Carta de Castro Soromenho a Lúcio Lara

Cota
0006.000.035
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Castro Soromenho
Destinatário
Lúcio Lara
Locais
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...».

Acesso
Público

Carta de Castro Soromenho
[manuscrita]

Paris, 7 junho 59
Meu caro Lara

Pelo Waldemar e por nós, seus pais, mil agradecimentos pela sua lembrança.
Estou fora de Portugal há mais de um mês, mas a Mercedes chegou cerca de uma semana e deu-me a triste notícia da crise psíquica do António Sérgio. Ele tentou suicidar-se, não quer ver ninguém, e diz que tudo quanto escreveu é inútil por errado! Que esta demência seja curável, não se sabe, dada a idade que tem, grande cansaço do trabalho intelectual e longa luta política contra o fascismo clerical que tudo abafa sob o manto de Nossa Senhora de Fátima...
Quando soube que V. tinha abalado, felicitei-o mentalmente bem do fundo do coração. A luta dos africanos não pode ser feita sobre o terreno português. Com uma oposição salazarista que é no fundo, face ao problema colonial, tão «nacionalista» como os salazarentos, nada há a fazer. Um pequeno sector da Oposição, onde me coloco, vem tentando, como sabe, fazer um esclarecimento da situação colonial com vista a uma tomada de consciência. Mas todos nós sentimos que, no fundo da consciência dos mais esclarecidos, a mentalidade colonial, desperta quando menos se espera... Esta é a condição de cinco séculos de colonialismo...
Será, portanto, de África, dos seus novos países, que terá de ser conduzida a campanha de propaganda que apoiará os movimentos nacionalistas de zonas portuguesas por seu domínio colonial-fascista, que é a mais odienta ocupação da terra e gentes de uma grande parte de África.
Espero viver o tempo necessário para poder ir a Angola independente e agradecer ao seu povo por ter quebrado as algemas e grilhetas de cinco séculos de escravidão. Agradecer-lhe em nome do que há de mais sagrado no homem – a dignidade humana. Melhor do que ninguém, o homem branco nascido em África, sabe o que tem sido, e é, o calvário do homem negro. Que ele tenha a consciência desse crime e saiba levantar a sua voz para condenar o colonialismo, é a sua única missão. Tudo o mais pertence aos africanos – ao homem negro que terá de moldar o grande e verdadeiro destino de África.
Dê, por mim, um abraço ao Viriato. Cumprimentos meus e da Mercedes para sua Esposa. Recomendações da minha mulher para V. e um grande abraço para si do amigo e camarada.
Castro Soromenho

Carta de Castro Soromenho (Paris) a Lúcio Lara

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