Documento sem título conhecido como «Manifesto do MPLA»

Cota
0003.000.013
Tipologia
Manifesto
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Autor
Nacionalistas angolanos
Data
1956 (estimada)
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
17
Observações

Esta versão foi publicada no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...» (3ª edição, revista e aumentada, de 2017).

Acesso
Público

Documento sem título, que viria a ser o Manifesto do MPLA1 [manuscrito por Viriato da Cruz]2 [Sublinhados e maiúsculas conforme o original]: O desenvolvimento das forças produtivas dos primeiros países capita­lis­tas da Europa - desenvolvimento com base na assimilação do progres­so técnico criado por todas as raças, através dos séculos - levou esses países europeus à procura de mercados para os seus produtos. Daí as viagens marítimas subsidiadas pelo comércio do Estado e pelas empresas particulares dos países capitalistas euro­peus, e daí a cria­ção de feito­rias (estabelecimentos comer­ciais) e capitanias nas costas africa­nas. O contínuo progresso das forças produtivas, a maior necessida­de de merca­dos e a garantia da posse dos mercados, e o aumento da concorrên­cia entre os países capita­listas europeus na procura de mercados, levaram esses países ao aniquila­mento dos Estados africa­nos, à con­quista dos territórios africanos e à subjuga­ção dos povos africanos. Deste modo, os capitalistas europeus transfor­ma­ram toda a África em colónias e países dependentes. Mais tarde, a exportação maciça de capitais para as colónias e países de­pendentes com o fim de maior exploração das fontes de matérias primas, o alarga­mento das "esferas de influência" e dos domínios colo­niais até abarcar todo o mundo, a transformação do capitalismo em imperialismo, isto é, a transformação do capitalismo num sistema mundial de opressão colonial e de escravização finan­ceira da imensa maioria da população do mundo por países imperia­listas, estes factos, dividiram o mundo em dois campos: o pequeno campo dos poucos países imperialistas, exploradores e opressores, e o imenso campo das coló­nias e dos países dependentes que [se] vêem obrigados a lutar para se libertarem do jugo imperialista. Diante dos países imperialistas - países estes que visam, por meio de acordos, tratados, pactos de defesa mútua e manobras conjuntas de toda a espécie, perpetuar a opressão das colónias e dos países dependentes - diante desta frente imperialista mundial, as colónias e os países dependentes viram-se obrigados a criar a frente mundial contra o imperialismo. Isto quer dizer que só com a luta solidária e unida de todas as colónias e países dependentes se pode derrubar o imperialismo em cada país opri­mido e em todo o mundo. A luta solidá­ria dos povos asiáticos, dos povos africanos do norte do nosso continente, e a histórica e frutuosa conferência afro-asiáti­ca de Bandoeng - eis algumas das realidades da frente mundial contra o imperialismo. Em face das realidades incontestáveis e dos exemplos das lutas vito­riosas da frente mundial contra o imperialismo, impõe-se, pois, a união firme e inabalável e a luta unida, não só de todos os indiví­duos africanos, mas também de todos os povos africanos. Nenhum africano deve ficar indiferente perante a luta contra o imperia­lis­mo que se trava em qualquer ponto do nosso continente por uma África para os africanos. Angola é um país com imensos recursos. Há, nele, diamantes, petróleo, manga­nês, cobre, urânio, ferro; terras para o cultivo de muitos produ­tos agríco­las; campinas e climas favoráveis a uma pecuária próspera; variadas matérias primas para uma indústria poderosa; mares propícios a uma indústria piscatória florescente e adiantada. Não obstante isso, gerações e gerações do povo angolano vêm arrastando uma vida triste, na miséria, na ignorância, na perseguição, no trabalho forçado, na exploração desumana do seu trabalho, desagregando-lhes as famílias, morrendo premaţuramente, sem assistência médica e farmacêutica. Num país rico e com três habitantes por quilómetro quadrado, a população indígena cresce, segundo as suspei­tas estatísticas oficiais, num