Discurso de Agostinho Neto, que devia ser lido na Comissão de Conciliação

Cota
0052.000.063
Tipologia
Discurso
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Autor
Agostinho Neto - Presidente da FDLA
Data
Junho de 1963
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
12
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

[original manuscrita]1 [Nota acrescentada à mão por L. Lara no duplicado policopiado em francês: Não apresentado. Questão de procédure [procedimento formal]] Senhor Presidente Senhores Membros do Comité de Conciliação Caros Compatriotas; É com a maior alegria que saúdo os dignos representantes dos Países membros deste comité, vindo de Dar-es-Salam e emanado do Comité dos Nove. É com a maior alegria também que encontro esta possibilidade de discutir com os representantes da FNLA os problemas relativos à nossa colaboração na luta contra o colonialismo português. Estamos conscientes de que o problema de Angola é o problema crucial da África, e é também o problema crucial das colónias portuguesas. Estamos também conscientes de que para o nosso Povo – o povo Angolano – o momento que passa é duma importância primordial para a nossa sobrevivência e para a conquista da liberdade a que tanto ansiamos. O momento é de Unidade. Todo o nosso Povo angolano, todos os povos africanos não se cansam de nos falar de Unidade. É preciso que nós os angolanos, esqueçamos as divergências que nos dividiram até aqui e nos unamos nas mesmas fileiras de luta contra o colonialismo português. Porque a unidade é condição da nossa vitória, nós estamos condenados a unir-nos. Quando falei perante o Comité dos Nove em Dar-es-Salam, falei-lhes na qualidade de Presidente do MPLA, embora estivesse também presente no Tanganika, o Presidente do MNA. Hoje, a situação evoluiu de tal modo que lhes estou falando em nome do FDLA. Com efeito, desde há pouco mais de dois meses, antes da Conferência de Addis Abeba, nós realizámos negociações com várias organizações nacionalistas angolanas, no sentido de nos reunirmos numa só frente de luta. Foram aprovados por todas as organizações os princípios seguintes2: 1 – Liquidação definitiva, por todos os meios, do colonialismo português em Angola. 2 – Consolidação da Independência Nacional, pela prática de uma política de não-alinhamento. 3 – Luta contra o neocolonialismo sob todas as suas formas. 4 – Instauração em Angola de um regime democrático, em que os Direitos Fundamentais do Homem serão garantidos. 5 – Admissão na Frente de todas as organizações que o quiserem fazer, depois de discussão no mesmo pé de igualdade. 6 – Intensificação da luta tanto armada como diplomática. 7 – Formação de um Conselho Político que deve aprovar todas as opiniões emitidas em nome da Frente. 8 – Formação de um só Exército de Libertação colocado sob um só Comando [Militar]. 9 – Formação de uma só organização para a assistência social e para a educação de massas. 10 – Condenação da luta fratricida e de todas as manifestações de tribalismo, de regionalismo e de intolerância racial e religiosa. 11 – Desenvolvimento do espírito de fraternidade e de entreajuda, entre os angolanos de todas as classes sociais. 12 – Defesa constante da Unidade Nacional e da Integridade Territorial do País. 13 – Engajamento solene e activo na realização da Unidade Africana, no ­espírito da Carta de Addis Abeba. 14 – Respeito pela personalidade de cada organização aderente à Frente. Em 8 de Julho presente, foi assinada a convenção constitutiva do FDLA. As ­organizações membros desse Front são o MDIA, o MNA, o MPLA e o NGWIZAKO e a UNTA. Dentro em breve, outras organizações se encontrarão no Front. É certo que uma reunião convocada em Brazzaville pelo Presidente Youlou Fulbert, catalizou os ânimos daqueles que já se empenhavam na realização do Front, mas não foi essa a causa determinante. É certo que a Conferência de Addis Abeba, aconselhando a Unidade e condicionando a ajuda à Unidade, catalizou os factos, mas não é essa a causa determinante. A causa determinante da nossa União é o nosso convencimento de que só na Unidade poderemos conquistar a Independência do nosso País. Muitos há que nos têm aconselhado a unir-nos para a luta, mas ressalvando que após a Independência, nós poderemos resolver os nossos diferendos, isto é: poderemos dividir-nos de novo e lutar entre nós. Poderíamos mesmo eliminar-nos uns aos outros. Não é nesse espírito que o FDLA congrega os meus compatriotas. O FDLA trabalha na esperança de, dentro da mesma organização de luta, podermos auxiliar-nos uns aos outros a vencer as deficiências e fraquezas; podemos colectivamente encontrar a linha justa de conduta. Temos conseguido alguns resultados satisfatórios e assim, alguns mal-entendidos compreensíveis não são senão um reflexo da situação actual do nacionalismo angolano. Por exemplo, em