Relatório de trabalho do MPLA

Cota
0049.000.015
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Autor
Miranda Marcelino Domingos
Data
1963 (estimada)
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
3
Observações

Foi publicado no 3º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

 [Sem data – talvez Março 63] RELATÓRIO DO TRABALHO DO MPLA EXCELENTÍSSIMO SENHOR DR. AGOSTINHO NETO EXCELÊNCIA: Antes de mais nada não posso deixar de identificar-me através deste pequeno relatório. Chamo-me Miranda Marcelino Domingos, natural de Nambuangongo (Angola), secretário responsável da área de Mazumbo–Nambuangongo, sócio do partido do MPLA desde 1959. A área de Mazumbo é vasta e é, ao mesmo tempo composta de 10 aldeias, abrangendo 6500 habitantes, aproximadamente. Tais habitantes lutam com esperança de ver um dia Angola livre dos impostores e colonialistas portugueses. Desde 4 de Fevereiro de 1961, ano em que Angola renasceu, o angolano tem mostrado a sua bravura contra o seu inimigo colonialista português, fazendo todos os sacrifícios patrióticos, embora sem defesa. Temos admirado bastante o patriotismo que nós angolanos nas matas temos revelado na luta que travamos contra o citado colonialista português em Angola. Em 1961, abandonámos as aldeias, refugiando-se para os matagais pela falta de defesa para nos defender dos inimigos colonialistas portugueses. O inimigo retoma seu lugar de relevo e massacra frequentemente o angolano até a presente época. Os aviões (FPA) de bombardeamento assolam diariamente o inocente angolano nas matas. A tropa continua perseguindo o angolano nas matas, e levando consigo as cabeças dos angolanos, servindo as mesmas, de instrumentos musicais e ridículos aos acampamentos da milícia portuguesa. Os mesmos egoístas portugueses reclamam “Paz” através de panfletos que os seus aviões mensalmente lançam sobre as matas angolanas cumprindo, por assim dizer a Santa Escritura de Jeremias (8:11). Em todo o caso, porém o angolano persiste diariamente contra o português colonialista, dizendo: “as feras que uivam gritarão umas às outras nos seus palácios vazios; pois bem perto vem chegando o seu tempo e os seus dias não prolongarão” (Isaías, 13:22). Diariamente destilam lágrimas nos olhos dos destemidos angolanos, em memória dos que têm tombado na defesa da Pátria e dos que morrem pela falta de medicamentos e de assistências médicas. Os nossos actos de bravura, as provas de sacrifícios que o angolano manifesta nesta guerra mostram claramente que, com o auxílio de Omnipotente Deus venceremos. Pois temos a plena certeza de que a nossa Angola é vasta e valente, e é, ao mesmo tempo impossível ao português derrotá-la por lutarmos na causa justa e humana. A mortandade infantil tem sido o pão quotidiano para o angolano nas matas, não falando em nudez. Estamos perdendo diariamente rapazes e raparigas aproveitáveis, debaixo de chuvas torrenciais, levando, por conseguinte, uma vida selvagem, deplorável e primitiva. Em Fevereiro do corrente ano os colonialistas degolaram na minha aldeia, digo área, três angolanos a saber: Pascoal Meno, Julieta João Menehungo e Gomes João Menehungo, todos do Cage-Nambuangongo (Angola). Tais seres foram encontrados por nós, sem cabeças. Nos momentos sangrentos os nossos soldados, embora não trei­nados, têm mostrado grande valentia e bravura contra o português armado, com objectivo de defenderem os pais, os seus irmãos, etc. que estão escondidos nas matas. Os (aviões helicópteros) passam em qualquer lugar ou ponto dos refúgios angolanos, deixando numerosos