ritmo lento, a natalida­de infantil indígena é baixa e a mortalidade das crianças e dos trabalhadores indígenas é altíssima. A causa dessa revoltante injustiça e dessa aniquiladora desgra­ça está na dominação imperialista, ou particularizando melhor: na opressão colonialista portuguesa que pesa, há séculos, sobre o nosso povo. As minas de Angola estão nas mãos de portugueses, de belgas, de ameri­ca­nos, de ingleses. O território angolano pertence ao Estado portu­guês, as terras férteis nas regiões de melhor clima são distribuídas aos colonos portugueses, milhões de indígenas não são considerados cidadãos pelo governo colonialista português, não têm direito à posse individual da terra angolana. Os criadores de gado são explora­dos e controlados directamente por organismos económicos portu­gueses. O comércio interno é dificultado ao indígena e facili­tado ao colono português ou de outra nacionalidade estrangeira. O comércio externo é controlado pelo Estado colonialista português e exercido por colonos portugueses. Não há Bancos de indígenas nem meios de transporte de indígenas. O objectivo mínimo da exploração e da opressão do imperialismo sobre o povo angolano, tem sido, continua e continuará a ser sempre a obten­ção de lucros máximos. Parte destes lucros são exportados para fora de Angola e a parte res­tante é aplicada em Angola em obras que visam sempre, directa ou indirectamente, o benefício do colonialismo, o reforçamento do Estado colonialista, o desenvolvi­mento das empresas estrangeiras (portuguesas ou de outras naciona­lidades). Toda a administração de Angola está nas mãos do Estado colo­nialista. Toda a vida social indígena foi desorganizada. A cultura indígena é desprezada, silenciada e aniquilada. Fazem silêncio sobre a história dos povos indígenas, ou a deturpam e difamam. Desconsideram as línguas indígenas e impedem o cultivo delas. Falseiam grosseiramente os factos referentes à tradição histórica e cultural dos africanos. Interpretam-nos mal, e fazem tudo por diminuir ao mínimo a estima do africano por si mesmo. Reduzem a zero a contribuição do homem negro para o desenvolvimento da cultura humana, esquecendo de propósito ter sido negra a primei­ra grande civilização que se conhece, a civilização egípcia. A imprensa, a rádio, o cinema, a arte, a literatura, servem apenas e são obriga­dos a servir os interesses do colonialismo. O colonialismo português domina inteiramente - e de maneira cínica, desum­ana, cruel e brutal - a nossa vida económica, social, política, cultural e privada. Somos humilha­dos como indivíduo [sic] e como povo. Sabe-se - pela demonstração incontestável dos factos e até por confis­sões de colonialistas portugueses - que a exploração desuman­a e brutal das massas indígenas, a falta da necessária assistência médica e sanitária, a desorganiza­ção da família indíge­na, o encur­tamento da duração da vida do homem indígena, a baixa natalidade e a altíssima mortalidade infantis, a relegação do indígena ao trabalho físico, a manutenção das massas indígenas na ignorância, a política de aumentar, estimular e reforçar o parasi­tismo do colono sobre o esforço do indí­gena, tudo isso tem em vista liquidar a população indígena e fazer de Angola uma terra de brancos. O cinismo colonialista afirma não pretender liquidar os negros com a rapidez e a crueldade com que foram eliminados, por exemplo, os peles vermelhas no continente americano. É verdade: porque o que os colonialistas portugueses vêm realizando e preten­dem continuar a realizar é liquidar o negro angolano, obrigan­do-o a um trabalho aniquilador cuja execução diminua lentamente o número e as forças dos negros, um trabalho para dotar Angola de todas as condições básicas indispensáveis à vida dos brancos em Angola. Não há dúvi­das: é essa a maneira mais inteligente e proveitosa de assassi­nar povos. Essa não é já, de facto, uma política de discrimina­ção racial; é pior: é uma política de assassi­nato do povo negro de Angola. Actualmente, a opressão colonialista portuguesa tem sido agravada pela entrada em Angola, pela mão dos colonialistas portu­gueses, da domina­ção do capital financei­ro, dos