Carta de Hugo Menezes a Lúcio Lara

Cota
0006.000.040
Tipologia
Correspondência
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
Remetente
Hugo de Menezes
Destinatário
Lúcio Lara
Locais
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
4
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Carta de Hugo de Menezes
[manuscrita]

Paris, 16/6/59
Meu caro

Eis-me em Paris, etapa do meu caminho para África. Não sei quantos dias aqui ficarei ainda. Caso queiras comunicar comigo, enquanto cá estiver, agradeço-te que te sirvas de dois envelopes, devendo o externo ser endereçado para: Ba Abdul, 47, Boulevard Jourdan, F.O.M., Paris 14e. Estou ao teu dispor para o que precisares. Certamente, escrever-te-ei da Guiné.
Agradeço-te as informações enviadas na carta datada de 3 de Junho. Quando tiveres oportunidade diz-me mais alguma coisa sobre os dois movimentos a que te referes, não esquecendo os seus pontos comuns e não comuns.
Quanto ao facto de sermos todos africanos... e relegarmos para mais tarde as questões doutrinárias... Como questão táctica acho teoricamente possível... Contudo parece-me difícil e artificial esta dissociação entre «africanidade» e condição humana...
Sabes se está a ser feito algum trabalho de preparação das populações de Angola e Moçambique que vivem nos territórios vizinhos, mas fronteiriços? Tais populações são numerosas; fisicamente, as mais válidas; são as mais esclarecidas; menos sujeitas a vigilância e controle; economicamente, menos fracas; constituem uma corrente imensa e permanente, nos dois sentidos. Convém acentuar que a vigilância das fronteiras se tornaria extraordinariamente onerosa para ter alguma eficácia, sempre limitada pela enorme dispersão das forças fascistas, pelo grande afastamento das bases, pelo desconhecimento do terreno quase virgem. Além das outras vantagens que, pelo menos em teoria, uma futura actuação aí nos poderia proporcionar, estaria aqui, em parte, uma origem de fundos, através de um imposto ou melhor (cuidado com as analogias) uma contribuição que estas populações nos poderiam dar. Não conheço o reverso da medalha, que, naturalmente, existe. Outras vantagens que, aparentemente, eu julgo entrever, seriam a nossa actividade em territórios mais livres que os nossos (uma maior liberdade de acção), etc. Estas populações, depois de preparadas, seriam de um valor extraordinário, não menos importante do que os que vivem do outro lado.
Outro processo de se arranjarem fundos: eu penso que a guerra em que nos vamos empenhar é uma guerra total, sem perdão e sem escrúpulos, porque é para nós uma questão de vida ou de morte, mais do que para qualquer outra colónia. Penso que não seria de todo, impossível, a introdução e difusão de notas «Fora de série» no sistema colonialista das nossas terras. Creio que uma emissão e difusão em massa, simultaneamente em Angola, Moçambique, Guiné e São Tomé, dar-nos-ia uma grande chance financeira, contribuiria para abalar o sistema e as estruturas inimigas, e, por outro lado, após a descoberta da fraude, que fatalmente ocorreria, criaria um certo ambiente de pânico financeiro e insegurança, útil sob todos os aspectos. Para o bom êxito desta «aventura», seria indispensável, ou, pelo menos, utilíssima, a conivência de alguns funcionários de fazenda e repartições públicas. Fácil igualmente seria a difusão de tais divisas entre as populações africanas pouco conhecedoras, inicialmente, das subtis diferenças porventura existentes entre as notas «verdadeiras» e «não verdadeiras». Os aspectos negativos que esta questão encerra (como o moral e os prejuízos materiais que estas populações sofreriam após a descoberta da «fraude» pelos fascistas) serão largamente cobertos pelos aspectos positivos da mesma.
Uma vez mais, perdoa todas estas minhas digressões fantásticas, e diz-me francamente o que pensas acerca da sua utilidade e possibilidade de realização.
Encontro-me, quase diariamente, com o Andrade [Mário de A.]. Temos abordado muitas questões, e pu-lo a par das minhas pretensões de querer trabalhar em conjunto, ou antes, no conjunto.
Vais a Viena?
A encomenda que me enviaste deve estar em Londres, nas mãos de um tipo absolutamente fixe. Ele a enviará para cá, imediatamente.
Aceita um abraço do
Hugo Menezes

Penso que deveríamos contactar muito seriamente com os movimentos do Congo Belga, Congo Francês, Rodésias, Tanganica e África do Sul; porque, na hipótese de aquelas minhas sugestões terem qualquer cabimento, é a partir daqueles movimentos que nós conseguiremos fazer o nosso. Inclusivamente, para irmos estudar o terreno, «in loco», nada temos, inclusivamente dinheiro para viagens. Se não contamos com a solidariedade de muitos, que de facto existe e se manifesta por algo mais do que um aperto de mão ou um abraço, penso que melhor seria «go home». Temos que encontrar fundos também na colónia guineense e cabo verdiana que vive na África Oc. Francesa, e temos que interessá-la pelo movimento. Esta colónia é numerosa, e o seu nível económico muito bom. Isto são coisas positivas.
Eu procurarei encontrar africanos das nossas terras, que poderão ajudar-nos com uns contos. Mas precisamos de transformar estas contribuições e dádivas num movimento sério, geral, para que a Invasão de Angola e Moçambique seja uma realidade...

Carta de Hugo Menezes (Paris) a Lúcio Lara

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