«Plano de trabalho»

Cota
0001.000.013
Tipologia
Correspondência
Impressão
Dactilografado (2ª via)
Suporte
Papel comum
Remetente
Mário Alcântara Monteiro
Destinatário
Presados Colegas, Senhores
Data
Idioma
Conservação
Mau
Imagens
3
Observações

Foi publicado no 1º Vol. de «Um amplo Movimento…»

Acesso
Público

Plano de trabalho de Mário de Alcântara Monteiro [dactilografado] [Acrescentado à mão, no canto superior esquerdo:] Lúcio, Vão aí os alicerces da nossa Obra. O exemplo da nossa vitória, construirá ou ajudará a construir o dia radioso do nosso futuro. Teu camarada A. PLANO DE TRABALHO Prezados colegas, Senhores Se bem estão lembrados, uma das primeiras necessidades que apontei, logo após tomar os primeiros contactos convosco, foi a básica, fundamental, premente, de se estabelecer um «plano de trabalhos». É que, senhores, impõe-se pôr de parte improvisações sempre defeituosas e que a responsabilidade e grandeza da nossa missão, – se a quisermos cumprir integralmente, cumprindo o nosso dever –, já não comportam. Há absoluta necessidade de se determinar uma linha de rumo e uma vez esta determinada, fazermos convergir os nossos esforços para a consecução do objectivo comum. Não importam dificuldades, obstrucionismos, incompreensões; urge estabelecer um programa e procurarmos cumpri-lo, mesmo à custa de pesados sacrifícios. Que os nossos lugares, – aqui, no campo de honra da luta pelo progresso e por uma Angola melhor, integrada numa Humanidade melhor, mais justa e mais feliz, – são de trabalho árduo e de sacrifício, não de cartaz. E quando nos sentirmos impotentes para nos realizarmos, tenhamos, ao menos, a lealdade de confessarmos a nossa incapacidade e a fraqueza, – que é nobreza –, de cedermo-los a quem, mais apto, possa resolver os nossos problemas. Mas que haja, também a coragem de encararmos de frente os nossos problemas; de auscultarmos o nosso Povo, nos seus anseios e aspirações e, ao batermo-nos por eles, procurarmos resolver uns e satisfazer outros. Essa, a nossa missão. À sugestão que cada um de vós apresentará, juntarei a minha, e, assim, o nosso programa, será, necessariamente, um trabalho colectivo e a síntese dos nossos programas. Passo a apresentar, em esquema, o mais esquematicamente possível, o que, para mim, penso deva ser o nosso programa. Prestarei, aos colegas todos os esclarecimentos que quiserem pedir. Assim, destrinço duas espécies, nos nossos problemas: A) – PROBLEMAS BÁSICOS, que são os quatro, a saber: 1.– ALFABETIZAÇÃO DAS MASSAS INDÍGENAS, sem dúvida o nosso problema nº 1: – (edição profusa de cartilhas do método LAUBACH, que tão animadores resultados conseguiu na Indochina e no Haiti). 2.– ASSISTÊNCIA SOCIAL Cooperativas: – alimentares; – de construção. – (tentativa de emprego das casas pré-fabricadas na edificação de bairros indígenas higiénicos e modernos); – criação de uma delegação na área suburbana da cidade; – criação de estâncias de repouso para os convalescentes e colónias de férias para os trabalhadores e suas famílias, nas regiões planálticas da colónia; – construção de parques infantis, ginásios e campos de jogos. 3.– SANEAMENTO das áreas suburbanas das povoações: Insistir com as estâncias oficiais, se e enquanto não for possível à associação realizar tais obras, para a instalação, nas áreas suburbanas de: – chafarizes, – balneários, – mictórios e retretes, – remoção do lixo e detritos e – desinfecção periódica dos aldeamentos indígenas. 4. – ASSISTÊNCIA MÉDICA – ampliação do Dispensário Creche Dr. Carlos Tavares e sua transformação num hospital para indígenas; – criação de maternidades, lactários e creches em toda a colónia, como arma de combate à mortalidade infantil; – criação de sanatórios; – criação de brigadas móveis de socorros médicos; – vacinação obrigatória de todos os indivíduos especialmente crianças: – anti-tuberculosa, – anti-tífica, – anti-diftérica, – anti-poliomielítica, – anti-variólica e – anti-amarílica. e B). – PROBLEMAS SUBSIDIÁRIOS (Do programa do Departamento Cultural): 1. – Instrução e Cultura: – criação de escolas primárias, médias, técnicas, profissionais de artes e ofícios; – criação de escolas de artes plásticas; – criação de bibliotecas, bibliotecas móveis e salas de leitura; – realização bienal de Jogos Florais; – publicação periódica da Revista «Mensagem»; – exposições de Artes Plásticas e Arte Indígena, com Salões Permanentes de Artistas Angolanos e início da organização de um Museu de Arte Indígena; – criação de cursos livres de divulgação artística, literária e científica; – realização de conferências, palestras, saraus, e recitais artístico-literários e culturais; – edição popular de obras técnicas e organização de manuais profissionais; – criação de bolsas de estudo; – edição de quaisquer trabalhos de autores angolanos, que mereçam ser divulgados. 