monopólios e dos trustes europeus e norte-americanos. Portugal assina acordos e pactos consentindo a penetração política e económica dos imperia­listas e monopolistas norte-americanos em nossa terra, acordos e pactos "cujas cláusulas são extensivas às colónias", acordos e pactos que vêm comprome­tendo o nosso povo numa política de prepa­rativos para a guerra, guerra em que os nossos filhos, irmãos, maridos e noivos morrerão para enriquecer os nossos opressores, para tentar subjugar povos livres ou para ajudar a manter subjuga­dos povos oprimidos como o nosso, mas que lutem, justa e heroica­mente, pela sua liberdade. Actualmente, parte considerável da nossa renda é aplicada na militari­zação de Portugal e das colónias portuguesas, o que agrava a nossa já dura vida de povo colonial. O nível de vida dos trabalhadores está abaixo da linha de miséria. Os salários são de fome. Baixa continuamente o poder de compra das massas trabalha­doras. Estas não têm assistência médica e farmacêutica necessárias. Não têm direito a organiza­rem-se para a defesa dos seus interesses de classe. Habitam palhotas e cubatas mal construídas, em bairros infectos e desordenados, sem abasteci­mento de água, sem esgo­tos, sem luz, sem mercados, sem escolas, sem jardins, sem praças, sem sanitá­rios, sem higiene. Os filhos dos trabalhadores, grande parte dos quais morre na infância, não têm direito à instrução primária e profissional e dificultam-lhes, por todos os meios, o acesso às esco­las primá­rias e secundárias. Os trabalhadores do campo, formando mais de um quinto dos homens válidos de Angola, obrigados pelo infame "contrato" ao trabalho força­do, vivem sem o gozo dos mais elementares direitos humanos. São duris­simamente explorados. Dispõem deles como se fossem gado. Impossibili­tam-nos de constituir família e, quando a têm, obrigam-nos a viver longe dela durante anos. Mal alimentados, têm um tempo de vida útil muito pequeno, morrem novos. Entre os trabalhadores abundam as doenças profissionais e as doenças por má alimentação. No quadro geral os trabalhadores, os trabalhadores indíge­nas são os mais explora­dos. Os camponeses trabalham com instrumentos de lavoura rudimenta­res, em terras cuja posse individual não lhes é reconhecida. Obri­gam-­nos a cultivar os géneros agrícolas que lhes indicam. São explora­dos pelos parasitas intermediários que lhes compram os géneros. Vivem na misé­ria, longe de todos os recursos. As camadas médias vivem mal. Os seus vencimentos como funcio­nários públi­cos, como empregados do comércio, dos escritórios, não acompanham o aumento constante da carestia da vida. Os indivíduos desejosos de se instruírem e de se dedicarem à cultura, às artes, à literatura, às ciências, às técnicas, não encontram em Angola meios que lhes possibilitem os justos desejos. O custo da instrução aumenta constantemente, não existe o ensino universi­tário, não há faculdades; o ensino máximo na colónia é o ensino secundário, mas do qual é afastado, por processos indirectos ou descarados, a população indígena. Não existem as liber­dades de pensa­mento, de consciência, de opinião, de asso­ciação, de reunião, o que freia o desenvolvimento de toda a actividade inte­lectual, criadora, profissional. Os pequenos comerciantes e industriais, na maioria colonos, pois os natu­rais falham inexoravelmente, vivem em dificuldades crescentes provocadas pela falta de crédito, pelo fraco poder de compra das massas trabalhadoras, pelos impostos pesados, pela subida dos preços das matérias primas, pela exploração dos grandes armazenistas. As leis do condicionamento industrial e as pautas aduaneiras favorecem os industriais de Portugal, freiando a actividade dos industriais de Angola. Existe um controle absoluto em toda a indústria e em todo o comércio de Angola, visan­do, fundamentalmen­te, manter Angola em situa­ção de perpétua dependência económi­ca em relação a Portugal e às potências imperialistas. O colonialismo inoculou, pois, em todo o organismo de Angola, o micró­bio da ruína, do ódio, do atraso, da miséria, do obscuran­tismo, da reacção. O cami­nho em que nos vêm obrigando a seguir é, portanto, absolutamente