, de Angola, e nós enviámo-lo (? não sei bem a tradução, mas é este o sentido) para um país africano independente, onde ele poderá exprimir-se mais livremente. O seu presente endereço é London, 200, Gower St., e nós ficar-Ihe-emos muito gratos se você lhe der toda a assistência possível. Estamos particularmente satisfeitos por notarmos que vós estais actuando duramente para levar a questão portuguesa ante as Nações Unidas. Dr. Hugo será muito útil a este respeito, e estou certo de que você não hesitará em escrever-lhe.
Sinceramente
Kanyama Chiume»

Naturalmente, não quero armar em cavaleiro andante ou mascarar-me de porta-voz dos angolanos. Isto significa que não tomarei qualquer iniciativa sem que previamente vocês me aconselhem ou sem o vosso parecer, muito especialmente nesta questão, de âmbito real bem mais transcendente do que a «simples» questão das colónias portuguesas na ONU. Ela talvez envolva possíveis posições ou compromissos que não sei se estão de acordo com a vossa linha de conduta.
Seja como for, aguardo o vosso urgente parecer – e crê que estou ao vosso dispor, e ao dispor da nossa causa.
Um abraço do
H.

P.S. – Sinto uma necessidade extraordinária de conversar, discutir, conhecer, concertar – sobre os nossos problemas, as soluções encaradas, as vias que às mesmas conduzem, etc. Preciso de ter uma visão conjunta da nossa situação. Não procuro desvendar segredos. Mas se certas «démarches» me forem solicitadas, eu terei absoluta necessidade de dispor de dados fundamentais que não possuo. Há naturalmente problemas que têm de ser estudados a sério antes que sejam ventilados ou levantados – como a questão na ONU. Há contactos a tomar com organizações que os têm solicitado. Por exemplo, a FEANF [Fédération des Etudiants d'Afrique Noire en France]. Esta é dirigida por tipos de categoria, todos eles de formação 100% marxista. O mesmo sucede com o C.A.O. [Committee of African Organisations], de Londres, que «conhece» Angola através do que eu lhes disse... Contactos a ter com os Congressos da Niassalândia e Rodésias, e U.S. Africana. Acham vocês que isto é inútil?
Por outro lado, penso que a nós cabe explorar possíveis oportunidades que se oferecem a estudantes, como bolsas de estudo que são oferecidas pelos vários governos africanos, nas Universidades de Ibadan, Dakar, etc; Facilidades de alojamento no pavilhão da África negra, em Paris, e nas residências africanas em Londres. De tudo isto e outras coisas talvez pudessem aproveitar os nossos irmãos que em Angola ficam «aguardando» uma bolsa de estudo... Já não falo nas ofertas feitas pelos países socialistas ou naquelas que outros governos, inclusivamente o americano, fariam, se nós nos mexêssemos para isso. Esta questão deve ser encarada seriamente, dada a urgente necessidade que teremos, quando chegar a ocasião, de se preencherem os quadros.
Temos que encontrar fundos, e estou certo que isto não será de todo impossível. Por exemplo, eu (e mais alguém, com certeza) penso que somos nós que devemos ir apresentar o caso à ONU, não terceiros ou procuradores. Para isso, precisamos de fundos. O contacto com estas associações, e outras mais, certamente nos daria algumas chances.
Bem, meu caro. Esta já vai longa.
Aguardando a tua resposta, aceita um abraço do
H.

BA ABDUL
47, Boul. Jourdan, FOM, Paris 14
Informações vindas de Lisboa fizeram-me saber que tem havido numerosas prisões entre gente que chega a Lisboa, vinda de África, e que a Polícia anda com os olhos postos sobre a malta da C.E.I. [Casa dos Estudantes do Império]. Ignoro pormenores sobre esta questão, inclusivamente nomes. Também não sei até que ponto esta vigilância sobre a C.E.I. se acentuou, para merecer reparos. Contudo, a pessoa que me dá tais notícias não é muito versada nestas questões, e não sei até que ponto as suas informações são exactas.
H.

24/6/59
Por estarem os correios já fechados, foi-me impossível enviar-te a carta, pelo que só hoje o farei. Aproveito a oportunidade para enviar-te alguns esclarecimentos sobre a FEANF. Perdoa-me, na hipótese de já serem do teu conhecimento, ou mesmo se pensares que não tem interesse. Eu tenho convivido muito com os membros da direcção, tipos porreiros, todos eles de formação e ideias absolutamente progressistas. Refiro-me, evidentemente, à actual direcção. Há cerca de um ano, eles constituíram um partido (Partido Africano de Independência), com núcleos nas várias regiões da África Negra Francesa, e com um jornal que se publica em Dakar, – a Luta. Não sei na verdade qual a extensão ou profundidade do mesmo em África. Mas dada a extraordinária projecção e aceitação da FEANF em toda a França e especialmente em África; dada a categoria dos seus dirigentes; e a seriedade dos mesmos – poderemos concluir que este partido progredirá num caminho sério, feito em terreno propício. O último congresso desta (da Feanf) foi integralmente financiado por Sékou Touré, com meio milhão de francos. O mesmo tem uma consideração muito especial pela direcção, que, segundo creio, o censura por não fazer ou tomar uma posição nitidamente socialista. Por outro lado, é formidável a posição que a FEANF toma na questão Argelina. Cá para nós, parece-me que é ela que sustenta a luta dos estudantes e militantes argelinos aqui, a maioria dos quais está exilada ou presa ou sob uma vigilância tremenda. Careço de informação concreta. Os nossos compatriotas residentes aqui, e com quem falei, parecem um pouco afastados desta organização tão poderosa e séria – e que faz a sementeira dos valores intelectuais na África negra de cultura francesa.
H.

Carta de Hugo Menezes a Lúcio Lara

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