Relatório de Lúcio Lara sobre a estadia no Ghana

Cota
0014.000.072
Tipologia
Relatório
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Autor
Lúcio Lara
Data
Agosto 1960
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
6
Acesso
Público

RELATORIO DA ESTADIA EM ACRRA

Chegado a Accra em 24/6 à noite, logo a 25 às 8h da manhã, procurei contactar os amigos do Zito. Nenhum responsável se encontrava lá, embora fosse esperado de um momento para o outro, e nesta espectativa aguardei durante cerca de 4h e meia que alguém viesse: (era sábado e à tarde estaria tudo fechado). Quando o Embaixador chegou, veio o Conselheiro ter comigo para saber o que pretendia. Disse-lhe que me levava ali uma questão importante que devia ser tratada com o Embaixador, ao que ele responder que lhe dissesse esquematicamente do que se tratava, pª ele ver se o embaixador me podia receber ainda naquele dia.
    Depois de o ter informado do facto ele ausentou-se e voltou dizendo que seria conveniente fazer uma breve exposição sobre o assunto e voltar segunda feira. Insisti que a questão era bastante urgente e que gostaria de falar com o Embaixador nesse mesmo dia, ao que ele me respondeu ser impossível naquele dia.
    Fiz pois uma breve carta ao Embaixador (doc. 1) e voltei lá 2ª feira 27/6. O referido Conselheiro recebeu a carta, acompanhada do cartão de apresentação e disse que iam tratar do assunto, mas que lhe parecia que não podia ser tão breve quanto eu desejava, dado que Zito devia andar em viagens e eles precisavam de contactar com ele antes de qualquer decisão. Pediu-me que voltasse no fim da semana a saber alguma coisa. De novo insisti na urgência que tinha em resolver a questão e na dificuldade material de uma prolongada estadia em Accra ao que ele próprio sugeriu o recurso ao African Affairs Centre.
    No dia 28 consegui contactar c/ o Barden que tinha regressado na véspera de Addis-Ababa e ficou assente que no dia seguinte iria para o African Affairs Centre. Nesse mesmo dia contactei com o C. Duodu, que me corrigiu a tradução que eu fiz da Declaração ao G.P. pª o inglês. Aproveitei o copiógrafo do B.A.A. e fiz umas cópias que enviei em apêndice à m/ carta de 2/7.
    Sucessivos e pouco afáveis contactos com a Embaixada punham a hipótese de uma ida breve cada vez mais remota, como a m/ carta de 2 do 7 e o m/ telegrama de 10/7 (anunciando o meu regresso) deixam ver.  O facto de ter recebido um telegrama do V. fez-me adiar o regresso e nessa base tentar novas démarches. De notar que o Conselheiro evitou sempre que eu estivesse com o Embaixador. Ficou espantado com a notícia que eu lhe dei de termos recebido notícias do Zito o que me fazia suspender o meu regresso e aguardar em Accra notícias. Deste facto dão conta o meu telegrama de 11 e das m/ cartas de 11 e 12/7 pª Cky.
    Entretanto tentei estabelecer contacto com a A-APC. Na ausência do Sec. Geral contactei o Sec. Administrativo (Addison). Do resultado da entrevista depreendi que o problema dos territórios sob dominação portuguesa muito pouco eram considerados naquele organismo. Ficou planeada uma acção com vista à Jornada de Solidariedade em Accra que começaria com a publicação de uma circular que seria seguida de uma Conferência de Presse em que os directores da AAPC explicariam o significado da data e pediriam uma ampla contribuição de todas as organizações. Tentariam ainda fazer com que o CPP e o TUC organizassem “a big rally” no dia 3. Como posteriormente constatámos, nada disso foi feito, salvo a difusão de um comunicado e a publicação de uma nota no próprio dia 3 talvez para poderem dizer que algo se fez.
    Arranjei também um ficheiro das organizações políticas africanas, de attachés de presse em Accra e de alguns jornais que enviei para Cky.
    Por outro lado, contactei com o Makiwane e com um grupo de Sul-africanos recentemente refugiados em Accra. Estavam a tratar de montar um Bureau em Accra. O Makiwane prometeu a sua colaboração no seio da AAPC para a jornada, mas nada poude fazer em virtude de se ter ausentado para Léo com Addison, em nome da AAPC. O mesmo Makiwane mostrou ter conhecimento da intenção de fazer uma conferência dos países sob dominação portuguesa, e mostrou-se interessado em assistir como observador. 