contrário aos supremos interesses do povo angolano: aos da nossa sobrevivência, da nossa liberdade, do rápido e livre progres­so económico, da nossa felicidade, de pão, terra, paz e cultura para todos. As mais elementares necessidades inadiáveis do nosso povo - como a neces­sidade sagrada e imperiosa de impedir que Angola se esvazie da sua população negra, como sucedeu, por exemplo, com a população nativa do continente america­no, para no lugar dela vive­rem numerica­mente grandes e poderosas populações de origem europeia - exigem a mobiliza­ção e a luta - luta em todas as frentes e em todas as condições - do povo angolano para o aniquilamento do imperia­lismo, do colonialismo português, para tornar Angola um Estado indepen­dente, para a ins­taura­ção de um governo angolano democrático e popular. Um governo de ampla coalizão de todas as forças que tenham lutado implacável e intransi­gentemente, até ao fim, contra o colonialismo português. Um governo de todas as forças anti-imperialistas, e à frente do qual esteja a classe trabalhadora. Um governo que estabelecerá as indispensáveis relações do nosso povo com todos os povos, in­cluindo o povo português, mas na base do livre consentimento, da confiança mútua, da igualdade de direitos, de mútuos benefícios e da colaboração pacífica. Porém, o colonialismo português não cairá sem luta. Deste modo, só há um caminho para o povo angolano se libertar: o da luta revolucioná­ria. Esta luta, no entanto, só alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças anti-impe­rialistas de Angola, sem ligar às cores políticas, à situação social dos indivíduos, às crenças religiosas e às tendências filosóficas dos indivíduos, através portanto do mais amplo MOVIMEN­TO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA. Este movimento, porém, não se fará através da filiação de todos os patriotas angolanos a uma única organização ou associação. O Movimento será a soma das actividades de milhares e milhares de organizações (de três, mais de três, dezenas ou cente­nas de membros cada uma) que se criarem em toda a Angola. Enquan­to a organi­zação do povo se faz dessa maneira, a unificação das organi­zações faz-se atra­vés do esforço que cada uma das organiza­ções dispender para realizar os princípios e os objec­tivos expressos neste Mani­festo. A unificação das orga­nizações faz-se, portanto, através de um certo número de ideias, de princípios e de objectivos comuns a todas as organizações, comuns a todos os indivíduos angolanos organizados. O inimigo é o colonialismo; ou definindo concreta­mente: o inimigo são todos os organismos e todos os indivíduos inte­ressados na manutenção do actual estado de coisas em Angola, e são todos quan­tos colaborem, de qualquer modo, consciente ou incons­ciente­mente, clara ou veladamente, com os primeiros. São nossos aliados todos quantos lutem ao nosso lado, todos quantos nos dêem qualquer ajuda, temporária ou duradoura, condicional ou incondicio­nal - ou todos quantos mantenham, pelo menos, uma atitude de neutralidade favorável à luta do povo angolano. Devemos, portanto, realizar uma política de conquistar todos os aliados possíveis, devemos tirar proveito de todos os conflitos, desinteli­gências ou discor­dâncias entre o colonialismo e quaisquer grupos de interes­ses. Todos os grupos de interesses con­cordantes, de qualquer modo, com a liber­tação de Angola ou mesmo de África do jugo do imperia­lismo não devem ser mantidos isolados ou separa­dos por motivo de ideias ou tendências que porventura os distingam, mas deve-se sim estabelecer a união desses grupos na base do interesse ou dos interesses que os aproxi­mem, em que estejam de acordo. O que nos une e o que nos falta deve estar sempre acima daquilo que nos separa. O essencial, em toda a nossa luta, é isolar o inimigo, tornar o mais pequena possí­vel a sua base de apoio, estreitar o seu campo de acção, reduzir as suas possibilidades, deixar o inimigo só, fraco, sem alia­dos. Com esta táctica a nossa vitória será mais fácil. O nosso Movimento irá desde as mais pequenas às mais amplas e profun­das lutas. Desde a luta que cada indivíduo deve