relação ao MPLA, disse-se aqui que existia um Comité Director provisório, presidido por Viriato da Cruz. Os factos são os seguintes: V da C foi secretário-geral do MPLA desde 1960 até Maio de 1962. Na Conferência Nacional do MPLA realizada em Dezembro desse ano, as eleições procedidas por representantes da organização vindos de todas as secções, afastaram-no a ele e a outros membros do CD. A direcção a que presido foi eleita. V. da C. não se conforma com ser militante de qualquer organização sem que esteja no seu organismo dirigente. As condições particulares da nossa vida no Congo, favoreceram o incitamento por ele feito e por nós tolerado, de revolta contra os dirigentes do Movimento. Teve auxílios externos, daqueles que estão sempre dispostos a dividir para reinar. Em 5 de Julho presente, reuniu em Assembleia Secreta com alguns militantes. A essa Assembleia não participaram os membros do CD actual e até foram expulsos alguns militantes que não pertenciam ao complot. É com base nessa pretensa assembleia que V. da C. quer reivindicar a direcção do MPLA. Evidente[mente] foi expulso com os outros elementos F.F.F. [que o apoiavam, os Srs. Matias Miguéis, José Domingos e José Miguel]3. Em 7 de Julho, quando se realizava uma reunião do nosso movimento, V. da C. e o seu grupo tentaram um golpe de força ao que parece com o fim de ocupar as instalações do nosso Movimento. Repelido de manhã pelos militantes presentes não sem ter causado pelo menos dois feridos, V. da C. enviou o seu grupo ao lar de militantes de Binza tendo conseguido prender alguns dirigentes que ficaram durante toda a noite amarrados, depois de barbaramente espancados. Não tivemos outro remédio senão entregá-los à gendarmerie, tendo sido preso. Devo referir que V.C. resistiu a tiro à intervenção da polícia. O seu caso está agora a ser examinado pelo Tribunal competente. É este pseudo Comité Director a que se faz referência neste Comité de Conciliação, de preferência à Direcção legalmente eleita. Apetece pensar que esse pseudo-CD foi forjado para servir aqui de argumento [?]contra o MPLA. Afirmo-vos, honorables [sic] membros do Comité de Conciliação, que não existe dissidência no MPLA. Não existe senão um grupo de antigos dirigentes que procuram apoios onde possível e com a maior incoerência possível, para realizar fins egoístas. O Comité Director do MPLA é aquele que foi eleito legalmente na I Conferência nacional, em Dezembro último. Quanto ao MDIA e NGWIZAKO, considerados colaboracionistas, devemos dizer que em ambas estas organizações houve uma separação dos membros que persistiam na política de não-violência, aliás do mesmo modo que o PDA durante certo tempo. A parte dessas organizações ligada ao FDLA, separou-se completamente daqueles que como o JP [Jean-Pierre] MBALA procuram ainda compromissos com o governo português. Não houve da parte do MPLA qualquer alteração na sua linha política, no respeitante à firmeza com que combate contra o colonialismo português. Houve sim, da parte de algumas organizações o reconhecimento de que a linha de conduta adoptada era a linha justa. De resto, os representantes dessas organizações aqui presentes, estão mais aptos a explicar o caso. Outras organizações se virão juntar ao FDLA. Temos tido conversações com organizações como a CUNA que não é senão uma parte dissidente da UPA. Na Conferência de Imprensa de 10 de Julho, nós afirmámos que: (je cite) 4“Esta Frente Democrática facilita a congregação dos nacionalistas angolanos, facilita a colaboração na luta contra o colonialismo português, facilita a organização das massas no interior e no exterior do nosso País. Esta Frente Democrática não se opõe a qualquer outra organização nacionalista. Pelo contrário, impõe-se a procura activa da união de todas as organizações patrióticas numa frente única. A Frente Democrática está disposta a negociar imediatamente e sem condições com as organizações nacionalistas constituídas a fim de chegar a um acordo. Mais concreta­mente, a Frente Democrática está pronta a negociar imediatamente e sem condições com a Frente Nacional de Libertação de Angola, constituída pela UPA/PDA, a fim de formar uma Frente única. Quanto ao Governo Revolucionário Angolano no Exílio, o seu reconhecimen­to pelo Governo Congolês permite pensar que este, depois da Histórica Con­ferência de Addis Abeba, o Governo deste País irmão quis conceder ao nacionalismo angolano um instru­mento útil para a aceleração da descolonização da África. Este Governo no exílio pode contribuir para resolver os problemas actuais da nossa luta. É desejável que a este Governo reconhecido pelo Governo Congolês se confira a representatividade suficiente e necessária, para ser reconhecido por todos os Estados Africanos e principalmente para que possa impor-se aos olhos de todos os Angolanos. Queremos dizer que a