«Do esforço para a valorização da Juventude angolana»

Cota
0001.000.011
Tipologia
Texto de Análise
Impressão
Manuscrito
Suporte
Papel comum
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Mau
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Manuscrito por duas pessoas diferentes. A última página está rasgada.

Acesso
Público

Do esforço para a valorização da juventude angolana

Animado por sentimentos em cuja pureza não duvido, vários amigos têm tentado persuadir-me estar o começo da nossa salvação na feitura de revistas ou jornais capazes de honrar a Juventude Angolana. Confesso reconhecer a ideia como bonita, como valiosa por si mesma e em si mesma digna de todo o apreço. Mas - pergunto - o facto de que ela decorre, é ainda (como de costume) o incontestável e desolador atraso da actividade cultural da nossa juventude?

ERRATA:

1)    Onde está: “... dessa trajetória da vida inconsequente”..., deverá estar: “...desse viver falho de sentido
2)       “        “   : “- Verdadeiramente não lhe falta o espírito gregário…”, deverá estar: “Na realidade, não lhe falta o espírito gregário…”
3)       “        “   : “...trabalhar em conjunto para um fim comum,  grande e impessoal…”, deverá estar: “trabalhar em conjunto para um fim grande e comum…”
4)       “        “   : “...como defeitos inatos, como atributos da sua própria natureza”, deve antes estar: “Como defeitos inatos, como atributos da sua natureza”.
5)       “        “   : “Um deles (que sinto, aliás, acima das nossas possibilidades, sem todavia o considerar sobrenatural)", deverá estar: “Um deles (que sinto, aliás, acima das nossas possibilidades sem todavia o considerar sobre-humano)!!”
6)       “        “   : “... senão a manter vivo (insuflando-lhe o vigor inicial) o sentido da verdadeira missão do homem neste planeta: ser generoso - trabalhar pelo bem-estar dos seus semelhantes”, deverá estar: …”senão a manter bem vivo o dever contraído automaticamente  por todo o homem ao gozar do direito de existir neste mundo: ser generoso, trabalhar para o bem-estar dos seus semelhantes a fim de conquistar ou assegurar a sua própria felicidade.”
7)       “        “   :”... o motivo porque os artistas de Angola - quando acontece realizarem-se - não chegam a fazê-lo…”, deverá estar: “... o motivo porque os artistas de Angola, quando acontece realizarem-se não chegam a fazê-lo.”
8)    No final do artigo, onde está: “Que os nossos intelectuais renegando e denunciando por… etc. etc.” deverá estar assim: “Que os nossos intelectuais - renegando e denunciando por falsos os valores que os sustentam e gloriam e diligenciando por se munirem de uma cultura que, sem deixar de ser universal, utilize o homem de Angola - ajudem a nossa juventude a virilizar-se, a superar a sua impotente mentalidade!”

Estou na convicção de que os jovens angolanos, uma vez providos da cultura que lhes convém, sairão espontaneamente da noite em que se escondem as suas insuficiências para virem enfrentar - à luz franca deste sol avesso a obscurantismos - os problemas que eles, hoje, mesmo assim sentem não lhes deviam ser estranhos. Urge que os nossos intelectuais, renunciando à conquista da importância e da glória pela glória e transformando a usual escala de valores no que ela tem de essencial, levem os jovens valorosos, que ora despontam, a desistir da luta em que começam a empenhar-se para imitá-los.
Cumpre-nos ser, em todo o tempo, mais homens que «intelectuais». A vida é maior que tudo. Foi a atender-lhe os imperativos que o animal, consciente em nós, chegou a homem e é do mesmo modo que este vem desenvolvendo as suas faculdades. E assim como inconcebível a linguagem pela linguagem, o intelectualismo pelo intelectualismo e a arte pela arte. O artista e o intelectual devem fazer por participar da vida da sua época, por intervir nela engolfando-se e influindo nas correntes da vida e do seu meio. Devem encaminhar todo o seu talento e toda a sua ciência à tradução e à realização daquilo por que anseia o comum dos homens - por que anseia vagamente: sem saber precisá-lo e muito menos como atingi-lo.
Desejar uma cultura útil ao homem desta terra não é exigir a construção de uma mística que superiorizar e orgulhe o nosso povo e inferiorize aos outros, uma mística que seja o explodir dos nossos sentimentos de inferioridade, dos nossos recalcamentos, uma mística movida pelo desejo de nos contrapor a quem quer que seja. Não; é tão somente pedir que nos conheçamos melhor e nós mesmos mediante o estudo do significado das nossas realidades. O homem só se conhece ao mesmo passo que vai aprendendo o significado dos factos que lhe acontecem e dos que se processem à sua volta. E como dia a dia os factos de cada região se vão edificando aos das restantes, sucede que à medida em que nos formos desvendando iremos também atingindo o geral humano, a universalidade. Esta é fenómeno de profundidade e não de superfície - chega-se a ela descendo-se às raízes do nosso próprio ser. Daí a obrigação que se impõe aos nossos intelectuais de misturarem com os homens da rua, de se abeirarem da vida de toda a gente e estudarem-na, e de cultivarem a implicidade e…[termina a página aqui. Está incompleto].


