Comunicado do MPLA com exposições de A. Neto

Cota
0020.000.011
Tipologia
Comunicado
Impressão
Policopiado
Suporte
Papel comum
Autor
MPLA - Movimento Popular de Libertação de Angola
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
8
Observações

Foi publicado no 2º volume de «Um amplo movimento…»

Acesso
Público

COMUNICADO [Sem data – depois de 15 de Abril de 1961] Aos militantes do MPLA e aos patriotas angolanos, comunica-se o texto, abaixo transcrito, que é uma exposição dirigida ao Ministro do Ultramar português pelo líder do MPLA, Dr. AGOSTINHO NETO. O Comité Director do MPLA chama a atenção de todos os militantes para as ­principais posições tomadas, nessas exposições, pelo nosso companheiro de luta. O Dr. AGOSTINHO NETO: a) Denuncia o comportamento arbitrário e revoltante da PIDE, sob a cumplicidade das autoridades portuguesas; b) Exalta as suas honrosas responsabilidades de combatente pela causa da libertação do seu povo; c) Desmascara as manobras que o governo português utilizou para tentar fazê-lo perder a confiança do povo angolano e tentar servir à propaganda caluniosa e hipócrita do colonia­lismo português; d) Denuncia ter sido obrigado, contra a sua vontade, a aceitar o posto de Delegado de Saúde; e) Informa as forças nacionalistas angolanas que o povo de Cabo Verde continua a simpatizar com a luta do povo de Angola e a apoiá-la; f) Reafirma, corajosamente, na face dos colonia­listas, que nem a repressão nem a depor­tação, serão capazes de parar a luta do povo angolano por uma Angola livre, independente e democrática; g) Manifesta um exemplar moral de combate e prossegue a luta em todas as condições, de acordo com a corajosa determinação do indomável povo angolano. O Comité Director do MPLA renova a sua solidariedade activa para com o Dr. AGOSTINHO NETO e lembra a todos os militantes que a melhor forma de todos contribu­irmos para a libertação do nosso compatriota consiste em levar para frente a luta popular pela independência imediata e completa de Angola e contra o colonialismo português. * * * * * Ponta do Sol, 30 de Novembro de 1960 Ex.mo Senhor MINISTRO DO ULTRAMAR LISBOA Excelência: ANTÓNIO AGOSTINHO NETO, médico, casado, natural de Icolo e Bengo, Angola, preso em Luanda pela PIDE, no dia 8 de Junho do ano corrente, sob a acusação de “actividades subversivas contra a segurança exterior do Estado” e transferido para a cadeia do Aljube de Lisboa, onde deu entrada em 8 de Agosto do mesmo ano e depois deportado para a Ilha de Santo Antão, aonde chegou em 19 de Outubro do mesmo ano, acompanhado de sua esposa e de seu filho de tenra idade. “Por inadiável urgência de serviço público”, foi nomeado médico de segunda classe, interino, do Quadro de Saúde de Cabo Verde, colocado como Delegado de Saúde da Villa de Maria Pia, com um vencimento mensal de 5.400$00 Escudos Caboverdianos, mais uma gratificação de 600$00 Escudos caboverdianos pela Direcção da Leprosaria da Sinagoga nesta ilha, além da casa de habitação na Delegacia de Saúde, em parte mobilada. Contra a sua vontade, o signatário teve de aceitar o cargo para que foi nomeado, a fim de poder garantir o mínimo indispensável à manutenção de sua família, uma vez que é impossível subsistir aqui apenas com o rendimento da clínica livre, porque a população é paupérrima. No entanto, depois de cinco meses de inactividade e sem proventos, obrigado a fechar o seu consultório em Luanda, por motivo da sua prisão, foi obrigado a dispensar a quantia de DOIS MIL E CINCO ESCUDOS, durante a deslocação para a Ilha de Santo Antão e enquanto não assumia funções remuneradas. Assim: No Hotel do Atlântico, na Ilha do Sal................ 571$50 Na pensão Chave d’Ouro, em S. Vicente........... 178$00 Na Pousada Municipal desta Vila....................... 2034$00 Pelo transporte de bagagens, etc. ....................... 