2. – DIVERSOS – emissão de uma grande rifa popular, anual; e – organização de feiras populares onde se poderá promover a exibição de – grupos folclóricos e ainda a realização de concursos de – música africana. Luanda, Março de 1951 ass.) ilegível Mário de Alcântara Monteiro Entretanto, a economia de Angola continuou a florescer para Portugal e para os colonos. A partir de 1946, o valor da exportação do café ultrapassa o da exportação de diamantes. Houve uma «corrida» para o café, que se reflectiu, por um lado, na extorsão de terras aos nativos para delimitar grandes fazendas de café dos colonos e, por outro lado, na busca, em terras do centro sul, de trabalhadores forçados. O trabalho forçado assumiu cada vez mais o carácter de um sistema esclavagista disfarçado e deu origem a uma «classe» criminosa de colonos: os «angariadores». Angariador era um colono que até recebia um alvará que lhe permitia recrutar trabalhadores indígenas, corrompendo autoridades administrativas ou tradicionais, estabelecendo com o indígena uma espécie de contrato que tinha o aval das autoridades administrativas. Os indivíduos recrutados eram entregues às empresas necessitadas de força de trabalho, cobrando o angariador uma soma especulativa por cada cabeça. É evidente que esse processo envolvia um rol de colonos implicados na operação. Os escandalosos lucros dos angariadores por vezes ultrapassavam os dos próprios fazendeiros de café ou dos fazendeiros agropecuários. A citada Carta-Relatório de Henrique Galvão e o livro The African Awakening de Basil Davidson são ricos de elementos acusatórios, que já tinham sido objecto de um inquérito internacional, «A missão Ross»1, que condenara a acção de Portugal. Os diferentes grupos de patriotas movidos pela evolução externa dos acontecimentos em África conseguem, em 1952, recolher mais de 500 assinaturas para um protesto enviado às Nações Unidas, queixando-se dos maus tratos à população indígena e pedindo às Nações Unidas para tomar medidas que pusessem fim ao domínio português (documento que foi apreciado pela subcomissão que a Assembleia Geral nomeou na sua 16ª Sessão para estudar a situação em Angola)2. Nessa altura ainda Portugal não tinha sido aceite como membro das Nações Unidas. A clandestinidade imposta aos diferentes grupos de patriotas dificultava a coordenação dos seus esforços e a ligação entre os jovens que se afirmavam em Luanda e em Portugal. As ligações entre patriotas eram feitas, entre outros, pelos marítimos, como já foi dito. Entretanto, os recados que os marítimos traziam de Angola revelavam uma agitação crescente na juventude, que queria organizar-se. Realmente, em princípios de 1957 são-nos enviados dois documentos de Luanda com o recado de maior sigilo até que alguém viesse de Luanda explicar o seu alcance. Trata-se por um lado dos Estatutos do Partido Comunista Angolano, que teria sido criado em Novembro de 1955 e, por outro lado, de um Manifesto que, ao caracterizar as duas classes antagónicas em confronto em Angola – o colonizador e o colonizado – lança algumas palavras de ordem: «Lutar em todas as frentes e em todas as condições»; «O colonialismo português não cairá sem luta»; «A luta só alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças anti-imperialistas de Angola»; «O povo angolano deve organizar-se através de milhares e milhares de organizações espalhadas por toda a Angola»; «Lutar para organizar e organizar para lutar»; «Nunca se deve ceder à impaciência»… Recebidos da mão do marítimo António Rodrigues3, os dois documentos não apresentavam uma perfeita ligação entre si e assim ficámos a aguardar melhores esclarecimentos de Luanda. Documento sem título, que viria a ser o Manifesto do M.P.L.A.4 [dactilografado] O desenvolvimento das forças produtivas dos primeiros países capitalistas da Europa – desenvolvimento com base na assimilação do progresso técnico criado por todas as raças, através dos séculos – levou esses países europeus à procura de mercados para os seus produtos. Daí as viagens marítimas subsidiadas pelo comércio do Estado e pelas empresas particulares dos países capitalistas europeus, e daí a criação de feitorias (estabelecimentos comerciais) e capitanias nas costas africanas. O contínuo progresso das forças produtivas, a maior necessidade de mercados e a garantia da posse dos mercados, e o aumento da concorrência entre os países capitalistas europeus na procura de mercados, levaram esses países ao