[NOVA PÁGINA COM OUTRA CALIGRAFIA]


 Do esforço para a valorização da juventude angolana

    O amigo que me proporcionou o gostoso ensejo de colaborar neste jornal, noticiou-me a disposição, que havia por aí, de refazer um número “em condições de honrar a juventude angolana”.
    Ora, estamos em presença de uma ideia bonita, valiosa por si mesma, e em si mesma digna de todo o apreço. Mas - pergunto - o facto, de que ela decorre, é ainda (como do costume) o incontestável e desolador atraso da actividade cultural de uma juventude? Se é este o caso, temos porém de convir estar errado o plano da sua execução, estar mal orientado o esforço para a sua realização. Plano certo julgo ser aquele que fôr elaborado a partir da investigação tanto quanto possível profunda das causas da esterilidade, e trabalho produtivo haverá de ser, sem dúvida, o que visar remover ou combater a essas mesmas causas. E neste sentido, a tarefa que nos impõe não está no levantar fachadas para esconder a um problema - no editar, por ex., jornais grávidos de artigos versando assuntos transcendentes, e nos quais escrevam muitos senhores doutores, muitos nomes feitos. Não; porque verdade, a uma juventude não precisa de empreendimentos ou de medalhões que lhe emprestem honra, nem tão pouco se curará seus males com saber da existência de uma dúzia de embasbacantes pensadores angolanos, bons ruminadores de ideias. Estou que ela carece principalmente, de quem a sirva, de quem a afaste duma trajetória de vida inconsequente (NOTA DE CORREÇÃO: desse viver falho de sentido), libertando-a da modorra que a esteriliza e dos motivos determinantes da sua tão apregoada falta de espírito de cooperação.
    Não raro, também, a mola propulsora do pensamento dos que se dispõem a glorificá-la assenta numa vaidade insatisfeita - nasce da comparação de uma juventude com as de outros países e alimenta-se unicamente do desejo de competi-la com estas últimas.
    Todavia, urge reconhecermos não se destinarem as juventudes do mundo a rivalidades, a lutas pela preponderância, senão a manter vivo - insuflando-lhe o visor inicial - o sentido da verdadeira missão do homem, neste planeta: ser generoso - trabalhar pelo bem-estar dos seus semelhantes. Assim, não existem realmente entre elas quaisquer incompatibilidades, pois que as vantagens universais só poderão ser atingidas através da mais ampla cooperação.
    Porém, antes de tudo, cumpre nos acautelemos de incidir no erro, bastante vulgarizado, de considerar muitas das qualidades negativas manifestadas pelos jovens angolanos como defeitos inatos, como atributos da sua própria natureza. A preguiça mental, o devaneio, o desalento e o espantoso e obstinado desinteresse pelas realidades do meio ambiente mais não são do que compensações, do que capas que escondem esta dolorosa verdade: o jovem de Angola não está preparado para interferir nas correntes da vida da sua terra. Verdadeiramente, não lhe falta o espírito gregório; tem-no até em dose considerável. E.. ele se recusa a cooperar, furtando-se a participar em tarefas culturais, a trabalhar em conjunto para um fim comum, grande e impessoal, o motivo disso provém de certeza secreta, que ele sente de não estar à altura de poder desempenhar-se bem das obrigações que lhe forem incumbidas. Há como que um pudor que o coíbe de se despir diante dos outros, exprimindo e discutindo ideias, pondo enfim à prova a sua habilidade, o seu saber criador. O que nele existe é o medo de patentear a improdutividade dos conhecimentos que lhe foram ministrados e com os quais despendem, durante anos, o melhor das suas forças. E é esse temor e reconhecimento íntimo e amargo da sua insuficiência, da desarmonia entre a realidade angolana e a formação dele, que o levam por um reflexo de defesa bem próprio da natureza humana - a mostrar-se insociável ou a dar-se ares do tipo acabado do não-te-rales, do bárbaro desperdiçador de talentos. No fundo, outra coisa não faz do que dissimular a esterilidade da sua cultura atrás do parecer sonhador, preguiçoso ou desregrado. E ninguém, com efeito, deixa de concordar, no mais secreto de si mesmo, em que é mais vantajoso desviar para o ranque, a raça ou o clima a culpa de tal ou tais inaptidões do que atribuí-la a uma inferioridade estritamente individual a imputá-la a condições dependentes unicamente dos homens. É melhor - porque isso, pelo menos, não é susceptível de nos conduzir a humilhações, forçando-nos a fracassos tidos já por certos - é melhor gastarmos as nossas energias e o nosso tempo em actividades universalmente consideradas infrutíferas do que aplicar-mo-los em trabalhos fecundos mas dos quais não sabemos tirar quaisquer proveitos. A regra é esta quando nos avaliamos em muito ou quando possuímos alguma importância conferida por certa posição que ocupamos ou concedida pela simples posse de um diploma, a regra é não criarmos dúvidas sobre o nosso valor real, a regra é conservarmos as aparências, ficarmos - e não aventurarmo-nos, pondo assim em risco o elevado conceito em que nos temos ou em que nos têm.
    Não se julgue, todavia, pretenda eu fazer crer não existirem quaisquer diferenças entre a maneira de ser do filho dos trópicos e a dos de outras regiões, negando, por ex.: o sermos nós mais imaginosos, muito mais propensos ao banzo [?] que os louros lá do Norte. Quero simplesmente lembrar e sublinhar que as razões da nossa infecundidade estão mais perto desse desacordo entre a mentalidade que nos criaram e a realidade angolana, cabem muito mais a esse conflito entre as nossas tendências e a nossa educação, do que à nossa natureza de africanos. E a verdade disso evidencia-a bem o facto de os filhos da Europa educados aqui se debaterem na mesma impotência que nos enferma a nós, angolanos. Desejo fazer notar serem psicológicas as causas mais próximas do mal que afecta as relações dos jovens de Angola, decorrendo esses factos psicológicos, por sua vez, das grandes falhas da nossa educação. Claro que na base de tudo se situam os interesses sociais, porque os sistemas educativos não caiem do céu: são elaborados pelos homens, os quais vivem «tão sujeitos às inexoráveis leis de causa e efeito como as estrelas em sua trajetória», e são movidos pelos seus desejos e sentimentos.