travar em si mesmo para tomar cons­ciência do perigo de morte que vem correndo a existên­cia da população negra, para combater o desespero e a descrença nas possibilidades de êxito da luta popular, para comba­ter o isolamento individual, para criar e desenvolver qualida­des de vigilância, de auto-defesa, de disciplina e de organização, para despertar e elevar a consciência de todos os africanos honrados nas suas relações (no ambiente familiar, no local de trabalho, de recreio, na área de resi­dência, etc.), para criar organizações, até às lutas de organizações particulares e distintas, às lutas unidas de duas ou mais organizações aliadas, às lutas unidas de todas as organizações de uma sanzala, de uma aldeia, vila ou região, às lutas unidas de todas as organizações de Angola, às lutas unidas de solidariedade do nosso povo para ajudar a luta dos povos irmãos de África. É essencial compreender que a luta só pode ter êxito através da parti­ci­pação nela das grandes massas populares, que se organizar­ão através de organi­zações de família, de bairro, de local de trabalho ou resi­dência, de estudo, de cultura, de recreio, de desporto, etc. Nem a luta individual, nem mesmo a luta de apenas alguns homens decididos e corajosos alcançará os nossos objecti­vos. Os indivíduos devem organizar-se, e devem começar a organizar-se, em torno dos seus interesses mais sentidos, imedia­tos e do dia-a-dia. Todas as organiza­ções devem esforçar-se por criar uma base material para a realização das suas tarefas, base essa formada por contribuições e cotizações periódicas, por donati­vos, etc. É indispensável, portanto, lutar para organizar e organizar para lutar. Devemos fazer tudo por lutar sempre organizados, ainda que se criem para isso organizações temporárias, de curta duração. Apesar da situação miserável, aflitiva e desesperante em que tem sido obrigado a viver desde séculos, o nosso povo tem sabido, porém, manter uma notável dignidade e honradez. Isto deve consti­tuir motivo de orgulho e de honra para todo o angolano, e consti­tui, sem dúvida, base sólida para a segurança das actividades conspira­tivas de todo o movi­mento popular de libertação de Angola. Em todo o caso, existiram e existem alguns traidores dos sagrados interes­ses. É absolutamente indispensável que cada angolano honrado e cada organi­zação se defendam desses vis traidores a quem um dia o nosso povo fará justiça. Na nossa luta sem quartel, necessaria­mente ampla, de frente popular geral, da qual parti­cipa­rão todas as forças, corren­tes e tendências contrárias ao imperia­lismo e na qual se realizarão todas as alianças possíveis contra o imperialismo, desde as alian­ças no seio de cada família até às que abarcarão todo o continen­te africa­no, será indispensável que cada africano dê garantias mínimas, e por factos, de que nunca usará da sua língua e da sua mão para denunciar ou mal­tratar qualquer outro africano honrado. É indispen­sável, portanto, ter sempre presente que bom africano é, pelo menos, aquele cuja pala­vra e cuja mão nenhum outro africano honrado pode temer. É indispensável que cada africano evite sempre, quer provocar os agentes de repressão e de investigação dos organismos colonia­listas, quer de responder - por palavras ou por actos - às provo­cações desses mesmos agentes. Nunca se deve ceder à impaciên­cia, ainda que ela seja legítima. É absolutamente indis­pensável criar uma indestrutível bar­reira de segredo e de vigilân­cia entre todas as organizações patrióti­cas de um lado, e o inimigo e os seus agentes do outro lado. Mantenha-se sempre o mais sagrado e rigoro­so segredo das actividades das nossas organi­zações. Cada membro de qualquer organização só deve saber, em matéria de luta patriótica, o que for estritamente necessário ao cumprimento das suas tarefas. É indispensável estar sempre vigilante contra os espiões, contra os que tentem dividir-nos, contra os espa­lhadores de ideias derrotis­tas, contra os provocadores que tudo fazem para nos revelarmos ao inimigo por palavras ou por actos inúteis e impru­dentes. A vida e a actividade das nossas organizações devem interessar unicamente aos seus