Carta de Lúcio Lara a Hugo de Menezes

Cota
0006.000.014
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Lúcio Lara
Destinatário
Hugo de Menezes
local doc
Rep. Federal da Alemanha
Data
Idioma
Conservação
Bom
Imagens
2
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento...»

Acesso
Público

Carta a Hugo de Menezes [dactilografada] Ffm. [Frankfurt/Main], 20 maio 1959 Meu caro Hugo Gostei de receber a sua carta que é um sinal evidente de que a nossa gente está acordada para a luta. Congratulemo-nos pois. Pelo que você expõe e por notícias que a seu respeito tive de outras fontes tenho a impressão que você não quer voltar a Portugal, pelo que está portanto em condições de na medida do seu possível se poder integrar na luta que um grupo de africanos sob dominação portuguesa trava na Europa, com vistas à próxima libertação dos nossos povos. Eu também não volto a Portugal, que abandonei em Março, mesmo sem o curso concluído, fazendo agora todo o meu possível para que a luta que os nossos irmãos travam nas nossas terras encontre cá fora o eco que merece, uma vez que os portugueses têm sabido através dos tempos manter no mais obscuro segredo o estado de miséria a que a sua gananciosa exploração reduziu os nossos povos. Para já não interessa adiantar muito sobre o estado da nossa luta na Europa, mas interessa que você fique desde já a saber que um dos objectivos é a internacionalização do problema das colónias portuguesas. Não deixa de ser interessante o facto de você estar relacionado com o referido deputado Bevanista. Pª já agradeço-lhe que se informe junto dele qual o processo de que se serviria para agitar o problema nas Nações Unidas, já que essa é uma das nossas finalidades, estando nós a preparar uma súmula de rapport para as N.U. que ainda não sabemos como poderá lá chegar, mas que em última análise preferiríamos que fosse por intermédio de uma das delegações africanas. Se você se puder informar da procédure desses negócios diga logo que possa alguma coisa. Aliás interessava também saber quando se travará a próxima discussão com Portugal nas N.U.. Veja lá se pode saber alguma coisa a este respeito. Quanto ao trabalho que você pretende aí fazer é de facto importante. Sobre o que pede há uma coisa que não lhe posso dizer por não ter cá dados: é a questão dos Salários. Lembro-me que há tempo em Lisboa, consultando uns dados estatísticos sobre Angola verifiquei que o Patronato gastava em média com os trabalhadores indígenas 117$00 mensais com tudo incluído. Mas este dado é citado de memória e carece por isso de valor. Mas não anda muito longe da verdade. Quanto aos outros aí vão alguns extraídos do Anuário Estatístico do Ultramar para 1957: ORÇAMENTOS ANGOLA MOÇAMBIQUE Receita ordinária 1 697 056 contos 2 986 438 contos " extraordin. 475 338 " 144 629 " " TOTAL 2 172 394 " 3 131 067 " Destas receitas as mais importantes são a dos «Direitos de importação e exportação» (570 651 contos pª Ang. e 467 672 c. pª Moç.) e a do IMPOSTO INDÍGENA (115 097 c. pª Ang. e 140 058 c. pª Moç.) Despesa ordinária 1 480 854 contos 2 796 292 contos " extraordin. 766 956 " 380 248 " " TOTAL 2 247 810 " 3 176 540 " Destas despesas couberam: às Missões Católicas 31 697 c. pª Ang. e 35 948 c. pª Moç.; à Instrução pública geral (civilizados!) 43 959 c. pª Ang. e 54 080 c. pª Moç.; à Polícia, Exército e Marinha 162 868 c. pª Ang. e 224 434 c. pª Moç.. POPULAÇÃO (censo de 1950) Negros 4 036 687 5 651 306 Mestiços 29 648 25 149 Brancos 78 826 48 213 Outros 103 14 243 TOTAL 4 145 266 5 738 911 Aliás, segundo estatísticas mais recentes, mas ainda não oficiais, pois tirei-as de um Boletim Geral do Ultramar a população de Angola em 1955 seria de 4 362 264 com 4 222 117 negros, 30 453 mestiços, 109 568 brancos e 126 diversos. Esta estimativa é digna de crédito. Hoje o nº de brancos é muito superior, mas ainda não tenho dados concretos. Infelizmente ainda não temos o que se chama um Bureau estatístico montado, mas sempre que quiser saber coisas pergunte que responderemos na medida do possível. Agora outro problema: Você pensa ir breve pª a Guiné: podemos saber se já arranjou trabalho, se vai trabalhar para si ou se está também interessado em trabalhar pela libertação dos nossos povos? Nós já entrámos em contacto com entidades oficiais da Guiné sobre a possibilidade de gente das colónias portuguesas lá poder trabalhar em todos os sentidos, mas ainda não tivemos resposta. O mesmo acontece em relação ao Ghana. Você tem algum programa para levar a efeito na Guiné? Bem, meu caro, por hoje basta. Aliás durante algum tempo não lhe poderei escrever. Responda sempre para o nome de minha mulher. Outra coisa, podemos deixar o tom demasiado cerimonioso do você, não acha? Até à próxima e... bom trabalho. ass.) L. Lara P.S. Tem razão quanto ao facto de haver possibilidade que a correspondência da Alemanha esteja vigiada. Por isso peço-lhe que escreva uma das suas cartas inocentes ao Edmundo [E. Rocha] em que lhe dirá mais ou menos isto: Recebi notícias do Rui que recebeu os livros e pede mais. Dado o adiamento do bate-papo ele só cá deverá vir em Julho. Está empenhado em oficializar a sociedade, para poder ter negócios com África. Deu já os primeiros passos. Talvez te escreva em breve. Esta comunicação tem certa urgência. Não lhes escrevo por não considerar o momento oportuno dada a notícia do OBSERVER de 10 do corrente... Abraços do

Carta de Lúcio Lara (Frankfurt/Main) a Hugo de Menezes

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