    A nossa educação não se encaminha a permitir-nos o conhecimento perfeito da realidade que nos envolve e de que dependemos. Não se preocupa - por ex.- com informar-nos sobre a origem, número e formação dos povos angolanos, com dar-nos uma ideia pequena, mas segura, das características antropológicas e culturais que os distinguem e com ajudar-nos a atingir o fundo emocional do nosso Povo para que facilmente soubéssemos qual o sentido a imprimir às actividades que visassem a aculturação dele. Cala a verdade da nossa história. Silencia sobre as transformações por que passámos e por que vamos passando. Nem uma palavra sobre a nossa economia. Nada de valioso nos diz acerca do grau de desenvolvimento e da aplicação das nossas riquezas. Não nos deixa entrever as leis inconscientes a que obedecemos e que influem, a cada passo, no nosso sentir e no nosso operar, leis que transparecem, por ex., no mundo como falamos o português. Guarda silêncio até, no tocante a nossa fauna e a nossa flora.
    Como está bem de ver, é toda uma instrução com fins alheios às nossas reais necessidades, que nos desnatura, que nos desenraíza da terra, que não favorece o nosso crescimento, pois que não vai ao encontro das nossas tendências, não se orienta pela corrente subterrânea dos nossos impulsos, e por isso mesmo, não possibilita a necessária expansão da nossa vida e a sua indispensável projecção para o futuro. Não nos deixa tender para essa qualquer coisa a que todos os povos naturalmente se inclinam, naturalmente se inclinam para o seu bem e para o bem da humanidade.
    Ao programar-se o nosso ensino, não se entendeu - como se impunha ao desenvolvimento da nossa personalidade de africanos, a qual se alicerça na nossa estrutura físico-morfológica, nesse complexo de disposições hereditárias que nos ligam a uma raça e que amadureceram ao calor deste sol tropical, influenciadas por mil outros decisivos factores ambientais. Resultou daí o comportarmo-nos como autênticos estrangeiros na terra em que vimos a luz e em que nasceram, trabalharam e se dissolveram os nossos antepassados. E de tal modo nos imbuídos de falsos valores de cultura e civilização, que vivemos hoje a recalcar continuamente a nossa natureza, não permitindo que assome ao consciente a fecunda acumulação de energias que se comprimem no nosso inconsciente africano. E como a arte - por ex. - depende também (e muito) da junção histórica e social, do inconsciente colectivo, inclino-me a ver nessas dissonâncias e nos nossos recalcamentos o motivo por que os artistas de Angola - quando acontece realizarem-se - não chegam a fazê-lo como seria para desejar: com aquela força capaz de despertar torpores e de impelir as gentes para diante. É que eles não criam, não revelam nada, não descobrem nada. E não criam porque não se soltam dos preconceitos da vida comum para mergulharem, livre e omnipotentes, na alma do povo. Não deixam falar o que têm de povo. Ao invés, por exprimir, mediante objectos e linguagem angolanos, ridículos conceitos europeus acerca de nós. E assim é que, por ex., não existe rigorosamente uma literatura angolana, senão uma literatura de motivos angolanos - uma literatura que, no género poesia, descamba num sensualismo mórbido ante o corpo rijo da mulher magra e é sádico-masoquista a versar o drama do homem de epiderme colorida. Em outros géneros, deparamos, às vezes, com a «aventura» de relatar factos reais, tirados da paisagem social e humana da nossa comunidade, mas infelizmente ou com os factos isolados das suas causas ou com estas habitualmente trocadas. Problemas de um objecto universal - o Homem -, mesmo que simples ou já resolvidos em outras partes onde as condições circundantes se identificam mais ou menos com as nossas, são postos aqui, em termos de uma complexidade espantosa (isso quando as não revestem de um carácter especial) para se fazer crer serem as situações, que se justificarem os fracassos e os atrasos ou então se encareceram as intervenções felizes até as raias/saias do milagre.
    Ora, o artista quer-se livre de preconceitos, puro na sua humanidade, forte. Progressivo. A arte está bem na origem do progresso - é o factor principal da evolução - motivo por que ela se nega, por que ela morre, quando a cangam para servir as forças da involução. E dados os factos de serem os mestiços o que menos se importam com o desenraizamento do homem africano, chegando mesmo a refutá-lo de progresso, e de os brancos de África se considerarem tão europeus como os nascidos na Europa, cumpre lembrar-lhes não poderem os povos ser transplantados de uma região para a outra nem ser possível transportar-se a cultura de um país a outro país. Porque as culturas, como os idiomas, são algo de concreto que se radica na alma dos povos e com eles vive, evolui e morre. Além do mais, as criações de povos constituídos por várias raças (como a de Angola) - ainda mesmo que entre eles não seja permitida a mistura de sangues (como na América do Norte) - hão de se vestir, fatalmente, de um carácter «mestiço», porque a influência psicológica é coisa impossível de se obter e é ela que cria um fundo emocional comum, que ajuda a unificar as raças em povo. E a necessidade de os mestiços meditarem no que agora se disse tanto mais se impõe quanto é certo Lars Ringbom (pseud. Gilberto Freyre) «grandes possibilidades de desenvolvimento de cultura no mestiço: mas atingido o ponto em que uma metade da sua personalidade não procure suprimir a outra». E a metade que se pretende eliminar, entre nós, é a negra.
    Chegados a este ponto, faz já sentido perguntar: Como pode o jovem de Angola correr a participar do movimento das ideias se ele não está preparado para desenredar e interpretar os factos processados em derredor de si, se não sabe discernir, neles, o essencial do secundário, se mal sabe determinar o sentido a que os mesmos tendem?
    Porventura não está bem dentro da natureza humana, bem dentro da nossa psicologia, o facto de os jovens angolanos se oporem intimamente às más insuficiências e tentarem escondê-los de toda a gente, disfarçando-as sob aparências de preguiça mental e de insociabilidade? Não é isso um natural processo de defesa?
    
