«Missões católicas, missões protestantes» - artigo de Joaquim P. Andrade

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0002.000.018
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Impresso
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Papel comum
Autor
Joaquim Pinto de Andrade
Data
Idioma
Conservação
Razoável
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6
Acesso
Público
«Missões católicas, missões protestantes» - artigo de Joaquim P. Andrade Missões Católicas Missões Protestantes Segundo a letra da Carta Orgânica do Ultramar lutar. Português (artigo 248º) as Missões Católicas Portuguesas do Ultramar são consideradas instrumentos de civilização e influência nacional, e os estabelecimentos de formação do pessoal para os serviços delas serão protegidos e auxiliados pelo Estado como Instituição de Ensino. Igual princípio encontramos fixado no artigo 2º do Estatuto Missionário, aprovado por Decreto-Lei nº 31:207, de 4 de Abril de 1941. Há assim, que encarar essas beneméritas Instituições sobre dois aspectos: a. Religioso; b. Civilizador. Deixemos a parte religiosa entregue à Igreja e aos seus Prelados, e ocupemo-nos somente do aspecto civilizador no intuito de demonstrar se lhes é ou não devida maior assistência monetária. Como elementos de ensino que são, e tendo recebido da Nação a incumbência de trazer para a civilização as populações indígenas, carecem elas de estar convenientemente apetrechadas em pessoal e material para bem se desempenharem da sua nobre e benemérita função. Ao contrário do que sucede na França, Bélgica, Holanda e Estados Unidos da América do Norte, cujas populações generosamente subsidiam os seus missionários, não está na tradição portuguesa prover, individualmente, às necessidades das Missões, embora todos nós, gregos e troianos, nos capacitemos da sua utilidade. Tem, pois, o Estado de suprir, pelos seus orçamentos, a falta de dotações particulares. É o que tem feito desde há muito. Mas, o auxílio da Fazenda Pública, por insuficiência orçamentais, não tem sido tanto quanto seria de desejar para se puderem colocar as nossas estações missionárias em condições de ombrearem com as Missões protestantes, em regra bem instaladas e dispondo de enormes financeiros e de bom e numeroso pessoal. E quando se estabelece uma comparação entre as Missões Católicas e um Departamento Público do Estado de função mais ou menos idêntica, os Serviços de Instrução Pública, logo se patenteiam as grandes dificuldades, com que elas deverão lutar. Pelo orçamento do ano económico de 1931-1932, as Missões recebiam do estado a quantia total de 3.507.095,00. No actual ano, as dotações inscritas a seu favor elevam-se a cerca de 18 mil contos, isto é, tiveram um aumento de 14.500 contos, em vinte e três anos. No mesmo período, os Serviços de Instrução Pública, que em 1931-1932 gastavam 1.892.200,00, receberam um acréscimo de dotações no montante de 18.707.800,00, pois actualmente se depende com elas a importância total de 20 mil contos. As Missões Católicas, como já acima se disse, têm a seu cargo a civilização das populações incultas; a instrução dos habitantes europeus e assimilados está confiada aos Serviços de Instrução Pública. Como, segundo o Censo Geral da População de Angola, realizado em 1950, a população civilizada desta Província Ultramarina é de cerca de 136 mil indivíduos são de 147,00 por pessoa, ao passo que com cada indígena se não chega a gastar cinco angolares por ano. Efectivamente, os 18 mil contos, das dotações das Missões, correspondem a um encargo de 4,50 por cada um dos 4.000.000 habitantes indígenas. Confessemos que irrisória é a dotação de 5 angolares por cabeça. Esta é a razão porque as Missões Católicas ainda não atingiram o grau de desenvolvimento que, o governo e particulares, desejamos que alcancem. As Missões protestantes, pelo contrário, dia a dia, alargam o âmbito da sua ocupação. Têm os seus estabelecimentos bem apetrechados, com hospitais, enfermarias e escolas. E a para do pessoal missionário, dispõem de um número razoável de auxiliares nativos bem preparados, muitos dos quais com habilitações de ensino secundário. Inversamente, as Missões Católicas lutam com a falta de pessoal, e para suprirem, em parte, essa insuficiência de missionários, lançaram mão de uma legião de catequistas indígenas, a quem se ministrou uma rudimentar instrução religiosa e literária, Não tendo, assim, assimilado suficientemente nem a civilização europeia, de que são agentes entre os seus compatriotas indígenas, nem os próprios princípios da religião católica, que têm de difundir, a sua acção é, em alguns casos, contraproducente, sobretudo quando estejam colocados lado a lado com as catequistas protestantes, quase mais bem preparados do que eles, e regularmente remunerados. Para preencher esta lacuna das Missões Católicas, indispensável se torna que elas preparem melhor os seus catequistas, e lhes garantam um mínimo de remuneração razoável, o que actualmente não acontece. É certo que, por louvável iniciativa do antigo Ministro do Ultramar, Senhor Capitão Teófilo Duarte, funcionam, desde 1949, em vários Hospitais da Província Cursos de Enfermeiros Catequistas que já habilitarem umas três centenas de alunos, que estão sendo remunerados por verbas do orçamento geral da Província; e uma Escola para professores de Ensino Rudimentar, no Cuima, na qual já foram diplomados, até 1953, cerca de oitenta professores, trinta dos quais recebem vencimentos por verba especialmente inscrita no orçamento das Missões. Que isto, porém, para a enorme área a servir e