111$50 ------------ 2885$00 (Junto recibos comprovativos) Porque atingida esta situação, o signatário não considera o seu problema resolvido, vem novamente perante a V. Excelência solicitar que urgentemente seja dada uma solução satisfatória, libertando-o das peias policiais que o fixam nesta ilha. Nesse sentido telegrafou a V. Excelência em 22 de Outubro findo e o seu advogado requereu em inícios do mês corrente, solicitando a transferência para Angola ou a concessão de um passaporte para sair, com a sua família, para o estrangeiro. V. Excelência respondeu ao signatário por intermédio do Administrador do Concelho local, que verbalmente lhe deu a conhecer determinações policiais proibindo-o de mudar de residência, a obrigato­riedade de se apresentar ao referido Administrador no dia 1 de cada mês, a proibição de participar em manifestações ou movimentos de carácter político, etc. Deu-lhe ainda a conhecer o referido funcionário a recomendação de V. Excelência para que o signatário se abstivesse de se manifestar no que respeita a sua situação pois, na opinião de V. Excelência, foi tratado com muita “condescendência”... Porém, não existe um despacho publicado no Diário do Governo fixando- -lhe a residência nesta ilha e limitando o tempo durante o qual esta pena tem de ser cumprida, como seria normal, e para evitar que o signatário ficasse como está, sujeito completamente ao arbítrio da PIDE. Outrossim, não existe uma garantia de emprego por longo tempo, uma vez que o interinato assegura o lugar apenas por um ano. O desejo de voltar a reunir-se à sua família e a gozar de completa liberdade, para exercer livremente a sua profissão fora dos quadros de saúde dos Serviços de Saúde cuja organização e cujos lugares não o aliciam, por motivos que não interessa expor, são razões que se somam à apreensão com que vê a maneira como o seu caso foi encarado. Por outro lado, o signatário considera que em nada contribui para o esclarecimento político do problema de Angola, o afastamento da sua terra, nem a sistemática repressão violenta contra aqueles que duma maneira ou doutra se manifestam pela resolução dos problemas que cada vez mais agudamente se levantam entre a população angolana, com reflexo em todo o mundo. O carinho e a simpatia com que o signatário e sua esposa têm sido recebidos aqui, em todas as camadas da população, a ajuda material e moral que têm recebido, são provas insofismáveis de que seu problema não é só sentido em Angola e na Metrópole e noutras partes do mundo, mas ele toca o coração de todas as pessoas sensíveis. É de ressaltar o contraste com a brutalidade com que foram tratados no aeroporto de Lisboa pelos agentes da PIDE que não só pretenderam impedir que se despedissem dos seus familiares e conhe­ci­dos, como ainda procederam contra estes. Entre palavras e atitudes grosseiras dos agentes da PIDE, a manifestação afectuosa dos Africanos no aeroporto, foi para o signatário e para a sua família, uma deliciosa consolação pela sua coragem, pela sua humanidade. A liberdade completa é a aspiração actual do signatário e de sua esposa, que desejam viver uma vida digna e sem sujeição aos conhecidos arbítrios da organização policial, como acontece na pseudo-liber­dade a que estão remetidos. Por isso, pedindo a V. Excelência a melhor atenção, vem solicitar que se permita o imediato regresso a Angola, ou a sua saída para o estrangeiro. Respeitosamente, As). AGOSTINHO NETO * * * * * SEGUNDA EXPOSIÇÃO Ponta do Sol, 18 de Janeiro de 1961 SENHOR MINISTRO DO ULTRAMAR EXCELÊNCIA: Após cerca de três meses de desterro nesta ilha, na companhia de minha esposa e de um filho menor, continua a verificar-se uma situação anómala embora as grades da cadeia tenham sido substituídas pelas águas do mar que nos cercam. Por esta razão, acrescida do facto de não ter recebido a resposta à minha carta do mês passado dirigida a V. Excelência, novamente endereço esta petição, pensando que terão cessado as causas da minha deportação; mas se o objectivo do Governo é afastar- -me dos meus parentes, dos meus amigos e dos meus conterrâneos, em Angola e na Metrópole, não se oporá a que eu e a minha família nos exilemos no estrangeiro, para ali viver com dignidade e liberdade. De facto, sem uma determinação legal publicamente conhecida, que me fixasse residência nesta ilha, sem um limite de tempo para o castigo que me está a ser infligido, não descortino o objectivo de tal pena. O Governo resolveu libertar-me, após ter-me mantido na cadeia de 8 de Junho a 15 de Outubro de 1960, sem me fazer condenar pelos Tribunais de Angola, às pesadas penas a que foram sujeitos outros angolanos acusados de actividades semelhan­tes àquelas pelas quais eu fui preso (3 a 10 anos de prisão maior e medidas de segurança), penas de que não há memória nos tribunais plenários portugueses. Resolveu o Governo conceder-me o lugar de Delegado de Saúde desta ilha, com o vencimento de 6.000$00 mensais. Estes factos contêm uma aparente benevolência. Mas também resolveu impedir o regresso