aniquilamento dos Estados africanos, à conquista dos territórios africanos e à subjugação dos povos africanos. Deste modo, os capitalistas europeus transformaram toda a África em colónias e em países dependentes. Mais tarde, a exportação maciça de capitais para as colónias e países dependentes com o fim de maior exploração das fontes de matérias-primas, o alargamento das «esferas de influência» e dos domínios coloniais até abarcar todo o mundo, a transformação do capitalismo em imperialismo, isto é, a transformação do capitalismo num sistema mundial de opressão colonial e de escravização financeira da imensa maioria da população do mundo por países imperialistas, estes factos, dividiram o mundo em dois campos: o pequeno campo dos poucos países imperialistas, exploradores e opressores, e o imenso campo das colónias e dos países dependentes que se vêem obrigados a lutar para se libertarem do jugo imperialista. Diante dos países imperialistas – países estes que visam, por meio de acordos, tratados, pactos de defesa mútua e manobras conjuntas de toda a espécie, perpetuar a opressão das colónias e dos países dependentes – diante desta frente imperialista MUNDIAL, as colónias e os países dependentes viram-se obrigados a criar a frente MUNDIAL contra o imperialismo. Isto quer dizer que só com a luta solidária e unida de todas as colónias e países dependentes se pode derrubar o imperialismo em cada país oprimido e em todo o mundo. A luta solidária dos povos asiáticos, dos povos africanos do norte do nosso continente, e a histórica e frutuosa conferência afro-asiática de Bandoeng – eis algumas das realidades da frente mundial contra o imperialismo. Em face das realidades incontestáveis e dos exemplos das lutas vitoriosas da frente mundial contra o imperialismo, impõe-se, pois, a união firme e inabalável e a luta unida, não só de todos os indivíduos africanos mas também de todos os povos africanos. Nenhum africano deve ficar indiferente perante a luta contra o imperialismo que se trave em qualquer parte do nosso continente por uma «África para os Africanos». Angola é um país com imensos recursos. Há, nele, diamantes, petróleo, manganês, cobre, urânio, ferro; terras para o cultivo de muitos produtos agrícolas; campinas e climas favoráveis a uma pecuária próspera; variadas matérias primas para uma indústria poderosa; mares propícios a uma indústria piscatória florescente e adiantada. Não obstante isso, gerações e gerações do povo angolano vêm arrastando uma vida triste, na miséria, na ignorância, na perseguição, no trabalho forçado, na exploração desumana do seu trabalho, desagregando-Ihes as famílias, morrendo prematuramente, sem assistência médica e farmacêutica. Num país rico e com três habitantes por quilómetro quadrado, a população indígena cresce, segundo as suspeitas estatísticas oficiais, num ritmo lento, a natalidade infantil indígena é baixa e a mortalidade das crianças e dos trabalhadores indígenas é altíssima. A causa dessa revoltante injustiça e dessa aniquiladora desgraça está na dominação imperialista, ou particularizando melhor: na opressão colonialista portuguesa que pesa, há séculos, sobre o nosso povo. As minas de Angola estão nas mãos de portugueses, de belgas, de americanos, de ingleses. O território angolano pertence ao Estado Português, as terras férteis nas regiões de melhor clima são distribuídas aos colonos portugueses, milhões de indígenas não são considerados cidadãos pelo governo colonialista português, não têm direito à posse individual da terra angolana. Os criadores de gado indígenas são explorados e controlados directamente por organismos económicos portugueses. O comércio interno é dificultado ao indígena e facilitado ao colono português ou de outra nacionalidade estrangeira. O comércio externo é controlado pelo Estado colonialista português e exercido por colonos portugueses. Não há Bancos de indígenas nem meios de transporte de indígenas. O objectivo mínimo da exploração e da opressão do imperialismo sobre o povo angolano, tem sido, continua e continuará a ser sempre a obtenção de lucros máximos. Parte destes lucros são exportados para fora de Angola e a parte restante é aplicada em Angola em obras que visam sempre, directa ou indirectamente, o benefício do colonialismo, o reforçamento do Estado colonialista, o desenvolvimento das empresas estrangeiras (portuguesas ou de outras nacionalidades). Toda a administração de Angola está nas mãos do Estado colonialista. Toda a vida social indígena foi desorganizada. A cultura indígena é desprezada, silenciada e aniquilada. Fazem silêncio sobre a história dos povos indígenas, ou a deturpam