soldados nas matas. Eu, Miranda Marcelino Domingos, responsável dos membros do MPLA na área de Mazombo, em Nambuangongo, vim humildemente traçar a V. Exª a grande necessidade daquela área cheia de coragem. Tal área em trabalho é composta dos seguintes povos: QUIPANGO, CAGE, QUIJOÃO, QUIMANOXI, QUINGONGA–FULA, QUIFUTA, QUIMANA, QUINGUIMBI, CUTO e MAQUEMBO. Temos travado combate com armas de fumo [sic], incendiando, às vezes, veículos portugueses. COMBATES: Aos 22 de Outubro de 1961, travámos um combate pelas 10h. de manhã. Vinha um comboio de 8 carros vindo de Cage a Muxaluando. Abrimos o fogo com 20 armas de fumo e duas armas de calibre (12) – ­caçadeiras; graças ao Criador conseguimos incendiar um carro e aproveitámos, digo apanhámos um branco vivo, que depois de alguns minu­tos foi morto por querer defender-se. Aos 20 de Dezembro do mesmo ano ainda tentámos de atacar ­os mesmos portugueses por quererem entrar nas matas. Atacámo-los li­quidando 12 soldados portugueses. Aos 10 de Janeiro do corrente ano, os portugueses em Nambuangongo tentam de fazer emboscadas, e são atacados pela nossa tropa fortemente. A pólvora, as munições de caçadeiras calibre 12 têm constituídos grande falta nos acampamentos dos nacionalistas angolanos que lutam pela liberdade. Semanalmente os soldados portugueses levam angolanos vivos nas matas, a fim destes indicarem os caminhos que vão às matas, e... Queira Sua Excelência permitir-me falar-lhe verbalmente solicitando a V. Ex.ª de tudo quanto Nambuangongo necessita, porque tenho a plena certeza de que os grandes líderes angolanos que lutam pela liberdade de Angola, com a sede em Léopoldville, irradiam uma luz que reflectem a nós nas matas em Nambuangongo (Angola). Desde 1961, ano em que o senhor João Gonçalves Benedito ausentou-se de mim, tenho exercido todas as funções que ele exercia e tenho servido de angariador de membros do nosso querido e exemplar partido de MPLA. Vim acompanhado do meu enfermeiro da área juntamente alguma gente a fim de levar pólvora para combates. Queira Sua Excelência considerar-nos de combatentes do MPLA embora vivendo nas matas. Pretendo levar um documento importante a fim do povo compreender o nosso partido. Termino, saudando solenemente Sua Excelência com um ar de superioridade merecida. Miranda Marcelino Domingos Secretário responsável em Nambuangongo (Angola) anexo: Partido de lá no dia 1/3/963 – e neste mesmo dia os aviões portugueses aleijaram duas crianças da minha área. Ao chegar na fronteira Angola-Congo, escapei ser morto pelos portugueses no dia 16/3/1963. Graças ao Criador e Redentor fiquei salvo depois de três dias perdido pela mata fora sem alimento. O meu povo de Nambuangongo é composto de 68 aldeias quer dizer, Nambuangongo total. Todos esses lutam e encontram-se nas matas. A referida área precisa, aproximadamente, dos seguintes géneros para se defender dos inimigos portugueses: 1) – 35 latas de (1 kg) de pólvora 2) – 200 balas de caçadeiras, calibre 12 3) – 200 “ “ “ “ 16 4) – 150 “ “ 375 5) – 6 pistolas de mão c/200 balas 6) – 1 rádio de 6 pilhas 7) – 1 relógio de pulso para o escutador da rádio 8) – 1 livro para inscrição dos membros 9) – 1 caneta de tinta permanente 10) – 2 frascos de tinta 11) – 2000 lâminas 12) – Fazenda para vestuário das mulheres 13) – Fósforos para combater 14) – Uma pasta de Arquivo. O secretário responsável Miranda Marcelino Domingos Nambuangongo (Angola) AN/A

Relatório de trabalho do MPLA, assinado por Miranda Marcelino Domingos (Nambuangongo)

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