    Novas insistências com a Embaixada mostraram estar a questão no mesmo ponto-morto, pelo que disse ao Conselheiro que ia contactar o Cº directamente por telegrama, o que fiz por duas vezes, talvez um pouco antecipadamente, mas na convicção de que seria o único caminho capaz de vencer uma “barreira” que me parecia estar a ser levantada pelo tal Conselheiro. O texto desses telegramas consta dos doc. 2 e 3. Foram enviados respectivamente em 18 e 23/7.
    Como até ao dia 28 não veio resposta alguma e como neste dia tendo ido à Embaixada o Cons. me aconselhou a esperar em Cky uma resposta, resolvi aproveitar uma ligação via Freetown para regressar. À tarde, quando na Baixa me preparava pª fazer umas pequenas compras, encontrei o referido Conselheiro que me disse que o Emb. tinha muito interesse em falar comigo. Expliquei-lhe que tinha acabado de encontrar com muito custo lugar num avião que partia no dia seguinte às 7 e que só estava disposto a desmarcá-lo se “valesse realmente a pena”. Ele disse-me que sim e disse-me até que fosse à Embaixada às seis horas da tarde, pª ter uma entrevista com o Emb. Assim fiz, mas chegado à Embaixada não estava lá ninguém. O Cons. telefonou para o porteiro e pediu-lhe para me chamar ao telefone, informando-me (sem pedir desculpa…) de que não era possível o encontro àquela hora, mas que em face da importância da conversa me pedia para adiar a m/ partida no dia seguinte. (V. m/ carta de 28/7).
    Enfim, no dia 29/7 (um mês e uma semana depois de estar em Accra!) falei com o Emb. que se mostrou extraordinariamente afável e que disse só ter sabido há pouco tempo do m/ caso, deitando as culpas do sucedido para o Conselheiro que não o havia informado… Tivemos uma longa conversa em que a par da situação nos n/ países, do tipo de luta que desenvolvíamos, dos métodos que pretendemos utilizar, veio à baila, trazido pelo Emb., o assunto Gilmore. Como refiro na minha carta de 1/8 tentei esclarecer a situação em face dos elementos concretos que possuímos. Por exemplo, quanto à sua representatividade disse ao Emb. que ele era desconhecido em Luanda e noutros centros importantes de Angola, podendo porém dar-se o caso de ele ser conhecido no norte de Angola, dado o facto de ser natural de S. Salvador. Disse também pensar que a sua acção se exerceria sobretudo no Congo, onde ao que ele próprio dizia., vivia há muito tempo. Falei ainda nas tentativas de unidade por nós tentadas com ele e das suas inexplicáveis esquivas. Evitei porém fazer qualquer afirmação no ar. Após esta conversa, o Emb. garantiu-me que dentro de dias breves devia partir, estando apenas à espera de instrução “de ordem técnica”, o acordo da minha ida estando resolvido. Daí o meu telegrama pª Cky em 29/7.
    Quando no dia 28, conforme tinha ficado estabelecido com o Emb. telefonei para saber de algo, o Cons. que deu a impressão de ter ido falar com o Emb., telefonou dizendo que aquele considerava que era melhor eu esperar em Cky, a resposta… Em face de tal disparate so pensei que era ilógico e humilhante continuar a tratar com aquela Emb. pelo que desliguei o telefone e tratei do m/ regresso, que pôde felizmente ser no dia 3/8, data pª a qual há muito eu tinha marcado lugar. A marcação foi felizmente respeitada. Escrevi entretanto uma carta ao Emb. (Doc. 4)
    Em face do que exponho, proponho que este assunto seja cautelosamente discutido e que em relação a ele não deixemos de tomar as medidas que se impõem. Factos posteriores comprovam uma certa “má-fé” do aludido Conselheiro e convém que saibamos até que ponto a sua actuação é conhecida da pessoa com quem pretendíamos contactar. Sabe-se também que houve fugas quanto às conversações tidas na Embaixada e creio que se nos impõe apurar as responsabilidades e tomar medidas em consequência. Chamo a atenção para a GRAVIDADE DO CASO.

[Assinado:] Lúcio Lara

Relatório de Lúcio Lara sobre a estadia no Ghana (24-06 a 03-08 de 1960), com lista das despesas. Diz que anexa também cópia de 2 telegrams e 2 cartas ao embaixador, mas esses documentos não se encontram anexados.

A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.