e difamam. Desconsideram as línguas indígenas e impedem o cultivo delas. Falseiam grosseiramente os factos referentes à tradição histórica e cultural dos africanos, interpretam-nos mal, e fazem tudo por diminuir ao mínimo a estima do africano por si mesmo. Reduzem a zero a contribuição do homem negro para o desenvolvimento da cultura humana, esquecendo de propósito ter sido negra a primeira grande civilização que se conhece, a civilização egípcia. A imprensa, a rádio, o cinema, a arte, a literatura, servem apenas e são obrigados a servir os interesses do colonialismo. O colonialismo português domina inteiramente – e de maneira cínica, desumana, cruel e brutal – a nossa vida económica, social, política, cultural e privada. Somos humilhados como indivíduos e como povo. Sabe-se – pela demonstração incontestável dos factos e até por confissões de colonialistas portugueses – que a exploração desumana e brutal das massas indígenas, a falta da necessária assistência médica e sanitária, a desorganização da família indígena, o encurtamento da duração da vida do homem indígena, a baixa natalidade e a altíssima mortalidade infantis, a relegação do indígena ao trabalho físico, a manutenção das massas indígenas na ignorância, a política de aumentar, estimular e reforçar o parasitismo do colono sobre o esforço do indígena, tudo isso tem em vista liquidar a população indígena e fazer de Angola uma terra de brancos. O cinismo colonialista afirma não pretender liquidar os negros com a rapidez e a crueldade com que foram eliminados, por exemplo, os peles-vermelhas no continente americano. É verdade: porque o que os colonialistas portugueses vêm realizando e pretendem continuar a realizar é liquidar o negro angolano, obrigando-o a um trabalho aniquilador cuja execução diminua lentamente o número e as forças dos negros, um trabalho para dotar Angola de todas as condições básicas indispensáveis à vida dos brancos em Angola. Não há dúvidas: é essa a maneira mais inteligente e proveitosa de assassinar povos. Essa não é já, de facto, uma política de descriminação racial; é pior: é uma política de assassinato do povo negro de Angola. Actualmente, a opressão colonialista portuguesa tem sido agravada pela entrada em Angola, pela mão dos colonialistas portugueses, da dominação do capital financeiro, dos monopólios e dos trusts europeus e norte-americanos. Portugal assina acordos e pactos consentindo a penetração política e económica dos imperialistas e monopolistas norte-americanos em nossa terra, acordos e pactos «cujas cláusulas são extensivas às colónias», acordos e pactos que vêm comprometendo o nosso povo numa política de preparação para a guerra, guerra em que os nossos filhos, irmãos, maridos ou noivos morrerão para enriquecer os nossos opressores, para tentar subjugar povos livres ou para ajudar a manter subjugados povos oprimidos como o nosso, mas que lutam, justa e heroicamente, pela sua liberdade. Actualmente, parte considerável da nossa renda é aplicada na militarização de Portugal e das colónias portuguesas, o que agrava a nossa já dura vida de povo colonial. O nível da vida dos trabalhadores está abaixo da linha de miséria. Os salários são de fome. Baixa continuamente o poder de compra das massas trabalhadoras. Estas não têm a assistência médica e farmacêutica necessárias. Não têm direito a organizarem-se para a defesa dos seus interesses de classe. Habitam palhotas e cubatas mal construídas, em bairros infectas e desordenados, sem abastecimento de água, sem esgotos, sem luz, sem mercados, sem escolas, sem jardins, sem praças, sem sanitários, sem higiene. Os filhos dos trabalhadores, grande parte dos quais morre na infância, não têm direito à instrução primária e profissional, e dificultam-lhes, por todos os meios, o acesso às escolas primárias e secundárias. Os trabalhadores do campo, formando mais de um quinto dos homens válidos de Angola, obrigados pelo infame «contrato» ao trabalho forçado, vivem sem o gozo dos mais elementares direitos humanos. São durissimamente explorados. Dispõem deles como se fossem gado. Impossibilitam-nos de constituir família e, quando a têm, obrigam-nos a viver longe dela durante anos. Mal alimentados, têm um tempo de vida útil muito pequeno, morrem novos. Entre os trabalhadores abundam as doenças profissionais e as doenças por má alimentação. No quadro geral dos trabalhadores, os trabalhadores indígenas são os mais explorados. Os camponeses trabalham com instrumentos de lavoura rudimentares, em terras cuja posse Individual não lhes é reconhecida. Obrigam-nos a cultivar os géneros agrícolas que lhes indicam. São explorados pelos