Mas temos de arrepiar caminho. Ante o estado actual das coisas, já todos nos vamos aborrecendo da teimosia de prosseguirmos numa direção que se opõe absolutamente aos nossos verdadeiros interesses. Já muitos anseiam por qualquer coisa - um facto…um motivo forte…- que lhes ajeite a ocasião de tirar a máscara e procurar o rumo certo e tomar por ele. Se assim é, nada mais nos resta do que lançarmo-nos a corresponder à essa necessidade, de definir e fortalecer essa nova consciência. E estou que dois acontecimentos teriam força para consegui-lo. Um deles (que sinto, aliás, acima das nossas forças, sem todavia o considerar sobrenatural) um deles seria o capaz de fazer desaparecer os factos básicos de que se originam os interesses servidos pela ciência em que nos instruem; o outro proviria de uma nova e decidida atitude da parte dos nossos intelectuais. Estes devem certamente concordar em que, se as causas mais próximas da nossa falta de cooperação e de produtividade são psicológicas e educacionais, é preciso sem demora encorajar aos nossos jovens o renunciar a essa natural, sim, mas também contraproducente (quando analisado do ponto de vista social) processo de defesa, o qual visa unicamente a manter importâncias estribadas sobre bases erradas. Para tanto, urge que os intelectuais sinceros e conscientes das suas responsabilidades abdiquem, num autêntico e comovente levante de honestidade e inteligência, dos altos postos a que foram fundados por esses tais falsos valores. Obriguem-se, em… [o fim da folha de papel está danificada]