integração de representantes da FDLA no seio do GRAE já formado é necessária. Queremos dizer ainda que a Frente Democrática está pronta a participar desse Governo”. (fim de citação). Esta é a nossa posição. Nós desejamos realmente a Unidade, encontrar a plataforma de entendimento com os outros partidos angolanos, nomeadamente com o FNLA. É hoje vulgar ouvir-se dizer que a luta em Angola não é senão a luta militar. É uma maneira errada de pôr o problema angolano. É falso que o problema de Angola seja somente um problema militar. É também e é essencialmente um problema ­político. Creio que nenhuma organização nacionalista põe de parte a negociação com o Governo português, se este reconhecer o nosso direito à Independência. A luta militar é um suporte valioso e o mais importante das nossas reivindicações políticas. Não podemos, portanto, menosprezar as forças e os factores políticos que se desenvolvem no nosso país. Cada organização nacionalista honestamente conduzida é uma força política que contribui para a libertação do nosso país. E creio que foi esse o critério que admitiu a própria UPA quando se associou num front com o PDA, organização que nessa altura não tinha nem vestígios de força militar, e ainda perfilhava a luta pacífica, a não-violência, como método de trabalho na nossa luta de libertação. Mas o MPLA que é uma importante força política e não menospreza a força política das outras organizações nacionalistas, é também uma força militar. A Argélia treinou nos seus campos, centenas de militares do nosso movimento. É bem conhecido que em Novembro de 1961 uma coluna de militares do MPLA perdeu a vida no interior de Angola. É bem conhecido que em Janeiro de 1963, se lutou em Cabinda, e as forças angolanas que aí participavam foram as do MPLA. É bem conhecido que em Abril de 1963 outra coluna do MPLA foi massacrada nas margens do Loge. Focos de resistência sob a bandeira do nosso movimento se encontram nas florestas ao norte de Luanda. As autoridades congolesas sabem bem que algumas colunas do MPLA foram presas sobre o território congolês por serem portadoras de armas... Os países que treinam os nossos militares e aqueles que nos fornecem armamento e equipamento militar, sabem bem que o MPLA possui uma força militar importante. Nós não convidámos os excelentíssimos membros do Comité a visitar qualquer base de treino. Não a possuímos, porque, conforme já expus em Dar-es-Salam, nunca nos foi permitido utilizar um campo de treinos, nem receber armamento, nem desempenhar actividade militar no Congo. Mas espero que o Comité não deixará de fazer o máximo esforço para que esta parte importante do nacionalismo angolano, tenha condições desejáveis para o ­desenvolvimento da luta. Espantam-me até certas declarações negando a existência do MPLA no interior. Em 1960, eu próprio era o Presidente da Direcção do MPLA no interior. No início desse ano já se preparava a acção directa que veio a concretizar-se em 4 de Fevereiro de 1961. Foi em consequência da minha actuação na organização clandestina do MPLA que fui preso em Luanda e transferido para Lisboa. Não admira que alguns nacionalistas hoje muito activos no exterior, não tivessem a coragem suficiente para agir no interior. É que a repressão lá dentro é bem dura. O MPLA é acusado de caluniar o Governo Provisório. Creio que o PDA, fez fortes acusações contra a UPA durante certo tempo, sem que isso constituísse empecilho à unidade com esta organização. Porque tanto acinte contra o MPLA, ao ponto de se vir falar aqui dum grupo expulso do movimento que nada representa senão no desejo e na imaginação dos que querem a nossa destruição? O FDLA encara com muita apreensão a posição tomada aqui pelo FNLA, posição que, por agora, não facilita a União. É nosso desejo encontrar a possibilidade de formar um organismo único de luta e cremos que o Governo congolês (porque é dono da casa), poderá, ao apresentar-nos a sua plataforma de Unidade, ajudar a resolver o problema maior na nossa luta. Esperamos que isso aconteça, pois, senhores Membros do Comité de Conciliação, não desejamos continuar desunidos e também não é de desejar que os nacionalistas angolanos refugiados no Congo para encontrar as condições de trabalho suficientes, sejam pura e simplesmente eliminados do campo de Luta em favor de alguns. Pensamos que a nossa responsabilidade não pode ser diminuída. Mas hoje vós ­participais dessa responsabilidade, por Angola e pela África inteira. 5Obrigado, Senhor Presidente... Agostinho Neto [com assinatura] – Presidente do FDLA [Nota de L. Lara: Devia ser lido a 17/7/63]

Alocução que devia ter sido lida por Agostinho Neto como presidente da FDLA, na Comissão de Conciliação da OUA (Comité dos Nove) entre os dias 25 e 28 de Junho, mas que acabou por não ser lida.

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