parasitas intermediários que lhes compram os géneros. Vivem na miséria, longe de todos os recursos. As camadas médias vivem mal. Os seus vencimentos como funcionários públicos, como Empregados do comércio, dos escritórios, não acompanham o aumento constante da carestia da vida. Os indivíduos desejosos de se instruírem e de se dedicarem à cultura, às artes, à literatura, às ciências, às técnicas, não encontram em Angola meios que lhes possibilitem os justos desejos. O custo da instrução aumenta constantemente, não existe o ensino universitário, não há sequer faculdades; o ensino máximo na colónia é o ensino secundário, mas do qual é afastada, por processos indirectos ou descarados, a população indígena. Não existem as liberdades de pensamento, de consciência, de opinião, de associação, de reunião, o que freia o desenvolvimento de toda a actividade intelectual, criadora, profissional. Os pequenos comerciantes e industriais, na maioria colonos, pois os naturais falham inexoravelmente, vivem em dificuldades crescentes provoca das pela falta de crédito, pelo fraco poder de compra das massas trabalhadoras, pelos impostos pesados, pela subida dos preços das matérias-primas, pela exploração dos grandes armazenistas. As leis de condicionamento industrial e as pautas aduaneiras favorecem os industriais de Portugal, freiando a actividade dos industriais de Angola. Existe um controle absoluto em toda a indústria e em todo o comércio de Angola, visando, fundamentalmente, manter Angola em situação de perpétua dependência económica em relação a Portugal e às potências imperialistas. O colonialismo inoculou, pois, em todo o organismo de Angola, o micróbio da ruína, do ódio, do atraso, da miséria, do obscurantismo, da reacção. O caminho em que nos vêm obrigando a seguir é, portanto, absolutamente contrário aos supremos interesses do povo angolano: aos da nossa sobrevivência, da nossa liberdade, do rápido e livre progresso económico, da nossa felicidade, de pão, terra, paz e cultura para todos. As mais elementares necessidades vitais inadiáveis do nosso povo – como a necessidade sagrada e imperiosa de impedir que Angola se esvazie da sua população negra, como sucedeu, por exemplo, com a população nativa do continente americano, para no lugar dela viverem numericamente grandes e poderosas populações de origem europeia, – exigem a mobilização e a luta – luta em todas as frentes e em todas as condições – do povo angolano para o aniquilamento do imperialismo, do colonialismo português, para tornar Angola um Estado independente, para a instauração de um governo angolano democrático e popular. Um governo de ampla coalizão de todas as forças que tenham lutado implacável e intransigentemente, até ao fim, contra o colonialismo português. Um governo de todas as forças anti-imperialistas, e à frente do qual esteja a classe trabalhadora. Um governo que estabelecerá as indispensáveis relações do nosso povo com todos os povos, incluindo o povo português, mas na base do livre consentimento, da confiança mútua, da igualdade de direitos, de mútuos benefícios e da colaboração pacífica. Porém, o colonialismo português não cairá sem luta. Deste modo, só há um caminho para o povo angolano se libertar: o da luta revolucionária. Esta luta, no entanto, só alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças anti-imperialistas de Angola, sem ligar às cores políticas, à situação social dos indivíduos, às crenças religiosas e às tendências filosóficas dos indivíduos, através portanto do mais amplo MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA. Este movimento, porém, não se fará através da filiação de todos os patriotas angolanos a uma única organização ou associação. O movimento será a soma das actividades de milhares e milhares de organizações (de três, mais de três, dezenas ou centenas de membros cada uma) que se criarem em Angola. Isso quer dizer que o povo angolano deve organizar-se através de milhares e milhares de organizações espalhadas por toda a Angola. Enquanto a organização do povo se faz dessa maneira, a unificação das organizações faz-se através do esforço que cada uma das organizações despender para realizar os princípios e os objectivos expressos neste Manifesto. A unificação das organizações faz-se, portanto, através de um certo número de ideias, de princípios e de objectivos comuns a todas as organizações, comuns a todos os indivíduos angolanos organizados. O inimigo é o colonialismo; ou, definindo concretamente: o inimigo são todos os organismos e todos os indivíduos interessados na manutenção do actual estado de coisas em Angola, e são todos quantos colaborem, de