à minha terra, Angola, ou a saída para o estrangeiro onde poderia viver sem a vigilância policial, sempre antipática, sejam quais forem os seus agentes, discreta ou descarada, em cadeia fechada ou em ilha aberta. Resolveu ainda manter-me sob controlo, com todas as consequências que daí derivam: cartas e jornais que nunca nos chegam às mãos, proibições, obrigações vexatórias, etc. Não julgará com certeza o Governo que, ao sujeitar-me a certas pressões, físicas, morais e económicas, possa eu vir a modificar a minha maneira de pensar. Esta maneira de pensar tem por base os problemas em que se debate o povo da minha terra, povo que eu desejo ver feliz, e não pode modificar-se sob as pressões contra mim exercidas. Nada pode fazer que eu deixe de pensar que existe um problema de Angola, problema que exige uma solução e acerca do qual eu próprio daria uma opinião, se o Governo a quisesse e ela contribuísse para alguma coisa e desde que me encontrasse em plena liberdade. Tal problema de Angola, sentido pelo povo da minha terra, sentido largamente nas reuniões da Assembleia-Geral da ONU e em outras reuniões internacionais, conhecido em todo o mundo, não pode pôr-se tão esquematica­mente como tem sido feito pelos organismos portugueses que têm permissão para emitir opiniões, embora seja de fundamento simples. É em virtude desse problema que fui deportado, assim como o Reverendo Joaquim Pinto de Andrade, para a Ilha do Príncipe; é porque ele existe que centenas de angolanos se encontram nas cadeias de Angola. Perante estas tristes realidades, quando um dos meus irmãos, Dionísio da Silva Neto, é preso pela PIDE, em 5 de Dezembro de 1960, em Luanda, quando a repressão toca os meus parentes, amigos e conterrâneos, além de a mim próprio e ouço, como ao Subdirector da PIDE de Luanda, dizer rancorosamente que “se houver uma indepen­dência, será uma independência de brancos, como aconteceu no Brasil!” (sic), não posso deixar de continuar a pensar no melhoramento das condições de vida do meu povo – condições da qual a política é a essencial. Quando o Subdirector da PIDE me chama “seu preto!” e em seguida pronuncia as palavras que acima registo, não posso deixar de pensar nas razões que consentem tais disparates em dias tão magníficos como os que hoje vive o mundo no capítulo das relações humanas. Pensando ter esclarecido este ponto, desejo concluir que, por desacordo com os princípios que o informam, não virei nunca a ser afecto ao Estado Novo Português. Por isso, uma vez que me foram abertas as portas da cadeia, ouso pedir uma revisão do meu caso, no sentido de ser reintegrado no seio da minha família, dos meus amigos e dos meus conterrâneos. Se a minha presença ali o Governo continua a considerá-la “altamente perigosa” pela amizade que poderá ser-me demonstrada, pelo carinho que os meus me dispensariam, pela solidariedade que os meus conterrâneos me ofereceriam – se o meu regresso a Angola não pode ser encarado pelas dificuldades internacionais e internas que hoje decorrem, peço a V. Excelência que me seja concedido um passaporte, para um país estrangeiro – a Argentina, por exemplo, onde com liberdade e dignidade, possa exercer a minha profissão, ganhando o suficiente para sustentar todas as pessoas da minha família. Em virtude da minha situação, minha Mãe, alguns dos meus irmãos e a minha sogra, respectivamente em Luanda e em Lisboa, vivem em condições precárias, sofrem sobretudo a angústia do afastamento dos seus filhos. A prisão do meu irmão Dionísio, representa mais um golpe cruel no coração da minha mãe (quantas mães angolanas não têm sofrido nos últimos tempos golpes idênticos). Por outro lado o lugar de Delegado de Saúde nesta ilha não me alicia e apenas o exerço por absoluta necessidade. As condições de vida que me foram outorgadas – baixo vencimento, impossibilidade de clínica particular, altíssimo custo de vida – não me garantem o mínimo indispensável à minha existência e das pessoas de minha família. Por isso a minha esposa, a minha sogra e o meu filho seguirão para Luanda a fim de se reunirem à minha Mãe. Peço a V. Excelência a boa atenção para os seguintes pedidos que formulo com esperança: 1.º Que seja permitido o meu regresso a Angola; 2.º Ou que me seja concedido um passaporte para o estrangeiro, para a Argentina, por exemplo; 3.