a multidão de indígenas que ansiosamente aguarda os benefícios da civilização e das luzes do Evangelho? Torna-se, pois, preciso intensificar a formação tanto de professores como dos enfermeiros catequistas, fundando-se mais três ou quatro Escolas para preparação de professores de ensino rudimentar e ampliando-se a frequência dos Cursos de Enfermagem. Mas, para tal se conseguir, não basta a boa vontade dos respectivos Prelados que é inexcedível, nem o zelo apostólico dos missionários, embora saibamos ser grande. As Missões carecem de mais dinheiro para modificar esta delicada situação, que dia a dia tende a comprometê-las perante o público, que mal se apercebe das suas grandes dificuldades. Se generosamente não enveredarmos para esse caminho, franqueando-lhes os imprescindíveis meios de trabalho, dentro de pouco tempo teremos esta grande Província, de uma Nação essencialmente católica, transformada em um autêntico feudo de protestantismo. O panorama religioso que Angola hoje nos apresenta já não é de molde a deixar-nos indiferentes. Se, a nossa posição actual ainda é vantajosa, dentro de poucos anos ela pode modificar-se, e passarmos a uma situação de inferioridade em nossa própria casa, se continuarmos a trabalhar lentamente e a não conjurarmos as dificuldades financeiras contra as quais frequentemente esbarram as Missões Católicas, tolhendo-lhe os passos. Quem tenha acompanhado de perto a actividade tanto das nossas Missões como das Missões como das Missões protestantes, facilmente reconhecerá as dificuldades com que devem lutar os Prelados das Dioceses angolanas para manterem os serviços missionários. Terminada a segunda grande guerra, as Instituições protestantes que por um pouco haviam afrouxando a sua actividade voltaram a lançar-se na luta de evangelização, mobilizando todos os recursos de dinheiro e pessoal de que se dispõem. À frente deste movimento de protestantismo encontram-se, como sempre, os Estados Unidos da América, conforme a imprensa da Metrópole por várias vezes se tem referido. A nossa política deve, portanto, ser de nos adiantarmos aos protestantes, termos a primazia da iniciativa. Essa tática não é de desprezar como vamos ver. Durante algum tempo tive eu um criado protestante. Um dia perguntei-lhe porque sendo ele súbdito português se fizera protestante. O pobre rapaz não soube desde logo responder-me; mostrou-se embaraçado porque, como verifiquei, não sabia o que era ser protestante. Repeti, pois, a pergunta, substituindo o vocábulo protestante, que desconhecia, por um termo seu familiar: Porque foste para a Missão americana tantas Missões Católicas? Desta vez, o rapazito, sem hesitar im momento sequer respondeu-me: Patrão, foi a primeira que conheci. Este facto não é esporádico, mas vulgaríssimo. Milhares e milhares de indígenas angolanos fizeram-se protestantes porque primeiro que o missionário católico o protestante chegou ao seu povoado; disse-lhes umas palavras cativantes; curou-lhes uma ferida; orientou-os na vida e ensinou-lhes as primeiras letras. O resto veio por acréscimo. Quando o missionário católico ali chegou, encontrou homens já ligados aos protestantes pelo sentimento de gratidão. Era, humanamente falando, tarde para os catequisar. Será difícil desviar os indígenas de Angola da influência dos missionários protestantes? Não é: basta que não faltemos às Missões Católicas com os recursos indispensáveis, e as coloquemos em condições de serem sempre os primeiros a chegar às aldeias indígenas. No dia, em que as dotarmos com 50 ou 60 mil contos e possam ter o triplo da pressão, de que actualmente dispõem, teremos eliminado a concorrência das outras Missões, porque está averiguado que os indígenas de Angola apenas se deixam cantar pelos agentes lutherianos quando os missionários católicos lhes não aparecem a pregar o Evangelho e a difundir-lhes a civilização europeia. Claro, é que, nas condições presentes das nossas possibilidades financeiras, tão elevada cifra não poderá ser dada às Missões de um ano para outro, nem é essa, certamente, a pretensão dos Ilustres Prelados das Dioceses angolanas. Conhecedores da nossa situação financeira, e o tendo, como poucos, o sentido das realidades, eles devem, pelo contrário, desejar que as dotações das Missões sejam aumentadas gradualmente para lhes permitir a execução de um plano de expansão missionário cada vez mais intenso, como exigem o bem das almas e os interesses nacionais. Ao ler-se o que fica escrito, não faltará, talvez, quem julgue que o autor destas linhas procura sob todos os aspectos combater a actividade das Missões protestantes. Entendemo-nos e coloquemos as coisas na sua devida posição. Como católico desejo sinceramente, primeiro e acima de tudo, que as Missões Católicas se difundam e prosperem cada vez mais em toda a África, e sejam elas a levar o Evangelho de Cristo a todos os recantos deste Continente. Mas, como angolano, não poderei nunca deixar de reconhecer, sem injustiça, que as Missões protestantes têm prestado às populações indígenas da minha Terra grandes e prestimosos serviços no campo educacional, na esfera social e no sector sanitário, instruindo e educando-as, assistindo-as nas suas necessidades e tratando-as carinhosamente nas suas enfermidades. Calar estas verdades, mais do que ingratidão seria ignominia. Por nada deste mundo a praticaria. San-Paulo de Assunção de Luanda, 5 de Abril de 1954.

Provas de tipografia para «O Apostolado», com um artigo de Joaquim Pinto de Andrade «Missões católicas, missões protestantes»

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