qualquer modo, consciente ou inconscientemente, clara ou veladamente, com os primeiros. São nossos aliados todos quantos lutem ao nosso lado, todos quantos nos dêem qualquer ajuda, temporária ou duradoura, condicional ou incondicional – ou todos quantos mantenham, pelo menos, uma atitude de neutralidade favorável à luta do povo angolano. Devemos, portanto, realizar uma política de conquistar todos os aliados possíveis, devemos tirar proveito de todos os conflitos, desinteligências ou discordâncias entre o colonialismo e quaisquer grupos de interesses. Todos os grupos de interesses concordantes, de qualquer modo, com a libertação de Angola ou mesmo de África do jugo do imperialismo não devem ser mantidos isolados ou separados por motivo de ideias ou tendências que porventura os distingam, mas deve-se sim estabelecer a união desses grupos na base do interesse ou dos interesses que os aproximem, em que estejam de acordo. O que nos une e o que nos falta deve estar sempre acima daquilo que nos separa. O essencial, em toda a nossa luta, é isolar o inimigo, tornar o mais pequeno possível a sua base de apoio, estreitar o seu campo de acção, reduzir as suas possibilidades, deixar o inimigo só, fraco, sem aliados. Com esta táctica a nossa vitória será mais fácil. O nosso movimento irá desde as mais pequenas às mais amplas e profundas lutas. Desde a luta que cada indivíduo deve travar em si mesmo para tomar consciência do perigo de morte que vem correndo a existência da população negra, para combater o desespero e a descrença nas possibilidades de êxito da luta popular, para combater o isolamento individual, para criar e desenvolver qualidades de vigilância, de auto-defesa, de disciplina e de organização, para despertar e elevar a consciência de todos os africanos honrados nas suas relações (no ambiente familiar, no local de trabalho, de recreio, na área de residência, etc.), para criar organizações, até às lutas de organizações particulares e distintas, às lutas unidas de duas ou mais organizações aliadas, às lutas unidas de todas as organizações de uma sanzala, de uma aldeia, vila ou região, às lutas unidas de todas as organizações de Angola, às lutas unidas de solidariedade do nosso povo para ajudar a luta dos povos irmãos de África. É essencial compreender que a luta só pode ter êxito através da participação nela das grandes massas populares, que se organizarão através de organizações de família, de bairro, de local de trabalho ou residência, de estudo, de cultura, de recreio, de desporto, etc. Nem a luta individual, nem mesmo a luta de apenas alguns homens decididos e corajosos alcançará os nossos objectivos. Os indivíduos devem organizar-se, e devem começar a organizar-se, em torno dos seus interesses mais sentidos, imediatos e do dia-a-dia. Todas as organizações devem esforçar-se por criar uma base material para a realização das suas tarefas, base essa formada por contribuições e cotizações periódicas, por donativos, etc. É indispensável, portanto, lutar para organizar e organizar para lutar. Devemos fazer tudo por lutar sempre organizados, ainda que se criem para isso organizações temporárias, de curta duração. Apesar da situação miserável, aflitiva e desesperante em que tem sido obrigado a viver desde séculos, o nosso povo tem sabido, porém, manter uma notável dignidade e honradez. Isto deve constituir motivo de orgulho e de honra para todo o angolano, e constitui, sem dúvida, base sólida para a segurança das actividades conspirativas de todo o movimento popular de libertação de Angola. Em topo o caso, existiram e existem alguns traidores dos sagrados povo angolano. É absolutamente indispensável que cada angolano honrado e cada organização se defendam desses vis traidores a quem um dia o nosso povo fará justiça. Na nossa luta sem quartel, necessariamente ampla, de frente popular geral, da qual participarão todas as forças, correntes e tendências contrárias ao imperialismo e na qual se realizarão todas as alianças possíveis contra o imperialismo, desde as alianças no seio de cada família até as que abarcarão todo o continente africano, será indispensável que cada africano dê garantias mínimas, e por factos, de que nunca usar da sua língua e da sua mão para denunciar ou maltratar qualquer outro africano honrado. E indispensável, portanto, ter sempre presente que bom africano é, pelo menos, aquele cuja palavra e cuja mão nenhum outro africano honrado pode temer. É indispensável que cada africano evite sempre, quer provocar os agentes de repressão e de investigação dos organismos colonialistas, quer de responder – por palavras ou por actos – às