Depoimento final prestado por Joaquim Pinto de Andrade na PIDE

Cota
0013.000.074
Tipologia
Declaração
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Autor
Joaquim Pinto de Andrade
Data
Idioma
Conservação
Razoável
Imagens
1
Acesso
Público

Depoimento final prestado na PIDE (ditado ipsis verbis para a acta), em Luanda, em 30/6/1960

    Sem ter dado a minha adesão formal a nenhum movimento ou partido político, não tenho deixado todavia de me interessar, na medida em que mo permitem o meu carácter e as minhas atividades sacerdotais, pelos anseios que os animam e pelos problemas que os preocupam. Na linha do melhor pensamento filosófico e teológico, na esteira da grande tradição cristã e dos ensinamentos dos últimos Papas (nomeadamente Leão XIII, Pio XI e João XXIII) e dos Bispos em comunhão com eles, considero o ansio à independência justo e razoável. Como ainda não há muito se exprimiam os Bispos do Alto Volta numa carta pastoral colectiva, "a independência está para um país como a liberdade para o indivíduo".
    Escusado será dizer que, por uma questão de temperamento, de educação e de formação religiosa, sou contra métodos violentos e fraudulentos. Creio que a língua foi dada aos homens para se entenderem, e que todas as divergências deviam ser resolvidas por métodos pacíficos e democráticos e através de negociações.
    Na minha qualidade de sacerdote, de africano e natural desta terra, tenho dos problemas que me preocupam este povo um conhecimento directo, diuturno e por assim dizer vivencial. E vivo-vos com a sensibilidade particularmente aguda de quem se sente deles solidário pelas vozes do sangue e pelas amarras da história. Problemas do ensino e da cultura, do trabalho e do salário, discriminações raciais, acesso à cidadania, participação na governação e tantos outros. As delongas na solução destes problemas causam-nos preocupações e descontentamentos. Os mais jovens e esclarecidos constatam com amargura que os meios legais e constitucionais lhes estão pràticamente vedados.. E ei-los desesperadamente embrenhados na luta clandestina. Ora, como dizia o Papa Pio XII numa das suas memoráveis rádio-mensagens natalícias "por errados que sejam os caminhos que por vezes se tenham seguido, qual homem, e sobretudo qual cristão e qual sacerdote, poderá ficar surdo ao grito que sobe das profundas, e que no mundo de um Deus justo  invoca justiça e espírito de fraternidade?"
    Claro está que um sacerdote, pelo seu carácter e pelas suas funções, deverá servir de elemento moderador e esclarecedor. Mas isso não significa nem o alheamento, nem a indiferênça. É ainda Pio XII quem disse que é preciso lutar e destruir esta mentalidade, hoje tanto em voga, que pretende confinar a presença e a acção da Igreja às quatro paredes frias de uma sacristia.
    Em resumo, julgo poder definir assim a minha posição no passado e para o futuro:
    Não sou nem, nunca fui membro de qualquer partido político, legal ou clandestino, nem pretendo sê-lo. Como sacerdote, que me preso ser, não me interessa nem me diz respeito a política como tal. Continuarei todavia atento e sensível a todas as preocupações e problemas dos homens, sejam eles quais forem. E se alguma vez o achar necessário, útil e oportuno, não terei dúvidas em apresentar às competentes instâncias superiores, quer eclesiásticas, quer civis, as reclamações que tiver por convenientes. Estou firmemente persuadido que, nas relações entre os indivíduos e entre os povos, os monólogos só podem ser prejudiciais. A necessidade do diálogo torna-se cada vez mais permente. E isto é colaborar. E, como dizia Saint-Exupéry, "seuls sont frères les hommes qui collaborent."

«Depoimento final prestado na PIDE (ditado ipsis verbis para a acta), em Luanda», de Joaquim Pinto de Andrade

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