º Ou que seja concedida passagem para a minha Sogra, Sra. Dona Maria Amélia da Silva Salgueiro, residente na Rua de S. João da Praça nº. 1–2º. Lisboa, para se deslocar à Ponta do Sol; 4º. e, neste caso, que posteriormente à minha esposa e à minha Sogra, sejam ­concedidas passagens para Luanda, onde irão viver com a minha Mãe. Espera deferimento Muito respeitosamente As). ANTÓNIO AGOSTINHO NETO * * * * * TERCEIRA EXPOSIÇÃO Ponta do Sol, 15 de Abril de 1961 SENHOR MINISTRO DO ULTRAMAR LISBOA EXCELÊNCIA: Embora V. Excelência não tenha ainda considerado necessário responder a nenhuma das cartas e um requerimento por mim remetidos, focando a minha situação de deportado político, pedindo a concessão de passaporte para a Argentina ou, ao menos as condições para o exercício de clínica livre, novamente me dirijo a V. Excelência numa altura em que para mim e para minha família, a vida nesta vila se vai tornando insuportável. Compreendo que o constante agravamento da situação em Angola, cujo problema não cessou ainda de piorar desde a minha prisão, ao contrário dos vaticínios da PIDE, faça temer na minha ida para a Argentina uma actividade e influência políticas que não tenho. Os factos têm demonstrado que o meu afastamento de junto do povo angolano não impediu, como era de prever, que ali se iniciassem os choques armados em proporção inesperada. Dos próprios factos há que concluir portanto, que o meu martírio, assim como o de milhares de outros angolanos, alguns mortos, outros sem ar nem luz nas cadeias da PIDE, o nosso martírio dizia, não salva Angola dos seus problemas políticos; pelo contrário, pode de certo modo agravá-los, pela inquietação e desespero suscitados em todos os sectores da vida da minha terra. A fixação de residência na Ponta do Sol (sem despacho publicado no Diário do Governo) tem sido revestida de um manto de benevolência que de facto não possui. O lugar de Delegado de Saúde que exerço, é de facto a única maneira de praticar a minha profissão, e não se lhe pode apontar uma alternativa. Nenhum só dos meus passos, das minhas palavras, dos meus actos, deixam de ser devidamente pesados, interpretados e comunicados. As muitas ordens secretas que têm chegado a meu respeito, são do conhecimento quase geral e até do meu. Mas o cínico da situação consiste na tentativa de nos isolar a mim e à minha família, por meios de pressões, de ameaças, de sanções políticas às pessoas cujo convívio nos seria possível. Alguns mais timoratos, têm medo de serem vistos em nossa companhia ou de virem à nossa residência. Assustam-se quando se verifica uma inevitabilidade de encontro. Os meus carcereiros desta prisão, têm tido o cuidado de directa ou indirectamente apavorar as pessoas que gostariam de conviver connosco, contando-lhes não sei que histórias acerca do meu tenebroso passado político, de ordens “rigorosíssimas” “vindas de cima”, e do perigo de serem assimilados à minha maneira de pensar, num ambiente em que todos devem apenas cumprir e não pensar. Assim a “benevolente” situação que nos foi criada a mim e à minha família, consiste em encarcerar-nos numa Delegacia de Saúde, onde estou SEMPRE de serviço por um vencimento ridículo, sem possibilidades de clínica particular e por ordens secretas limitar-nos o convívio social, fazendo ameaças veladas àqueles que por uma ou outra razão encontrem motivos para procurar o nosso convívio. A fictícia liberdade “­magnanimemente” outorgada, consiste em rodear-nos de espias, desde os criados, até os doentes. Desumana situação esta, em que o não estar na cadeia é considerado como grande benevolência! Estes factos acontecem, quando certos jornais da situação, como por exemplo o “ARAUTO” da Guiné, proclamam à boca cheia tal magnanimidade. Todo o ambiente criado à minha volta pelos zelosos carcereiros, determina que volte perante V. Excelência a fim de respeitosamente solicitar que, enquanto aguardo a possibilidade de regresso para Angola, e uma vez que a situação política portuguesa tende cada vez mais para o caos, me seja concedido passaporte para a Argentina. Para além dos efeitos políticos, julgo que esta solução estaria de acordo com a ­consciência de V. Excelência, pois seria uma maneira de cessar a opressão a UMA família que deseja viver a sua vida. Espero se digne dispensar-me a valiosa atenção de V. Excelência. Ansiosamente AGOSTINHO NETO

Comunicado aos militantes do MPLA com Compilação de 3 exposições de Agostinho Neto na Ponta do Sol (de 30-11-60; 30-01-61; 15-04-61)

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