membros, devem estar unicamente voltadas para o nosso povo, e devem dedicar-se total­mente a dar consciência, despertar, mobilizar, organi­zar e levar à luta as massas populares angolanas. É preciso não manter a mínima ilusão de supor que os colonialistas estão dispostos a trocar o conheci­mento das nossas actividades por quaisquer benefícios que favoreçam o nosso objectivo essen­cial: a indepen­dência da nossa pátria. As possíveis reformas que o inimigo venha a fazer deverão sempre ser conside­radas como manobras para enfraquecer a nossa luta ou para nos dividir. Pelo contrá­rio: devemos aproveitar sempre as reformas para reforçar a situação e as posições da nossa luta. O colonialismo não deixará de oprimir o nosso povo sem ser obrigado a isso somente pela nossa luta; não poderemos lutar sem nos organizar­mos; e nenhuma organiza­ção sobreviverá se ela for conhe­cida pelo inimigo. Eis três verdades evidentes, as quais não devemos vender por preço algum. Em todas as organizações deve reinar, portanto, a maior disciplina e as mais rigorosas normas de organi­zação e trabalho. E como lutamos contra um inimigo cuja inclemência e crueldade sobeja­mente se provam pelos crimes e pelos maus tratos que durante séculos - com medo da união do nosso povo e com medo que se transforme em acção o profun­do e nunca abafado ódio patriótico do nosso povo - vem causando ao nosso povo, é indis­pensável que nas nossas organiza­ções se pratique a mais pron­ta solidariedade para com os patriotas ou a família dos patrio­tas vítimas do inimigo pelas suas actividades patrióticas. Já temos uma base sólida para a prática e o desenvolvimento dessa solida­riedade: é a tradicional fraternidade africana. Já se sabe que os colonialistas, através dos seus agentes e por todos os meios, procurarão espalhar ideias erradas e derrotis­tas no seio do nosso povo. Dirão, por exemplo, que não podemos criar um Estado independente e um governo angolano, sem quadros cultu­rais e adminis­trativos preparados, capazes de reali­zar a adminis­tração de Angola. Dirão que devemos, primeiro, criar esses quadros sob as condições actuais, e lutar então, depois, pela conquista do Estado inde­pendente. Essa ideia é falsa. Porque enquanto o impe­rialismo imperar em Angola nunca ele consentirá que se formem tais quadros, pois ele sabe que tais quadros o levarão à morte. Isso mesmo tem sido declarado pelos colonialistas em todas as suas reuniões internacionais e nacionais, nas quais eles combi­nam os seus sinis­tros planos; em todos os seus congressos, e ainda recentemente no congresso de economistas realizado em Luanda3. E os seus actos têm provado sobejamente as suas palavras. Não tenha­mos ilusões: o colonialismo nunca se suicidará. Portanto, devemos, antes de tudo, lutar por tornar Angola um Estado independen­te. Conse­guido isto, estarão automaticamente criadas as principais condições favoráveis ao desenvolvimento do nosso povo, e avança­remos, com passos de gigante, livres de peias, com a ajuda frater­nal de outros povos tecnicamente mais avançados, para a elevação do nível cultural do nosso povo e para a preparação de numerosos quadros diri­gentes e administrativos extraídos do seio do povo angolano. Lute­mos, primeiro, por uma Angola para os Angola­nos. As actividades de todas as nossas organizações devem procurar sempre tornar presentes e levantar os interesses justos dos seus membros, tanto os da sua vida particular e diária, como os da sua região, da sua raça, da sua pátria; devem procurar sempre fazer ressaltar a justiça de uma "África para os Africanos", como existe justamente uma Europa para os Europeus; devem procurar sempre levar os indivíduos a conhecer, a praticar e a amar a cultura do nosso povo e as dos outros povos africanos (a histó­ria, as línguas, etc.), pois a Cultura [de] um povo cons­titui um dos alicerces da sua existência e garantia da sua sobre­vivên­cia. Portanto, é preciso lutar sempre pela instrução, pela cultura, pelo desporto, por todos os justos interes­ses dos homens enfim, mas devem-se pôr, sempre, essas activi­dades ao serviço da nossa luta. Dar a tudo um carácter político, ligar tudo aos