provocações desses mesmos agentes. Nunca se deve ceder à impaciência, ainda que ela seja legítima. É absolutamente indispensável criar uma indestrutível barreira de segredo e de vigilância entre todas as organizações patrióticas de um lado, e o inimigo e os seus agentes do outro lado. Mantenha-se sempre o mais sagrado e rigoroso segredo das actividades das nossas organizações. Cada membro de qualquer organização só deve saber, em matéria de luta patriótica, o que for estritamente necessário ao cumprimento das suas tarefas. E indispensável estar sempre vigilante contra os espiões, contra os que tentem dividir-nos, contra os espalhadores de ideias derrotistas, contra os provocadores que tudo fazem para nos revelarmos ao inimigo por palavras ou por actos inúteis e imprudentes. A vida e a actividade das nossas organizações devem interessar unicamente aos seus membros, devem estar unicamente voltadas para o nosso povo, e devem dedicar-se totalmente a dar consciência, despertar, mobilizar, organizar e levar à luta as massas populares angolanas, E preciso não manter a mínima ilusão de supor que os colonialistas estão dispostos a trocar o conhecimento das nossas actividades por quaisquer benefícios que favoreçam o nosso objectivo essencial: a independência da nossa pátria. As possíveis reformas que o inimigo venha a fazer deverão sempre ser consideradas como manobras para enfraquecer a nossa luta ou para nos dividir. Pelo contrário: devemos aproveitar sempre as reformas para reforçar a situação e as posições da nossa luta. O colonialismo não deixará de oprimir o nosso povo sem ser obrigado a isso somente pela nossa luta; não poderemos lutar sem nos organizarmos; e nenhuma organização sobreviverá se ela for conhecida pelo inimigo. Eis três verdades evidentes, as quais não devemos vender por preço algum. Em todas as organizações deve reinar, portanto, a maior disciplina e as mais rigorosas normas de organização e trabalho. E como lutamos contra um inimigo cuja inclemência e crueldade sobejamente se provam pelos crimes e pelos maus tratos que durante séculos – com medo da união do nosso povo e com medo que se transforme em acção o profundo e nunca abafado ódio patriótico do nosso povo – vem causando ao nosso povo, é indispensável que nas nossas organizações se pratique a mais pronta solidariedade para com os patriotas ou a família dos patriotas vítimas do inimigo pelas suas actividades patrióticas. Já temos uma base sólida para a prática e o desenvolvimento dessa solidariedade: é a tradicional fraternidade africana. Já se sabe que os colonialistas, através dos seus agentes e por todos os meios, procurarão espalhar ideias erradas e derrotistas no seio do nosso povo. Dirão, por exemplo, que não podemos criar um Estado independente e um governo que sirva os verdadeiros interesses do povo angolano, sem quadros culturais e administrativos preparados, capazes de organizar a administração de Angola. Dirão que devemos, primeiro, criar esses quadros sob as condições actuais, e lutar então, depois, pela conquista do Estado independente. Essa ideia é falsa. Porque enquanto o imperialismo imperar em Angola nunca ele consentirá que se formem tais quadros; pois ele sabe que tais quadros o levarão à morte. Isso mesmo tem sido declarado pelos colonialistas em todas as suas reuniões internacionais e nacionais, nas quais eles combinam os seus sinistros planos; em todos os seus congressos, e ainda recentemente no congresso de economistas5 realizado em Luanda. E os seus actos têm provado sobejamente as suas palavras. Não tenhamos pois ilusões: o colonialismo nunca se suicidará. Portanto, devemos, antes de tudo, lutar por tornar Angola um Estado independente. Conseguido isto, estarão automaticamente criadas as principais condições favoráveis ao desenvolvimento do nosso povo, e avançaremos, com passos de gigante, livres de peias, com a ajuda fraternal de outros povos tecnicamente mais avançados, para a elevação do nível cultural do nosso povo e para a preparação de numerosos quadros dirigentes e administrativos extraídos do seio do povo angolano. Lutemos, primeiro, por uma Angola para os Angolanos. As actividades de todas as nossas organizações devem procurar sempre tornar presentes e levantar os interesses justos dos seus membros, tanto os da sua vida particular e diária, como os da sua região, da sua raça, da sua pátria; devem procurar sempre fazer ressaltar a justiça de uma «África para os Africanos», como existe justamente uma Europa para os Europeus; devem procurar sempre levar os indivíduos a conhecer, a praticar e a amar a cultura do nosso povo e as dos outros povos africanos (a História, as línguas, etc.), pois a Cultura de um povo constitui um dos alicerces da sua existência e garantia da sua sobrevivência. Portanto, é preciso lutar sempre pela instrução, pela cultura, pelo desporto, por todos os justos interesses dos homens enfim, mas devem-se pôr, sempre, essas actividades ao serviço da nossa luta. Dar a tudo um carácter político, ligar tudo aos interesses do nosso povo, à luta do nosso povo. Nunca se devem impor a ninguém os princípios, os objectivos e as razões da nossa sagrada luta. As pessoas devem ser pacientemente convencidas. Deve-se partir sempre dos problemas que preocupam a vida particular de cada indivíduo. Não há dúvidas de que, na base dos problemas de cada um, está – como causa principal do fracasso, da dificuldade, da injustiça, da desgraça – a opressão colonialista, a qual é responsável pelas más condições gerais que impedem uma vida melhor para toda a gente. Só haverá solução para os problemas de todos os indivíduos, se forem resolvidos os principais problemas da comunidade angolana. Façamos os possíveis por sermos compreendidos por todos os homens do povo, analfabetos ou alfabetizados. Usemos a simplicidade popular, falemos com clareza a sua linguagem. É indispensável compreender de uma vez por todas que o nosso povo não tem taras. Existem, de facto, defeitos espalhados no seio do povo angolano. Mas tais defeitos não podem ser combatidos e eliminados através, unicamente, de uma actuação sobre os indivíduos. Tal combate contra os defeitos deve ser, sempre e antes de tudo, acompanhado pelo combate à opressão dos exploradores e dominadores sobre o povo. E no caso de Angola, os defeitos do povo são causados e alimentados pela opressão colonialista portuguesa. Liquidar, portanto, a opressão colonialista é arrancar as raízes de muitos desses defeitos. Com fé na profunda justeza das nossas razões e da nossa causa, com fé na vitória da luta das amplas massas populares de Angola, confiantes na poderosa e irreprimível força da solidariedade de todos os povos africanos, contando com o apoio da invencível frente dos povos africanos e asiáticos contra o imperialismo, da qual participa mais de 80% da população do mundo, certos de que, no actual momento histórico da humanidade, é invencível todo o povo que luta, com unidade e coragem, pela sua liberdade e independência, marchemos para o caminho do trabalho para nos organizarmos e do combate pela libertação de Angola! Os europeus residentes em África que queiram continuar a viver neste continente, vendo respeitados os seus direitos justos, terão de manter, pelo menos, uma atitude de neutralidade favorável à luta dos povos africanos pela sua liberdade. Os trabalhadores europeus residentes em África devem lembrar-se de que os opressores das colónias formam, nas metrópoles, as classes que os exploram. Devem lembrar-se que é com enormes lucros arrancados da exploração dos povos coloniais que os exploradores vêm tentando adiar e suster a sua luta contra eles. Com esses lucros enormes, as classes exploradoras metropolitanas não só criam e reforçam os meios de repressão e de investigação, como corrompem os dirigentes das massas, dividem as massas metropolitanas e fomentam o oportunismo entre os trabalhadores. Os povos coloniais oprimidos e as massas trabalhadoras exploradas das metrópoles são naturais na luta comum contra os exploradores6 de ambos. Levante-se a bandeira da solidariedade internacional dos trabalhadores de todos os países! Seja vivifica da e fortalecida a nossa justa e indestrutível frente mundial contra os exploradores das metrópoles e das colónias, nossos inimigos comuns. Lutemos pela coexistência e pela colaboração pacífica entre os povos! Povo angolano! Luta pela tua sagrada liberdade! Povo negro de Angola! Luta pela tua sobrevivência! Pela sobrevivência da raça negra que os colonialistas querem assassinar! Homens, Mulheres e Jovens de Angola! Lutai pela vossa liberdade! Por um futuro livre, feliz e progressivo para todos! Tudo pela criação, pelo fortalecimento e pela multiplicação por toda a Angola de organizações patrióticas! Viva a luta unida e invencível dos povos da África e da Ásia contra a opressão colonial e racial! Viva o invencível MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA! Luanda, Dezembro de 1956

Nota de Mário de Alcântara Monteiro a lla, numa cópia da Carta endereçada a «Presados Colegas, Senhores». O Plano de Trabalho está dividido em: - Problemas básicos (alfabetização, assistência social, saneamento, assistência médica); - Problemas subsidiários (Departamento Cultural)

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