    Confessem muito francamente, por factos, que é como importa, a mentira da sua cultura. Mostrem a necessidade de nos reeducarmos todos - mas todos! Misturem-se com os homens comuns, auscultar as suas necessidades, estudem os seus problemas, encarnem os seus anseios e guiem-nos, marchando com eles lado a lado. Sejam os primeiros a embrenharem-se por esses caminhos-gentios que nos hão de levar, lentamente e aos tropeções, sim, mas também de modo seguro, ao conhecimento das nossas realidades. E ouvida a voz da terra, aprendida a lição do povo e conhecido o sentido da vida, arme-se e ponha-se em vigor uma nova escala de valores que afira tudo pelos serviços prestados ao Homem. E entre o muito ou pouco que exigir reforma assente-se, pro ex., e da maneira mais completa possível, não ter o intelectualismo nada que ver com a grande distância que esses senhores inacessíveis e complicados fazem por manter entre si e a vida de toda a gente, devendo, pelo contrário, significar ele, no complexo das suas manifestações, um esforço tendente a libertar e a aproximar os homens, sendo o intelectual apenas o indivíduo que cultiva o pensamento e se mete a acompanhar o movimento das ideias, um ideal de bondade na mente, o desejo simples, muito humano e mui louvável de atingir a verdade das coisas, ajudar a difundi-la e convertê-la em bem para os seus semelhantes - isso e também a coragem de destruir as mentiras que nos obscurantizam e desmascarar os interesses que nos “malquistam”. Firme-se ainda não ser o escritor aquele que se limita a rendilhar o fútil com palavras, a cultivar a forma no seu apuro artificial, “pois o que faz o escritor é a capacidade de revelação ou sugestão, pela palavra escrita, da vida e do homem”. E se admitirmos não tirem as ideias por si próprias, vivendo elas, pelo contrário, radicadas em experiências feitas ou em função de realizações futuras que as não concretizar e confirmar-lhes a verdade, devemos nesse caso adoptar, por norma de proceder, o corporizar sempre a ideia. O influir na matéria. E isto, menção pelo facto de ser essa regra que se deve tudo quanto há de mais estimável no mundo, ao menos pela impossibilidade reconhecida de se melhorar o homem sem se renovar o ambiente social.
    Já é vulgar afirmar-se que o saber por saber é uma anomalia do comportamento; que o prazer, sentido por muitos, em apenas observar, compreender e contemplar é um prazer doentio; que ninguém pensa por pensar, desinteressadamente; que «as nossas faculdades não são poderes… [o fim da folha de papel está danificada]
e que tendem»; que a educação deveria ser para a vida, deveria ser a prática normal da própria vida; que a vida é desenvolvimento, educar não deveria constituir noutra coisa do que permitir esse desenvolvimento; e que a «sabedoria não é meramente intelectual», pois que «o intelecto pode guiar e dirigir, mas não gera a força que conduz a acção, devendo essa força derivar das emoções»... Enfim, todo um movimento disposto a levar o homem a viver junto às raízes da vida mais em conformidade com as nossas tendências, mais naturalmente.
    Que os nossos intelectuais, renegando e denunciando por falsos os valores que os sustentam e gloriam, e diligenciando por unirem-se de uma cultura útil a Angola, ajudem a nossa juventude a desistir dessa luta estéril em que se empenha para imitá-los. É preciso que os nossos intelectuais se apossem em reeducar-se. É preciso que situem dentro da vida, que façam por brilhar menos pelas aparências, que rejam mais homens que intelectuais - que vivam a vida! Urge desçam a cooperar. Sacrifiquem-se a cooperar!

Agosto - 29 - 1950
Angola

[Assinatura ilegível e papel danificado]

Carta com um texto sobre a Juventude Angolana

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