Carta de Hugo Menezes a Lúcio Lara

Cota
0006.000.017
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado
Suporte
Papel comum
Remetente
Hugo de Menezes
Destinatário
Lúcio Lara
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Carta de Hugo de Menezes
[dactilografada]1

Londres, 26/5/59
Caro amigo Lúcio

Plenamente de acordo quanto à abolição do protocolo entre nós.
Recebi, pois, a tua carta, cheia de úteis informações. Consegui encontrar, na biblioteca da Universidade, estatísticas de 1957, referentes a África «portuguesa», numa publicação da O.M.S. Números bastante eloquentes lá encontrei. Assim, 84% dos óbitos verificados em Angola, nesse ano, foram atribuídos a «senilidade ou causas mal conhecidas ou desconhecidas». Portuguesmente falando, tal significa que a mesma percentagem de angolanos não teve assistência médica. Julgo, contudo, que os números reais sejam maiores do que aqueles, pois que muitos dos óbitos ocorridos em Angola não chegam ao conhecimento das «Autoridades».
Por outro lado, em S. Tomé se registou, há alguns anos, a mais elevada taxa de mortalidade que me foi dado encontrar nas estatísticas de todo o Mundo, nestes últimos vinte anos: 42 por mil habitantes. A curva caiu um pouco, mas ainda é das mais elevadas.
Perguntas-me quais os meus planos. Não poderei chamar-lhes planos; são, antes, uma série de interrogações e ideias. Contudo, estou absolutamente disposto a tentar realizá-las, se, para tal, encontrar o apoio que julgo ser indispensável.
Abandonei Portugal e todas as promessas materiais com que a medicina me acenava em África, na disposição de desviar o meu caminho para a luta de reivindicação de direitos em que está empenhado o nosso Povo. Estou certo de que cada vez mais se acentuará a já existente incompatibilidade entre uma séria e eficiente preparação e actividade médica (ou qualquer outra), e a preparação e actividade política de um africano dos nossos dias. Creio que o dilema se põe, e não terei qualquer dúvida em optar por esta segunda possibilidade. Perigosa, exaustiva, absorvente, mas absolutamente necessária. Não tenho ambições materiais e não pretendo posições políticas cómodas.
As minhas ideias, ou, vá lá, planos, são os seguintes:
1) Constituir uma Organização da malta, extra-fronteiras, que trabalhasse em íntima ligação com as Organizações das nossas terras. Tal Organização trabalharia discretamente, e procuraria as melhores vias de acesso para estas, para a introdução de pessoas e coisas.
2) Procurar obter, por parte de todas as Organizações privadas e oficiosas, apoio económico e político (Organizações Africanas e não Africanas). Conseguidos estes, entraria em luta mais ou menos aberta contra o Colonialismo Português, enquadrada no conceito um pouco ambíguo do Pan-Africanismo.
Tenho encontrado, por parte de muitas individualidades trabalhistas britânicas, que conheço através do C.A.O. [Committee of African Organisations], o maior interesse em debater o problema das colónias portuguesas, especificamente Angola.
Contudo, a minha situação é pouco segura, pois que, como estrangeiro, está-me vedada a possibilidade de fazer política, para mais anticolonialista, num país reaccionário como este. De um momento para outro os tipos podem recambiar-me. Não recearia isto se a minha situação financeira me permitisse certa liberdade de movimentos. Enquanto as possibilidades de ir para a Guiné não passarem de possibilidades, os meus gastos metabólicos precisam de ser compensados. Aqui é difícil encontrar um emprego, por mais modesto que seja; ou antes, por lei, não posso ter qualquer emprego, pago ou não. Pretendo viver à custa do meu trabalho, e, por tal razão, alimento, desde há algum tempo, a esperança de ir para qualquer outro país europeu, antes de poder ir para a Guiné ou Ghana. Poderia eu encontrar aí qualquer coisa que me permitisse viver? Poderias dar-me uma resposta neste sentido? É claro que me refiro a uma ocupação não médica.
A tua mensagem seguiu já.
Quando me escreveres, deverás fazê-lo para:
BENSON O. TONWE
367 CAMDEN ROAD
LONDON, N7
E por hoje, nada mais do que um abraço do
ass.) Hugo M

Carta de Hugo Menezes (Londres) a Lúcio Lara

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