inte­resses do nosso povo, à luta do nosso povo. Nunca se deve impor a ninguém os princípios, os objectivos e as razões da nossa sagrada luta. As pessoas devem ser pacientemente convencidas. Deve-se partir sempre dos problemas que preocupam a vida particular de cada indivíduo. Não há dúvidas de que, na base dos problemas de cada um, está - como causa princi­pal do fracas­so, da dificuldade, da injustiça, da desgraça - a opressão colonialista, a qual é responsável pelas más condições gerais que impedem uma vida melhor para toda a gente. Só haverá solução para os problemas de todos os indivíduos, se forem resolvidos os principais problemas da comunida­de angolana. Façamos os possíveis por sermos compreendidos por todos os homens do povo, analfabetos ou alfabetiza­dos. Usemos a simplicidade popular, falemos com clareza a sua lingua­gem. É indispensável compreender de uma vez por todas que o nosso povo não tem taras. Existem, de facto, defeitos espalhados no seio do povo angolano. Mas tais defeitos não podem ser combati­dos e eliminados através, unicamente, de uma actuação sobre os indiví­duos. Tal combate contra os defeitos deve ser, sempre e antes de tudo, acompanhado pelo combate à opressão dos exploradores e dominado­res sobre o povo. E no caso de Angola, os defeitos do povo são causados e ali­mentados pela opressão colonialista portu­gue­sa. Liquidar, portanto, a opressão colonialista é arrancar as raízes de muitos desses defeitos. Com fé na profunda justeza das nossas razões e da nossa causa, com fé na vitória da luta das amplas massas populares de Angola, confian­tes na poderosa e irreprimível força da solidariedade de todos os povos africanos, contando com o apoio da invencível frente dos povos africanos e asiáticos contra o imperialis­mo, da qual participa mais de 80% da população do mundo, certos de que, no actual momento histó­rico da humanidade, é invencível todo o povo que lute, com unidade e coragem, pela sua liberdade e independên­cia, marchemos para o cami­nho do trabalho para nos organizar­mos e do combate pela libertação de Angola! Os europeus residentes em África que queiram contin­uar a viver neste continen­te, vendo respeitados os seus direitos justos, terão de man­ter, pelo menos, uma atitude de neutralidade favorável à luta dos povos africanos pela sua liberdade. Os trabalhadores europeus residentes em África devem lembrar-se de que os opressores das colónias formam, nas metrópo­les, as classes que os exploram. Devem lembrar-se que é com os enormes lucros arrancados da exploração dos povos coloniais que os explorado­res vêm tentando adiar e suster a sua luta contra eles. Com esses lucros enormes, as classes exploradoras metropoli­tanas não só criam e reforçam os meios de repressão e de investi­gação, como corrompem os dirigentes das massas, dividem as massas metro­politanas e fomentam o oportu­nismo entre os traba­lhadores. Os povos coloniais oprimidos e as massas trabalhadoras explo­radas das metrópo­les são aliadas [sic] naturais na luta comum contra os exploradores de ambos. Levante-se a bandeira da solidariedade internacional dos trabalhadores de todos os países! Seja vivifica­da e fortalecida a nossa justa e indestrutível frente mundial contra os exploradores das metrópoles e das colónias, nossos inimigos comuns. Lutemos pela coe­xistência e pela colaboração pacífica entre os povos! Povo angolano! Luta [pela] tua sagrada liberdade! Povo negro de Angola! Luta pela tua sobrevivência! Pela sobrevivência da raça negra que os colonialistas querem assassinar! Homens, Mulheres e Jovens de Angola! Lutai pela vossa liberdade! Por um futuro livre, feliz e progressivo para todos! Tudo pela criação, pelo fortalecimento e pela multiplicação por toda a Angola de organizações patrióticas! Viva a luta unida e invencível dos povos da África e da Ásia contra a opressão colonial e racial! Viva o invencível MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA!

Versão manuscrita por Viriato da Cruz do documento conhecido por «Manifesto do MPLA». Esta versão é uma primeira via e não tem título nem é datada.

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